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Fiscalidade é um problema acrescido em período de recuperação

Onerar fiscalmente o acesso a financiamento cria dificuldades às empresas, especialmente no período extraordinário provocado pela pandemia de Covid-19. Os especialistas da EY consideram que a solução poderia passar por uma flexibilidade temporária dos limites.
30 Abril 2021, 09h02

O impacto da fiscalidade na estrutura de capital das empresas tem sido um tema alvo de discussão recorrente, ao longo dos anos, balizado, por um lado, pelo objetivo de limitar o planeamento fiscal agressivo, e, por outro, pelas queixas dos dirigentes empresariais, que apontam deficiências ao enquadramento com que têm de lidar, alegando, nomeadamente, que este aumenta os custos e porque consideram que há formas de financiamento que serão beneficiadas, em detrimento de outras. Agora, tendo como pano de fundo a atual situação de exceção provocada pela pandemia de Covid-19 e quando a necessidade de apoios à capitalização das empresas se tornou mais insistente, esta questão pode ser ainda mais vista como um obstáculo.

O legislador “tem vindo, ao longo dos últimos anos, a limitar, para efeitos de tributação, a dedutibilidade dos encargos financeiros, como forma de travar algum planeamento fiscal mais agressivo, nomeadamente através de regras de subcapitalização e/ou limitação da dedução dos encargos financeiros”, diz Andreia Simões, Senior Manager de Tax Services da EY, ao Jornal Económico (JE). As críticas das empresas são um facto, mas também o enquadramento internacional que obriga a uma cada vez maior pressão para o combate à fraude e à evasão fiscais.

Assim, “a decisão de financiar as empresas, os projetos de investimento com recurso a fundos próprios, ao endividamento e, até mesmo, através da emissão de novas ações é, em regra, uma decisão de gestão, influenciada por um conjunto diverso de fatores, nomeadamente, rendibilidade, fase de maturidade, oportunidades de crescimento e, claro, também, as vantagens fiscais associadas”, explica Andreia Simões.

“Em termos de limitações fiscais que podem ter impacto nas decisões de investimento das empresas podemos ter várias, desde a carga fiscal propriamente dita, nomeadamente o Imposto do Selo sobre os financiamentos, os quais fazem sempre parte das decisões de investimento, até à parca existência de incentivos/benefícios fiscais ao investimento”, refere Cláudia Marques, também Senior Manager de Tax Services da EY.

A especialista sublinha, mesmo, o caso do mais antigo imposto do sistema fiscal português – criado por alvará de 24 de dezembro de 1660 – e que era considerado anacrónico, até à sua reforma, em 2000, em que se transformou num imposto sobre operações, apenas aplicado em atos que não estão sujeitos ao pagamento do IVA. “É um imposto muito característico no nosso país, não é muito comum encontrar-se um encargo deste tipo aplicável sobre financiamentos noutros países, o que é um fator que nos coloca em desvantagem nas decisões de investimento e já merecia ser repensado, sobretudo no período atual em que o país tanto precisa que sejam tomadas importantes decisões de investimento”, defende Claúdia Marques.

Falando ainda da influência da fiscalidade na estrutura de capital, Andreia Simões chama a atenção para as regras de preços de transferência, em que este tema tem sido abordado, no sentido de se definirem “normas para a determinação uma estrutura de capital em linha com as práticas mercado”.

Em fevereiro de 2020, a Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Económicos (OCDE) publicou as “Orientações de Preços de Transferência nas Operações Financeiras”, em que a relação dívida/capital e a definição de uma estrutura de capital de mercado são abordados. “Neste âmbito, e sem apontar uma direção clara e objetiva do que é considerado uma estrutura de capital de mercado, a OCDE veio, no que respeita às denominadas operações financeiras realizadas com entidades relacionadas, apontar alguns vetores relevantes na definição de uma relação de equilíbrio entre dívida e capital, os quais integram, por um lado uma análise às circunstâncias económicas que conduzem ao financiamento e, por outro, ao cumprimento de regras internas fiscais e para fiscais associadas à dotação de capital e dívida às empresas”. Por isso, acredita que “exista uma tendência para que o tema da estrutura de capital seja, cada vez mais, uma área de enfoque e de análise fiscal, em particular em situações de inspeção tributária”.

 

Capital intensivo mais afetado
Esta regra, generalista como é, mostra-se cega tanto à estratégia de negócio das empresas como ao próprio ciclo, diferente entre sectores e também entre empresas. “Por um lado, é uma limitação ‘cega’ às necessidades efetivas de financiamento das empresas e, por outro, o prazo de reporte do montante de encargos não dedutíveis estipulado na lei não se coaduna, muitas vezes, com o perfil funcional e de investimento dos agentes”, refere Andreia Simões.

Quem é mais impactado por este enquadramento fiscal? Ressalvando que não existem dados estatísticos que permitam apontar, de forma objetiva, quais as atividades mais impactadas com estas regras, a Senior Manager de Tax Services EY diz que os negócios e as empresas que requerem maior volume de investimento para a operação ou para a venda sofrerão mais. “Será justo afirmar que as empresas que atuam em setores de capital intensivo são, de forma genérica, [as mais] impactadas por esta limitação. Empresas que se encontram em fase de arranque (por exemplo, startups) ou de investimento poderão ver os seus planos de negócio, naturalmente, ajustados por esta limitação”, refere.

“Por outro lado, trata-se de uma regra com um impacto no grau de alavancagem das empresas e, por conseguinte, na valorização empresas/portefólios aquando da sua venda ou transferência”, acrescenta.

 

Solução temporária contra a crise?
No atual contexto pandémico, a questão do financiamento tornou-se mais importante para as empresas e os efeitos das regras fiscais mais pronunciados. “Atendendo ao atual contexto pandémico, em que grande parte do tecido empresarial enfrenta sérias dificuldades para fazer face ao contexto de crise económica, esta regra pode impactar, de forma transversal, diversos sectores sedentos disponibilidades financeiras”, diz Andreia Simões.

“Como é natural, a atual crise económica originou um aumento do endividamento das empresas, o qual é expectável que perdure durante o período de recuperação pós-pandemia”, acrescenta Joana Barreiros, também Senior Manager de Tax Services da EY.

Cláudia Marques considera que, “recentemente, a reintrodução do Crédito Fiscal Extraordinário ao Investimento – o chamado CFEI II – veio premiar o esforço de investimento de algumas empresas, o que é de louvar!”. No entanto, “em termos de carga fiscal, de facto, há ainda um longo caminho a percorrer”.

O caminho, no caso da limitação da dedutibilidade dos encargos associados ao financiamento das empresas, poderia passar pela alteração, por exemplo, dos limites fixados, mesmo que de forma transitória, como apoio ao processo de recuperação económica.

Joana Barreiros aponta que o legislador poderia optar por triplicar o limite previsto no artigo 67.º do Código do IRC, para 3.000.000 de euros, “em conformidade com o disposto na diretiva [europeia], aumentando assim a capacidade de dedução desses mesmos encargos”.

“Talvez o contexto atual pudesse ajudar a que essa alteração pudesse vir a ser contemplada, ainda que forma transitória e/ou temporária”, o que é natural num período excecional como este, diz.

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