No universo da banda desenhada existem duas empresas que dominam o mercado, a Marvel Comics e a DC Comics. Ambas tiveram a sua génese no final dos anos 30 do século passado, a primeira teve como bastião o Capitão América, enquanto a segunda lançou o Super-Homem e o Batman, três personagens com legiões de fãs devotos durante várias décadas.

Uma das principais diferenças entre ambas foi a diversidade de personagens criada pela Marvel, muito por causa do seu ex-chairman Stan Lee, que, em colaboração com outros autores conhecidos, co-criou as principais personagens da empresa, Spider-Man, Hulk, Doctor Strange, Fantastic Four, Daredevil, Black Panther, X-Men, Ant-Man, Iron Man e Thor. Lee, hoje com 95 anos, aparece nos filmes da marca Marvel de forma fugaz.

No final de 1996, a Marvel entrou em falência, pediu protecção dos credores e, passado um ano, renasceu das cinzas para revolucionar o mundo da 7ª arte. Logo em 2000 o primeiro filme da saga “X-Men” demonstrou o poder do universo “fantasia” com receitas de quase 300 milhões de dólares em todo o mundo. Passados apenas dois anos, o primeiro Homem Aranha atropela esse montante com receitas globais de 821 milhões de dólares, valor que só seria ultrapassado pelo terceiro filme da mesma saga com 890 milhões de dólares de receitas nos cinemas.

Em 2012, com a maturação dos filmes de personagens individuais, a Marvel lança a sua saga mais rentável, que junta várias dessas personagens num único filme – “The Avengers” [“Vingadores”] – que gerou receitas superiores a 1,5 biliões de dólares em todo o mundo. Valor que foi ultrapassado pelo recente filme da saga, “Avengers: Infinity War” [“Vingadores: Guerra do Infinito”], que arrecadou mais de 2 biliões de dólares, cifra que o colocou no quarto lugar dos filmes com mais receitas, ligeiramente menos que “Star Wars: The Force Awakens” [“Star Wars: O Despertar da Força”] e “Titanic”, mas ainda longe dos cerca de 2,8 biliões do “Avatar”.

Os filmes “Titanic” e “Furious 7” são os únicos fora da categoria “fantasia” do Top 10 dos filmes mais “valiosos”. A Marvel tem quatro títulos nesse Top, enquanto a D.C Comics não vai além do 24º lugar com “The Dark Knight Rises” [“O Cavaleiro das Trevas”], atrás de seis filmes da concorrente.

Qual o segredo do sucesso da Marvel, que de uma empresa falida passou para a liderança de receitas na 7ª arte, com perto de 20 biliões de dólares de acumulado, enquanto a D.C Comics se fica por menos de 7 biliões em receitas? Estratégia! Logo no início, ao ceder os direitos das personagens por meia dúzia de trocos, porque não tinha capacidade para os lançar condignamente e porque assim conseguiu, em conjunto com big players da indústria, relançar um segmento que tinha ficado seco, após os filmes da concorrente nas décadas de 80 e 90.

Com o mercado criado, a empresa teve capacidade e mais poder negocial para melhores rentabilidades, facto que não passou despercebido ao gigante do sector, a Walt Disney, que em meados de 2009 valia cerca de 40 biliões de dólares quando adquiriu a Marvel por 4 biliões. Hoje, a Disney vale cerca de 165 biliões de dólares, em boa parte pelo excelente desempenho dos filmes da Marvel.

A história Marvel, uma “fénix renascida”, é semelhante à da Apple, uma empresa que no final da década de 90 estava falida e que hoje domina com a maior valorização bolsista da história, mais de 1 trilião de dólares. Destes dois casos de sucesso ficam dois caminhos para o sucesso, trilhos que Portugal não tem.

O primeiro, no caso da Marvel, tem a ver com um sistema que permite às empresas/empresários renascerem de facto, mas por cá não há nada disso. A lei das “falências” permite apenas acabar com negócios, não há sequer um espírito de “vamos para a frente” na classe empresarial, com excepção das negociatas entre os “barões” portugueses, aqueles que, devido aos seus contactos, conseguem acordos “impossíveis” com a banca, ficando limpinhos no final do processo.

Já uma empresa/empresário “normal” fica enterrado para sempre, com a absoluta incongruência do nome ficar registado no Banco de Portugal ad aeternum, impedido assim um empreendedor de voltar a trabalhar com a experiência adquirida. Não, em Portugal não há segundas hipóteses, em Portugal uma Marvel não renascia.

Nem uma Apple sobrevivia sequer, isto porque o que fez nascer a empresa, 250 mil dólares de um empreendedor, ex-director da Intel, que apostou nuns putos “estranhos”, ou os 150 milhões da Microsoft quando a fabricante dos iPhone estava nas lonas, não existem em Portugal. Primeiro porque não temos mercado de capital de risco, e depois porque as empresas entre si não pensam no futuro – se a concorrência se destrói ainda melhor. Errado, nem sempre é esse o caso.

Resumindo, e porque no artigo de opinião anterior falei em estratégia, hoje apresentei dois exemplos de “salvados” que dominam o seu sector. O problema nacional não está na capacidade intrínseca de sermos competitivos, está na falta de estratégia, especialmente dos nossos governantes, que apenas gerem o acessório em detrimento do essencial. É preciso inteligência, congruência e determinação se queremos realmente subir na escada do desenvolvimento, porque, por enquanto, andamos a ver navios ao som de falinhas mansas e muita propaganda barata.

O autor escreve de acordo com a antiga ortografia.