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Fintech ganham terreno e apoio da banca

A relação das fintech com a banca começa a descolar-se de uma lógica de concorrência para uma plataforma de colaboração e cocriação.
25 Fevereiro 2018, 16h00

Em 2017, o investimento global em fintech atingiu 31 mil milhões de dólares (cerca de 25 mil milhões de euros) refletindo a trajetória ascendente destas startups já que em 2016 o montante foi de 25 mil milhões de dólares (aproximadamente 21 mil milhões de euros),

Estes são os números apurados na última edição do relatório “Pulse of Fintech” da KPMG, que monitoriza o investimento em fintech à escala global, registados num ambiente que contraria o mais expectável, ou seja, ao invés da promoção de concorrência com as fintech, as instituições financeiras estão a criar plataformas de cocriação e colaboração, incorporando, de forma colaborativa, inovação e diferenciação nos seus modelos de negócio. “Esta lógica colaborativa pode ter impactos muito positivos nas ofertas de produtos e serviços e na eficiência das instituições”, afirma, ao Jornal Económico, o vice-presidente da KPMG Portugal, Vítor Ribeirinho.

A presença, e evolução, das fintech no mercado nacional está na ordem do dia e os discursos convergem para a sua importância e coexistência com a banca. Fernando Faria de Oliveira, presidente da APB – Associação Portuguesa de Bancos, em ensaio publicado no Jornal Económico de dezembro último, ao analisar a última década do sistema bancário em Portugal, destaca que “ao contrário da ideia que parece existir, o setor entende que a competição entre bancos e não bancos pode ser saudável para o mercado e deve ser incentivada. Mais do que um desafio, os bancos olham para as mudanças no comportamento dos consumidores e na inovação tecnológica como uma oportunidade que têm de aproveitar”.

Defendendo que um dos grandes temas que a banca enfrenta na nova era digital se prende com o aumento da concorrência, reforça que existirão novos players, nomeadamente nos pagamentos e no crédito, referindo-se particularmente às fintechs e às grandes empresas tecnológicas e plataformas digitais. “As startups fintech, mais do que concorrentes, surgem como importantes parceiros potenciais dos bancos. A cooperação com startups traz grandes vantagens a ambas as partes. Já as grandes empresas tecnológicas, com todo o seu potencial financeiro e tecnológico, têm capacidade para lançar plataformas financeiras a nível mundial”, conclui.

Para João Freire de Andrade, Head of Venture Capital do BiG – Banco de Investimento Global, nesta fase não existirão substituições (da banca por fintechs ou gigantes tecnológicas) mas “aos poucos algumas peças começam a juntar-se e a tornar esta ameaça para o setor mais palpável e possível”. Na sua ótica, todos os gigantes tecnológicos da atualidade, como a Amazon, podem ser concorrência para a banca nacional mas, dada a uniformização do acesso às contas previsto pela Diretiva dos Serviços de Pagamento revista (PSD2), também os bancos internacionais e fintechs terão “ainda mais facilidade de vir buscar negócio a Portugal”. Em resposta ao que apelida de ser a “UBERização” da banca, o responsável, afirmando desde logo que o setor “não está bem encaminhado”, recorda que dada à falta de rentabilidade da maioria dos bancos, começaram a ser impostas comissões para todo o tipo de operações, foram fechadas agências, tentando privilegiar o contacto online sem reformular e adaptar estes canais. “Isto faz sentido a nível económico mas coloca estes bancos na mesma arena que as empresas tecnológicas. Estas empresas são especialistas no contacto digital, criam soluções com ótimas experiências de utilização e, na sua grande maioria, sem custos para o utilizador”, reforça, acrescentando que “felizmente o PSD2 é muito mais que uma norma regulatória. É o início de uma era de banca aberta e uma tremenda oportunidade para os bancos começarem a colaborar com outras empresas de forma sistematizada. Como inspiração para o setor financeiro deveríamos ter as fintechs nacionais que, com capacidade de execução, foco e menos recursos para competir com os incumbentes nacionais e internacionais, vão avançando e conquistando clientes. Talvez com cooperação com estas fintech seja realmente possível criar produtos de valor acrescentado e reduzir os incentivos para autorizar a Google a aceder à nossa conta bancária”, conclui.

Na leitura de Sebastião Lancastre, CEO da EasyPay, corroborando que não haverá lugar a substituições, considera que estamos a assistir à entrada de novas empresas no mercado, como é o seu próprio caso, as quais “irão certamente ajudar os bancos neste processo, tornando-os mais digitais”. Em seu entender, os bancos existirão sempre “mas há serviços que vão passar de mãos, nomeadamente aqueles que têm a ver com as contas do dia a dia, ou seja, as contas de pagamentos mais simples, que poderão passar para as fintech”.

Também o especialista da EY João Rueff Tavares coloca de parte o cenário das substituições, considerando que o novo paradigma se prende com o papel que cada interveniente irá assumir neste novo ecossistema. “Cada interveniente terá de encontrar o seu ‘espaço’. É certo que o ponto de partida é diverso entre os vários stakeholders e que os bancos, nos últimos anos, têm, gradualmente, procurado resolver problemas decorrentes de “non performing exposures”, algo que não é comparável no contexto de entidades não financeiras ou novos entrantes no mercado, naturalmente mais ágeis, como as fintechs”, elucidam os consultores. Assim, defendendo que a banca (a prestação de serviços financeiros bancários), tal como a conhecemos, vai ser “significativamente diferente no futuro”, consideram que terá de “embarcar numa jornada transformacional, disruptiva”, sendo que na sua perspetiva, a colaboração entre os vários stakeholders (tais como fintechs, entidades de venture capital, entre outros) “é imperativa”. “Está a formar-se um novo ecossistema para a prestação de serviços financeiros bancários, e os bancos tradicionais têm de compreender e decidir qual o papel que pretendem desempenhar nesse ecossistema”, remata.

Por outro lado, partindo do princípio de que “os modelos de negócio das fintechs são sinónimo de disrupção”, sobre o seu papel no futuro, acrescenta que suportadas por inovações, sem paralelo, em financial technology, ocupam na esmagadora maioria o espaço cashless e são, portanto, potenciadores da desmaterialização do dinheiro e da democratização do acesso aos serviços financeiros. “O papel das fintechs neste novo ecossistema é incontornável, em que, através de novas ofertas e modelos, terão um papel fundamental no aumento da transacionalidade, com diversas vantagens, desde logo ao nível do pricing e conveniência para os consumidores finais”, reforça.

Para Duarte Líbano Monteiro, CEO da Ebury Ibéria, “é muito provável que as fintech ganhem quota de mercado em diferentes nichos e, embora o impacto não seja muito grande em termos percentuais, o banco será forçado a encontrar eficiências através de redução de custos ou mais fusões. Em sentido contrário, frisa, se o setor se tentar transformar e colaborar com as fintech, as probabilidades viram-se para a abertura de oportunidades para ambos os players de mercado. “A médio prazo podemos ver a evolução do modelo de negócio dos bancos para uma plataforma que, além de seus produtos core, oferecem serviços complementares das fintech, incluindo crédito ao consumo. “Desta forma, o serviço ao cliente será melhorado através de uma gama mais vasta de produtos e este será mais direcionado a alcançar níveis mais elevados de eficiência em processos e serviços. Esta evolução permitirá à banca posicionar-se face aos players tecnológicos como a Google, Amazon ou Apple, que a qualquer momento podem entrar no mercado financeiro”, alerta também.

Regulação a caminho?

A emergência da regulação das fintech no mercado nacional pode ainda agigantar-se este ano, com o já referido estudo da KPMG a mostrar que a tendência de afirmação das fintech pelo mundo fora deve acentuar-se em 2018, fruto da entrada em vigor da Diretiva dos Serviços de Pagamento revista (PSD2), que terá impactos a diversos níveis, sendo que alguns podem ser disruptivos para a prestação de serviços de pagamento a nível europeu. A diretiva vem responder à crescente digitalização dos serviços financeiros, que se traduziu no surgimento de novos prestadores de serviços de pagamento, soluções de pagamento inovadoras, utilizadores mais exigentes e novos desafios para a segurança das operações.

É este cenário que vem abrir oportunidades para as fintech, já que vem também regular dois serviços de pagamento que, até à data, não tinham enquadramento regulamentar – os serviços de informação sobre contas e os serviços de iniciação de pagamentos. Estes serviços serão prestados aos utilizadores online por prestadores que se consideram terceiros na relação entre o utilizador e o banco. Estes terceiros terão, mediante o consentimento dos utilizadores, acesso aos dados das contas dos clientes bancários e poderão, por exemplo, no caso dos serviços de informação sobre contas, fornecer informação agregada sobre contas detidas em vários bancos e possibilitar serviços de gestão dos orçamentos das famílias ou da tesouraria das empresas.

Quanto à regulação desta “entrada em jogo” das fintech , o Banco de Portugal (BdP), em declarações ao Jornal Económico, salienta que tem vindo a dedicar uma crescente atenção ao tema, “procurando apoiar e dinamizar, ao nível nacional, o debate em torno dos grandes desafios que a inovação digital coloca ao sistema financeiro e à sua regulação”. Para tal, criou um grupo de trabalho interno permanente, multidisciplinar, com o objetivo de estudar a evolução da banca digital e das fintech e de perspetivar, no horizonte temporal 2020, os desafios que se colocam no quadro das suas responsabilidades de regulação e supervisão. O BdP dá ainda nota de que irá intensificar, em 2018, a sua atividade nesta área, pretendendo concretizar iniciativas como os “Fintech Meetings”, que serão semestrais e onde junta os principais operadores e associações nacionais; a criação de um canal dedicado para as fintechs interagirem com o BdP; uma conferência anual sobre o tema; proceder à caracterização do setor ao nível nacional; ou ainda a elaboração de um handbook de regulação e supervisão específico para este segmento, bem como a reativação do Fórum Nacional para os Sistemas de Pagamentos, com a inclusão das associações representativas deste setor.

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