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Filipe de Botton: “Estamos a trabalhar 24 horas por dia, sete dias por semana”

A subida da procura de produtos alimentares e de higiene levou o grupo nacional de embalagens a colocar as fábricas a produzir a 100% da sua capacidade, mesmo nos países mais assolados pela pandemia. Mas Filipe de Botton está preocupado com a retoma.
17 Abril 2020, 09h00

A Logoplaste está a produzir a todo o vapor para responder ao acréscimo de procura de bens alimentares e de higiene ocorrido na sequência da pandemia. Mesmo nos países mais assolados pela covid-19, as unidades industriais da produtora de embalagens estão a funcionar a 100% da sua capacidade.

Em entrevista ao Jornal Económico, Filipe de Botton, chairman da Logoplaste, revela que não foram feitas contratações, mas também assegura que não haverá despedimentos, nem o recurso ao lay-off. Com o acréscimo de produção, prevê uma subida de faturação de cerca de 10% no presente ano, para cerca de 760 milhões de euros.

Sobre a atuação do Governo durante esta crise, Filipe de Botton é muito crítico, exigindo dinheiro vivo para os afetados, menos burocracia e mais rapidez nas decisões. E mais igualdade entre o setor público e o setor privado. O empresário está ainda preocupado sobre a forma como a economia vai ser retomada no day after.

Como reagiu a Logoplaste ao surto de coronavírus em curso?
A nossa primeira preocupação desde que surgiu a pandemia do coronavírus foi criar medidas e procedimentos que permitissem aos nossos trabalhadores irem para as fábricas e trabalharem nas fábricas. A Logoplaste opera cerca de 70 fábricas, que estão espalhadas por 16 países. A maior parte dessas fábricas está integrada nas fábricas dos nossos clientes. A Logoplaste, juntamente com os nossos clientes, teve de assegurar a totalidade dos procedimentos de higiene e de segurança. E estamos a ser extremamente rigorosos nesse aspeto. Tivemos de criar normas em todos os nosso espaços de trabalho.

Quantos colaboradores tem neste momento a Logoplaste? Já houve casos de trabalhadores infetados com o coronavírus?
Já há mais de um mês e meio que surgiu esta pandemia na Europa e, até ao momento, felizmente, não houve nenhuma situação de qualquer colaborador infetado pelo vírus. Temos cerca de 2.400 colaboradores.

Desses colaboradores, quantos estão em teletrabalho?
Neste momento, temos a trabalhar em regime de teletrabalho cerca de 200 colaboradores, principalmente trabalhadores da nossa sede em Cascais, e da sede regional nos Estados Unidos, em Chicago, assim como dos dois centros de inovação da Logoplaste, igualmente em Cascais e em Chicago. E queria sublinhar que iniciámos as medidas de teletrabalho nos Estados Unidos ao mesmo tempo que em Portugal, ainda quando o presidente Donald Trump mostrava indecisões sobre as medidas de contenção.

Qual a presença da Logoplaste nos Estados Unidos?
Além da sede regional e do centro de inovação, ambos em Chicago, a Logoplaste tem 24 unidade unidades em laboração na América do Norte, entre Canadá, Estados Unidos e México. Estas unidades são responsáveis por cerca de 45% das vendas da Logoplaste.

Se apenas os trabalhadores das sedes e dos centros de inovação estão em teletrabalho, o que é que isso significa em termos dos restantes, da laboração das fábricas da Logoplaste?
Significa que desde final de fevereiro, temos a totalidade das nossas fábricas está a trabalhar 24 horas por dias, sete dias por semana. Deixou de haver qualquer sazonalidade. A Logoplaste produz embalagens essencialmente para bens alimentares, onde se registou uma certa corrida aos bens de consumo, e para produtos de limpeza e de higiene, onde percebemos desde o início que a nossa produção não seria prejudicada, antes pelo contrário. Este acréscimo de procura levou à laboração contínua nas nossas unidades, o que exigiu a criação de turnos espelho. Tivemos de organizar todas as equipas e toda a nossa estrutura industrial, de forma a que se alguém estivesse infetado com o vírus, assegurarmos que haja uma equipa de reserva, para que, mesmo em quarentena, nenhuma fábrica parasse.

Com esta laboração contínua, a Logoplaste procedeu à contratação de pessoal?
Não tivemos de contratar, mas também não vamos proceder a despedimentos, nem recorrer ao lay-off. E pelo facto da existência deste surto de Covid-19, e para continuar a apoiar os nossos colaboradores, que diariamente estão a trabalhar a 100%, indo às fábricas e estando na linha da frente do risco, demos um prémio de 10% adicional sobre os salários enquanto se mantiver esta situação.

Qual será o acréscimo de produção esperado pela Logoplaste?
Face à produção normal, estamos a registar um acréscimo de produção de cerca de 22% face ao período homólogo. Na parte de produtos de higiene e de limpeza, por exemplo, na nossa fábrica de Itália, que fabrica um produto de higiene local, um desinfetante, estamos a registar aumentos de produção de cerca de 40% face ao período homólogo.

A Itália é um dos países mais afetados pela pandemia. Onde se localiza a fábrica da Logoplaste?
Esta fábrica localiza-se nas imediações de Roma. Foi considerada pelo governo italiano uma fábrica essencial e, portanto, está a trabalhar 24 horas por dia, sete dias por semana.

Face ao acréscimo de produção, qual o aumento de faturação esperado da Logoplaste para este ano?
A nossa ideia é encerrarmos o ano de 2020 com um crescimento de cerca de 10% da facturação face ao ano passado. Devemos encerrar este ano com uma faturação de cerca de 760 milhões de euros. O Grupo Logoplaste nunca deixou de crescer desde que em 1994 iniciou o seu processo de internacionalização.

Qual o peso da atividade da Logoplaste em Portugal em termos de faturação e de trabalhadores?
A atividade da Logoplaste em Portugal vale cerca de 8% da faturação global do grupo. No nosso país, empregamos cerca de 350 trabalhadores.

Quais são os principais clientes da Logoplaste hoje em dia?
Hoje em dia, a Logoplaste trabalha com os maiores produtores industriais mundiais, desde a Procter & Gamble, Johnson & Johnson, Nestlé, Henkel, L’Óreal, por exemplo.

E em Portugal?
Em Portugal, estamos neste momento de pandemia a trabalhar quer com a Central de Cervejas, quer com a Unicer, quer com a Nestlé. Mas, mais importante, para nós, é que contratámos com as Câmaras Municipais de Lisboa, do Porto, de Cascais, e também com o Infarmed, a possibilidade de oferecer embalagens para poder distribuir pelos diversos profissionais que estão na linha da frente do combate à covid-19.

Como avalia a atuação do Governo na gestão desta crise?
Penso que o Governo tem estado a gerir corretamente toda esta situação crise do coronavírus. Mas penso também que o Governo tem sido pouco lesto em três áreas: não dar dinheiro direto aos funcionários e trabalhadores que estão a entrar em lay-off, apoiar diretamente e de forma rápida as pessoas, que estão a ficar sem salário. Em segundo lugar, a desburocratização. Isso é muito visível, por exemplo, na importação de produtos estratégicos ou na aprovação de alguns equipamentos considerados fundamentais nesta fase de ataque à pandemia. Estou a falar de equipamentos de produção em borracha, por exemplo, para poderem ser produzidos EPI – Equipamentos de Proteção Individual. Posso contar-lhe aqui o caso de uma empresa nacional que quis produzir esses EPI para Portugal, mas a morosidade de tempo e a incapacidade de resposta por parte da Direção-Geral de Saúde, levou-a a optar por exportar esse tipo de produtos para a Alemanha. Não pode haver burocracia. Está a passar-se o mesmo com a impossibilidade de importação de álcool desnatado dos Estados Unidos, que poderia ajudar os problemas de falta de gel desinfetante. Em vez de se tentar fazer isso através de uma via rápida, continuamos a apostar na burocracia, na necessidade e morosidade de autorizações por parte da Autoridade Tributária e do Infarmed.

E qual é o terceiro ponto que considera fundamental?
O terceiro ponto tem a ver com o que eu penso que devia ser uma preocupação do Estado português. O Estado português devia ter mais cuidado em criar situações de igualdade entre a Administração Pública e quem trabalha no setor privado. Penso que neste momento está a haver um tratamento escandaloso de beneficiar os trabalhadores do setor público, o que penso ser uma medida política eleitoralista, e que está a criar um grande afastamento entre empresas do setor público e do setor privado. E o Estado ainda não fez nada para evitar esta situação perigosa.

Além da pandemia, estamos a braços com uma grave recessão económica. O que defende para sairmos desta situação?
Temos de começar a pensar rapidamente no day after. Quanto mais cedo começarmos a pensar e a trabalhar nisso, melhor. Temos de pensar quais as medidas, quais vão ser os setores. Temos de saber se vamos ter disponíveis em número suficiente máscaras multiuso, para podermos abrir gradualmente a economia. Mas têm de ser máscaras multiuso, que permitem a lavagem, sem ser de simples uso. Convinha começar a pensar em tudo isto, em ser mais ativo, em ser mais rápido.

Para já, o que retém da situação anómala que estamos a enfrentar?
Gostava de realçar a forma extraordinária como os cidadãos portugueses, de uma forma geral, sempre em antecipação às medidas do Governo, se puseram eles próprios em quarentena. E os exemplos de solidariedade que têm surgido neste período. É fantástico ver as pessoas a reagir e a ajudar. Ver o compromisso dos portugueses em ajudar e em minorar as situações menos positivas dos seus semelhantes.

Artigo publicado na edição nº2037, de 17 de abril, do Jornal Económico

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