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Ferreira Marques: “Banca não está preparada para gerir grandes volumes de ativos improdutivos”

“Os gestores dos fundos são habitualmente os fundadores que são fáceis de identificar, já que são regulados. Quem investe nesses fundos são na sua grande maioria investidores institucionais, tais como fundos de pensões de empresas, segurança social, sindicatos, seguradoras, universidades e fundos soberanos”, diz o ex-responsável pela Whitestar, consultor da Bain Capital e Managing Partner da ActiveCap.
  • Cristina Bernardo
4 Agosto 2020, 08h05

João Ferreira Marques, Managing Partner da ActivCap – sociedade de capital de risco, especializada no financiamento de empresas através da aquisição de posições acionistas – , fala em entrevista ao JE das operações de vendas de carteiras de ativos problemáticos, explica como se formam os preços e quais as vantagens e desvantagens destas operações para a banca e para os investidores.

Temas que surgem no contexto das recentes polémicas em torno da venda de um portfólio de imóveis do Novo Banco, o projeto Viriato, e que trouxeram o tema da transparência destas operações para a ribalta.

Em entrevista ao JE, o ex-gestor da Whitestar em Portugal defende que “são comuns hoje vendas de ativos não produtivos, entre Non Performing Loans (NPLs) e Real Estate Owned (REOs)”. As vendas destas carteiras têm dominado a atividade dos bancos em todo o mundo nos últimos anos no pós-crise 2008. “Porque os NPLs (Non-Performing Loans) têm uma série de efeitos nefastos quando no balanço dos bancos, impactando resultados, limitam a concessão de novo crédito, consomem capital e deixam os bancos expostos a choques”, explica o gestor que é também consultor da Bain Capital, uma das empresas que comprou portfólios de ativos problemáticos à banca.

“Os bancos, no geral, também não estão preparados para gerir grandes volumes destes ativos não produtivos e existem grandes limitações regulatórias, que ao mesmo tempo que forçam os bancos a terem balanços mais saudáveis, limitam o apoio dos governos para criarem veículos de gestão (vulgo Asset Management Companies), à concessão de garantias e mesmo à recapitalização”, explica João Ferreira Marques.

“Offshores é uma prática corrente”

O gestor que foi CIO da Whitestar detalha ainda que o uso de offshores é uma prática corrente. “A exceção seria a não utilização de offshores. Há varias vantagens, a principal é o fato de esses veículos não pagarem impostos entregando aos seus investidores o capital bruto e depois cada investidor paga impostos na sua jurisdição relevante. Seria mais complexo o capital investido ser alvo de impostos numa primeira fase. Isto também permite que os fundos paguem mais pelas carteiras”.

O tema surge porque uma notícia do Público sobre a venda de um portfólio de imóveis do Novo Banco, em 2018, falava de os acionistas da Anchorage estarem sediados em  Caiman.

O gestor diz ainda que “no geral há três tipos de transações com estes ativos: os leilões; as chamadas transações privadas ou bilaterais; e as titularizações”. Sendo que “os leilões têm a vantagem de serem transparentes, assumindo que um considerável número de investidores são convidados por entidades externas ou mesmo pelo próprio vendedor”. Este é o mais usado e foi o usado na venda da carteira Viriato pelo Novo Banco à Anchorage Capital Group.

João Ferreira Marques explica que “as chamadas transações bilaterais, foram muitas vezes alvo de um trabalho prévio por parte de um vendedor informado que define um preço mínimo e outras condições para as quais encontra uma entidade que poderá garantir a execução. Muitas vezes é a melhor solução, mas tem vindo a ser cada vez menos utilizada por questões de governance e transparência”.

“As titularizações são também uma alternativa, mas exigem um volume considerável de créditos relativamente homogéneos e a intervenção de agências de rating”, acrescenta.

“Dependendo da constituição da carteira, a compra pode ocorrer com descontos significativos”

Sobre a questão se a compra pode ocorrer com descontos significativos, e uma vez que se fala muito dos descontos que são atribuídos a estes portefólios, João Ferreira Marques diz que “quando se fala de um determinado desconto, há que entender que há várias variáveis a ter em conta. Desde logo, diferentes avaliações das garantias, colaterais ou dos imóveis quando estes existem”.

Sobre o preço cobrado pelas gestoras (que é o desconto do portfólio face ao valor líquido de imparidades), João Ferreira Marques admite que “porventura há um fator mais subjetivo”, já que “muitas vezes esses imóveis estiveram bastante tempo (anos) à venda por preços para os quais nunca encontraram um comprador”.

Por outro lado, diz, “há os custos com a manutenção, licenças, impostos ou outros que, de qualquer forma, seriam sempre incorridos pelo vendedor caso os mantivesse. Depois há custas judiciais, no caso de non performing loans; custos com obras de melhoria ou de reposicionamento dos ativos; custos com intermediação imobiliária que seriam também incorridos pelos vendedores no caso de uma venda; custo de capital ou o “lucro” do comprador. Aqui poder-se-á, com razão, argumentar que este lucro ou custo de capital será mais alto do que o do um banco vendedor”.

No entanto, diz, “como todos sabemos, nos dias de hoje o capital disponível para bancos é escasso não atraindo novos investidores. Teríamos ainda que ter em conta o custo de oportunidade para um banco, que poderá utilizar um balanço mais limpo para uma das suas funções principais que é a concessão de crédito e libertar a atenção dos seus executivos para o futuro e menos para o passado, esperando que as lições passadas tenham sido aprendidas”.

“Se colocarmos números, meramente ilustrativos e sem referência a qualquer carteira em particular tendo em conta que cada caso é um caso com as suas especificidades, vamos assumir que a diferença de avaliação para um determinado ativo é de 10%; depois custos com manutenção e gestão imóveis são 5%, custos com servicers 5%, impostos 5%, intermediação imobiliária 5% e custo de capital 10%. A isto junta-se o tempo da liquidação (somente um exemplo, existem outras estratégias) que levaria 2 anos, e aí seriam 20%. Neste cenário, que até pode ser visto como benigno, estaríamos já em presença de um desconto de 50%”, explica o gestor da ActiveCap.

“Na maioria das vezes o desconto é significativo devido ao facto de se tratarem de ativos que não conseguiram ser escoados, devido diversos problemas tais como problemas de licenças, alterações de PDM com terrenos que passaram de urbanos a rústicos (entre muitas outras situações). Nestes casos podemos estar a falar de diferenças de valorização muito substanciais”, admite João Ferreira Marques.

É normal financiar o comprador?

Questionado sobre se é normal, um banco vender uma carteira de ativos problemáticos e financiar com empréstimo o comprador? João Ferreira Marques explicou que “é comum para os investidores neste tipo de ativos financiarem-se. Os fundos não têm qualquer necessidade de financiamento, no geral, têm capital mais que suficiente para a grande maioria das suas aquisições. O financiamento é no entanto habitual já que lhes permite alavancar os retornos e por consequência pagar mais aos vendedores”, adiantou.

“Normalmente, tal financiamento é efetuado por bancos de investimento internacionais ou pelos vendedores aqui chamado de vendor financing“.  O especialista em sociedades de gestão de carteiras de crédito e imobiliário, admite que o “vendor financing é menos frequente em Portugal”, mas que “de qualquer forma positivo é para o vendedor por dois motivos: porque consegue um preço melhor pelos motivos já indicados; e o banco angaria novo negócio para a sua carteira de crédito em condições favoráveis e normalmente com Loan-to-Values [rácio de empréstimo face ao valor do ativo] baixos e calculados em relação ao preço pago e não ao valor de mercado dos ativos”.

“Tal significa que, por absurdo, que caso o investidor/comprador não conseguisse gerar cash flow suficiente para liquidar o empréstimo, o vendedor e financiador além de ter recebido o preço, iria mais tarde tomar posse novamente da carteira de ativos podendo, mais uma vez e se assim o entendesse, vender essa mesma carteira. É caso para dizer que seria um cenário cor de rosa para esse vendedor/financiador”, explica Ferreira Marques.

O Novo Banco financiou parte das sociedades de direito português que foram constituídas pela Anchorage para comprar os imóveis do portfólio.

Os fundos são na sua grande maioria de investidores institucionais

Questionado sobre quem são os investidores destes fundos?  O gestor explica que “muitas vezes associa-se a terminologia investidor a sociedades gestoras que meramente gerem e investem o dinheiro que lhes é confiado pelos reais investidores. Investidores esses que muitas vezes preferem ser anónimos porque são passivos e não responsáveis pelo investimento e gestão do mesmo”.

“Os gestores dos fundos, vulgo General Partners, são habitualmente os fundadores que são fáceis de identificar já que são regulados. Quem investe nesses fundos são na sua grande maioria investidores institucionais, tais como fundos de pensões de empresas, segurança social, sindicatos, seguradoras, universidades e fundos soberanos. Algumas estatísticas apontam para que este tipo de investidores contribuam com mais de 65% do capital gerido por credit e hedge funds”.

Sobre o futuro deste mercado, João Ferreira Marques alerta que “o caminho é duro, foi duro e não será mais fácil no futuro principalmente devido à situação pandémica global que vivemos com grande incerteza. Certezas temos que o pior do impacto económico ainda está para vir e, ao nível da banca, com preocupações aquando do fim das moratórias e outras linhas criadas recentemente”.

Alternativas à venda de NPL e NPA? Sim, um bad bank

Há alternativas para os bancos libertarem-se dos ativos problemáticos no tempo que os supervisores exigem? Segundo o Managing Partner da ActiveCap, “sim, pode e deve-se, discutir-se o conceito de um bad bank (como o Sareb em Espanha, ou o Nama na Irlanda) ou melhor uma asset management company, mas isso implica a alocação de capitais públicos com as óbvias restrições de orçamento disponível para esse efeito e restrições ao nível Europeu”.

“Isto limita a intervenção dos Estados, sendo os que sofrem mais são aqueles com maiores dificuldades, Portugal incluído. Este instrumento devia ser discutido com urgência porque as características dos NPLs estão a alterar-se, com muitas empresas viáveis e com grandes problemas de endividamento. E, quer os servicers Portugueses quer a maioria dos Fundos que têm investido em Portugal não têm esta especialização (nem deviam ter) para trabalhar e injetar capital no tecido empresarial”, refere o gestor.

João Ferreira Marques diz ainda que “a maioria dos investimentos feitos até à data têm sido de capital não produtivo, são importantes e resolvem um problema no imediato mas esse capital sai depois de Portugal. Falta capital produtivo e entidades especializadas, que vão para além da compra e liquidação, que convertam os créditos em capital, que invistam capital adicional nas empresas reestruturando-as de forma que aquando da sua saída de capital, deixem valor e emprego”. No entanto, “tendo em conta que as empresas em Portugal na sua maioria são PMEs, tal coloca riscos consideráveis de saída para esses investidores limitando a sua saída”.

“Ao contrário do que se passou no mercado de NPLs em Portugal até à data, onde a intervenção do Estado era limitada para o seu sucesso (a não ser que quisessem intervir de forma a limitar o êxodo de capital pós-investimento), agora vai ser fundamental para atrair investidores mais ativos e que estejam dispostos a correr riscos outros que liquidar imóveis e outros colaterais”, diz o managing partner da ActiveCap.

“Portugal está bem servido de entidades capazes de uma gestão profissional”

Questionado porque é os bancos não fazem a gestão desses estes ativos em vez de os vender, João Ferreira Marques diz que “é importante salientar que o core business da banca não é gerir estes ativos. Mesmo a gestão mais ativa por parte de alguns bancos tem limitações várias, desde a perda de focus no core, moral hazard, entre outros. Portugal está bem servido de entidades capazes de uma gestão profissional, os agora vulgo Servicers, com grande qualidade e que comparam com os melhores a nível internacional”.

“O gap existe ao nível da especialização em casos complexos onde são necessárias entidades especializadas, principalmente quanto a empresas, de forma a reestruturar, consolidar e profissionalizar um número importante de empresas. Mas isto é uma outra discussão”, acrescenta.

João Ferreira Marques começou a carreira na banca em Portugal, esteve depois vários anos na banca de investimento em Londres, foi analista da Fitch e da DBRS, foi CIO da Whitestar em Portugal, e consultor de vários fundos internacionais que compram carteiras (por exemplo a Bain Capital) .

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