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“Fizemos o nosso trabalho. Aqui não há falhas de memórias”, diz antigo Revisor de Contas da CGD

A nova comissão de inquérito à Caixa está a ouvir nesta terça-feira, 2 de abril, o antigo Revisor Oficial de Contas (ROC) do banco responsável pelos alertas , em 2007, para o risco de “fraudes e erros” sem serem detectados devido a “limitações” no controlo interno em áreas como a concessão de crédito. Avisos perduraram durante sete anos e foram ignorados pelo Banco de Portugal e pelo Ministério das Finanças.
2 Abril 2019, 16h22

“Posso responder que fizemos o nosso trabalho. Aqui não há faltas de memórias. Está consubstanciado em relatórios trimestrais enviados ao Ministério das Finanças e anualmente para o Banco de Portugal. Nestes relatórios evidenciámos todos os temas que podem ter implicações em recapitalizações futuras”. Foi desta forma que o  antigo Revisor Oficial de Contas (ROC)  da Caixa Geral de Depósitos (CGD) respondeu à deputada do CDS-PP, Cecília Meireles, que questionou  Manuel de Oliveira Rego “em que momentos detetou as situações” que foram identificadas pela EY, nomeadamente um conjunto de normas internas que não eram cumpridas na concessão de crédito.

Manuel de Oliveira Rego começa por recordar que a partir de 2007, “há uma repartição de responsabilidade entre o ROC, que ficou apenas com a responsabilidade de certificação de contas individuais e consolidadas, e o órgão de fiscalização interno, conselho fiscal ou comissão de auditoria, que passou a ser o responsável pela fiscalização da gestão”.

No início da resposta à deputada do CDS-PP, o antigo ROC da Caixa salientou: “primeiro vou pôr os pontos nos i. Como ROC temos a responsabilidade da certificação de contas , durante o período em fomos fiscal único (até 2007), em que desempenhámos cumulativamente a fiscalização da gestão com a certificação legal das contas”.

Segundo Manuel de Oliveira Rego, não pode “fazer juízo de valor” relativamente ao trabalho de auditoria da EY, salientando que para o fazer “teria de ter o suporte como chegaram a este relatório”. “Existem passagens [do relatório da EY] que nos deixam de pé atrás. Teríamos de saber como é que foi feito este trabalho”, frisou o antigo ROC naquela que é a quarta audição na nova Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) à gestão de Caixa.

Depois do arranque das audições com a auditora EY, o actual e antigo governador do Banco de Portugal, Carlos Costa e Vítor Constâncio, é a vez nesta terça-feira, 2 de abril, de o antigo ROC da CGD, ir ao Parlamento, após divulgação de relatório à gestão da Caixa entre 2000 e 2015, que concluiu por negócios ruinosos que geraram perdas superiores a 1,6 mil milhões devido, nomeadamente, a decisões pouco fundamentadas na concessão de crédito.

Manuel de Oliveira Rego está a ser ouvido pelos deputados na sequência de  alertas deste responsável para “risco de fraude” na CGD durante sete anos que foram dados por aquele responsável pela fiscalização das contas do banco público. E na sua intervenção inicial defende que a SROC, que foi responsável pela fiscalização das contas da CGD até2016, devia ter dito ouvido no âmbito da auditoria da EY à gestão da Caixa entre 2000 e 2015, período que, concluiu o relatório, os créditos ruinosos geram perdas superiores a 1,6 mil milhões de euros.

“Tinham de cumprir todos os passos que normalmente são dados pelos auditores”, afirma Manuel de Oliveira Rego, considerando que “é um trabalho ciclópico ao contextualizar os atos de gestão num período muito  grande”.

É sobre estes alertas que foram ignorados pelo regulador, banco e tutela, que a nova CPI está hoje Oliveira Rego como do ex-membro de órgão de fiscalização da CGD que, em 2007, alertou para o risco de “fraudes e erros” sem serem detectados devido a “limitações” no controlo interno em áreas como a concessão de crédito, tal como revelado pelo Jornal Económico na edição de 1 de fevereiro.

O risco de fraudes e erros na gestão da CGD já tinha, pois, sido identificado pelo órgão de fiscalização do banco desde de 2007, mas os alertas não tiveram a devida atenção e acompanhamento do supervisor e dos sucessivos governos até 2014, de acordo com os relatórios e contas do banco do Estado.

Foi em 2007 que o ROC da Caixa, Oliveira Rego, alertou para  o  risco de “fraudes ou erros” poderem ocorrer sem serem detectados devido às limitações do sistema de controlo interno (SCI) do banco público nas áreas de gestão de risco, compliance e auditoria interna.

Este alerta surgiu na administração da Caixa liderada por Carlos Santos Ferreira que ao Jornal Económico recusou qualquer comentário. O aviso do ROC acabou também por não merecer a devida atenção do governo da altura, chefiado por José Sócrates e pelo Banco de Portugal (BdP), então liderado por Vítor Constâncio. Neste caso, apesar de instruções do supervisor, em 2008, para reforço do SCI, no final de 2015 permaneciam ainda falhas nos procedimentos internos do banco que se traduziram num aumento grave da exposição da CGD ao risco, tal como a EY assinalou na versão preliminar da auditoria  à gestão da Caixa.

O aviso do ROC terá ainda caído em saco roto na  administração da Caixa ao não se ter traduzido em medidas concretas que resolvessem as deficiências de controlo, nomeadamente nos procedimentos de concessão de crédito, detectadas em 2007. Após esta data, seguiram-se sete anos de recomendações à CGD para melhorar e acompanhar a evolução do controlo interno.

 

Tutela ignorou avisos

O alerta da sociedade de revisores oficiais de contas (SROC), Oliveira Rego e Associados, consta do parecer do conselho fiscal (CF) da Caixa, então liderado por Eduardo Paz Ferreira, que vai ser ouvido amanhã na nova CPI à Caixa, tendo o então presidente do CF considerado que a tutela, o ministério das Finanças, não tomou a devida atenção para os riscos assinalados. Segundo Paz Ferreira, o alertas “não tiveram grande tradução de medidas, nomeadamente do Ministério das Finanças, para quem estes relatórios eram enviados”.

Uma crítica refutada pelo então ministro das Finanças, Teixeira dos Santos, que remeteu para o seu ex-secretário de Estado das Finanças o acompanhamento da CGD. Já Carlos Costa Pina diz a este respeito que “tudo que eram recomendações à época que vieram ao conhecimento do acionista, não eram desconsideradas, mas eram dirigidas à administração do banco”.

O então líder do órgão de fiscalização da CGD vai, no entanto, mais longe ao afirmar que, na sua percepção, “os relatórios eram depositados numa pilha de uma qualquer secretária nas Finanças sem ser lidos”.

No parecer do órgão social responsável pela fiscalização da CGD, que consta do relatório e contas do banco, Paz Ferreira começa por reproduzir que, em termos gerais, o ROC considera que o ambiente de controlo interno existente no banco “é adequado à dimensão e à natureza e risco das actividades desenvolvidas”. Mas acaba por deixar um aviso claro: “no entanto, o ROC salienta que foram identificadas algumas situações de excepção e apresentadas recomendações resultantes da percepção que obteve do sistema de controlo interno e alerta para o facto de, tendo em conta as limitações inerentes aos sistemas de controlo interno, fraudes ou erros podem ocorrer em serem detectados”.

Segundo a auditoria da EY no ‘Top 25’ dos créditos mais ruinosos, num total de 1.263 milhões de euros, foi entre 2000 e 2007 que se concentraram 78% destas operações: 871 milhões de euros de perdas registadas em 2015, referentes ao período em que a administração de  Carlos Santos Ferreira (entre 2005 e 2008) é apontada com maior concentração de créditos ruinosos, como à Artlant, a Joe Berardo e ao empreendimento Vale do Lobo.

A análise da consultora concluiu ainda que a maioria dos casos analisados, ou seja, 80 operações, que representam perdas, no Top 25, de 769 milhões de euros (43,7% do total) receberam um parecer de risco “condicionado ao acolhimento de um conjunto de requisitos prévios à concessão do crédito, e em que o Órgão de Decisão [que tomou a decisão de conceder o crédito], para além de não fazer depender a sua aprovação da concretização das respetivas condicionantes, não deixou evidência escrita que justifique esta decisão”.

Houve ainda casos em que “não foi obtido o respetivo parecer individual de análise de risco”, que totalizam 15 operações, sendo que as perdas destas operações no Top 25 totalizaram 86 milhões de euros, “o que corresponde a 4,9% das perdas totais da amostra”, lê-se no relatório.

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