Podia ser uma das narrativas de Philip K. Dick (autor de Blade Runner e Minority Report), uma espécie de Admirável Mundo Novo imaginado por Aldous Huxley, um conto Orwelliano ou uma das realidades sinistras retratadas na série Black Mirror. Sim, o cenário descrito é de ficção científica. O resultado é ficção, mas o processo não.

A sessão em Wall Street na passada segunda-feira foi de fortes quedas. Com a economia norte-americana robusta e a subida das taxas das obrigações a oferecerem concorrência, as cotações das ações caíram a pique, com os investidores assustados pela perspetiva de mais aumentos nas taxas de juros pelo banco central. Foi esta a principal lógica por trás do trambolhão de 4,6% do índice Dow Jones, o maior desde 2011. Mas já no próprio dia, muitos analistas apontavam para o papel dos algoritmos no tombo. A Bloomberg vaticinava que as máquinas tinham deixado as impressões digitais no selloff.

Se na primeira metade da sessão as ordens de venda foram executadas por seres humanos, durante a tarde foram os algoritmos, especialmente em plataformas desenhadas para responderem ao aumento da volatilidade, os principais responsáveis pelas quedas.

Criada para aumentar a velocidade e a liquidez, o high frequency trading é aliciante porque deteta sinais e oportunidades para fazer lucros.

A tecnologia é, há muito tempo, um dos motores do desenvolvimento dos mercados financeiros. No entanto, não precisamos de ser o Velho do Restelo para encontrar motivos para desconfiar deste último passo.

Um deles é que a automatização poderá tornar os traders obsoletos. Sim, isto não é novo, a robotização já eliminou profissões em inúmeras indústrias. Sim, os corretores de bolsa não galvanizam necessariamente a nossa simpatia, com a cultura a retratar negativamente uma profissão na qual greed is good, mas não deixam de ser pessoas que vão para o desemprego.

O segundo motivo é que essas são as pessoas que continuam a ser o elo de segurança que poderá impedir máquinas de entrarem numa espiral sem controlo, o que traria custos elevadíssimos não só para os investidores em ações, mas também para empresas e trabalhadores, ou seja, todos nós enquanto economia.