[weglot_switcher]

Fiat-Renault: a fusão de 33 mil milhões que agitou os mercados

Era um sonho de Sergio Marchionne, o ex-CEO da Fiat-Chrysler, mas morreu antes do tempo. E há quem diga que era um desejo escondido de Carlos Ghosn, o arquitecto da aliança estratégica franco-japonesa. Esta segunda-feira, os investidores “viram com bons olhos” a fusão da Fiat-Chrysler com a Renault, um mero reflexo da consolidação que está a marcar a indústria automóvel.
28 Maio 2019, 07h40

A fusão da Fiat-Chrysler Automobiles (FCA) com a Renault, que criaria a terceira maior construtora de automóveis a nível mundial, reflecte os caminhos para onde a indústria automóvel se está a deslocar: o da consolidação. A inovação tecnológica está não apenas a criar novos modelos de negócio, mas a aumentar os custos operacionais dos incumbentes, disse Tiago Pinheiro, analista da ActivTrades, uma corretora. “A indústria está em mudança significativa”, explicou.

Tal como o analista, John Elkann, o patrão da Exor – a holding e braço de investimento da família Agnelli e que controla cerca de 30% da FCA – sabe que os tempos de transformação exigem medidas drásticas. Na carta de 2018, dirigida aos acionistas da Exor, John Elkann escreveu que “estamos a entrar num período da indústria automóvel semelhante ao dos seus primórdios, quando diversas tecnologias e novos modelos de negócio começaram a emergir. Entre 1898 e 1908, mais de cem construtoras foram fundadas em Itália. Atualmente, como então, os desafios são enormes, mas o potencial é ainda mais”. Em jeito de profecia, revelou que “os próximos vinte anos para a indústria automóvel, tal como os seus primeiros vinte, serão de grandes mudanças, maiores do que o último século”.

John Elkann não quer ver a empresa que Giovanni Agnelli (o seu tetra-avô) criou em 1899 – a Fabbrica Italiana Automobili Torino (Fiat) – desaparecer num mundo cada vez mais competitivo e, na dita carta, rematou: “estamos determinados que a nós [a Exor] e a FCA desempenharemos ativa e ambiciosamente nesta era nova e desafiante”.

Talvez por isso, e pelo sonho de o ex-CEO da FCA, Sergio Marchionne, o anúncio da fusão de 32,6 mil milhões entre os dois grupos não tenha sido uma enorme surpresa. “A proposta da fusão foi da FCA e já estava à procura de uma parceria há já algum tempo”, contou Tiago Pinheiro.

O anúncio da fusão teve uma boa reação por parte dos investidores. Dentro do Eurostoxx 600, o setor automóvel subiu 1,57%, para 473,23 pontos, com os títulos da Renault e da FCA a encerrarem a sessão desta segunda-feira com ganhos de 12% e de 8%, respectivamente. Também a Exor subiu mais de 6%.

Como a inovação tecnológica no setor automóvel “envolve grandes custos, de desenvolvimento, de pesquisa, enfim, custos operacionais”, é natural “que a fusão seja vista com bons olhos porque, caso se concretize, traz poupanças de cinco mil milhões de euros por ano que poderão ser canalizados para outras áreas”, explicou o analista. E isto numa altura em que a indústria está “muito competitiva”, onde competem não só as grandes construtoras, como as “tecnológicas”, disse Tiago Pinheiro. “A Uber, por exemplo, tornou-se num player do setor, embora não produza carros”.

O plano satisfaz as necessidades da Fiat-Chrysler em “aliar-se a um líder na eletrificação de veículos” porque, neste momento, “está muito atrás”, revelou o analista da ActivTrades. Por sua vez, para a Renault, “a fusão permitia tornar-se co-proprietária da terceira maior construtora de carros”, isto é, uma gigante que venderia quase nove milhões de veículos por ano, apenas atrás da Vokswagen e da Toyota, 170 mil milhões de euros em vendas, dez mil milhões em resultados operacionais e oito mil milhões de lucros.

A concretizar-se, “um processo que deverá durar entre seis a doze meses”, disse Tiago Pinheiro, a fusão criaria uma “nova entidade, detida a 50% pelos acionistas da FCA e pelos acionistas da Renault”.

É neste ponto que reside um dos pontos mais sensíveis: a aliança estratégica que a Renault tem com os japoneses da Nissan e da Mitsubishi. A Renault detém 43,4% da Nissan e tem uma participação de 15% na construtora francesa. “Diz-se, não é um facto, mas diz-se que o Carlos Ghosn [o arquiteto da aliança estratégica Renault-Nissan-Mitsubishi] já tinha estas ideias da fusão”, contou Tiago Pinheiro.

Ainda assim, o analista acautelou que “não podemos dar por garantida esta fusão”. “Em princípio será bem acolhida, por isso é que os mercados reagiram tão positivamente. Mas o processo tem de percorrer todos os intervenientes”, explicou Tiago Pinheiro.

A Renault já disse que vai “estudar” esta proposta “amigável”, no dia em que a França, que detém 15% da marca francesa, “já deu um parecer favorável, mas num moderado”, avançou o analista da ActivTrades. “E Itália também parece apoiar, desde que não coloque em causa postos de trabalhos nem provoque encerramentos de fábricas – algo que não me parece possível, dado que eles [a FCA e a Renault] trabalhar em cima do que já têm”, explicou Tiago Pinheiro. Também a autoridade da concorrência europeia, a DGCom, disse que “a fusão iria pressionar a concorrência europeia porque há outros construtores”, como a Daimler, a Vokswagen, a PSA (Peugeot-Citröen) ou a BMW.

Apesar de precisar de juntar forças com os franceses, a família Agnelli parece não estar disposta a abdicar de uma das suas jóias – a família controla ainda a Juventus e a Ferrari. Segundo as fontes ouvidas pelo “Financial Times”, John Elkann continuará a ser o patrão, desempenhando o cargo de chairman na terceira maior construtora a nível mundial, com o número da Renault, e substituto de Carlos Ghosn, Jean-Dominique Senard, a ser nomeado CEO. E, Mike Manley, que substituiu Sergio Marchionne na Fiat-Chrysler, deverá ser o CFO.

https://jornaleconomico.pt/noticias/agnelli-a-historia-da-mais-celebre-familia-italiana-2-343568

Copyright © Jornal Económico. Todos os direitos reservados.