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Francesco Marconi: “Os jornais devem apostar em conteúdos pagos que sejam diferenciadores”

Gestor e diretor de estratégia da Associated Press, Francesco Marconi dá aulas na Universidade de Columbia e foi recentemente escolhido como uma das personalidades dos media que mais se distinguiram em 2017 no campo da inovação digital. Nesta entrevista ao Jornal Económico fala sobre o Facebook, o futuro dos media e o problema das ‘fake news’, e também sobre como devem ser introduzidos os conteúdos pagos.
  • Cristina Bernardo
28 Janeiro 2018, 21h00

Como podem os media sair da crise?
Os media estão em crise, mas poderão sair dela através de recursos tecnológicos e da inovação. A crise que se está a sentir em Portugal já se sentiu há três ou quatro anos nos Estados Unidos. A forma de se sair dessa crise, de a desafiar, é através de recursos tecnológicos. Na Associated Press, estamos a apostar em novas tecnologias – desde a Inteligência Artificial à Realidade Virtual. Todas estas novas tecnologias são inseridas na redação através de parcerias estratégicas. Ou vamos às universidades ou às startups.

A Inteligência Artificial (IA) vai fazer parte do trabalho dos jornalistas?
Pode aumentar o volume de notícias através da automação, mas também pode ajudá-los a fazer investigações. Volume e diferenciação são as grandes vantagens da IA. Do ponto de vista do volume, um dos grandes projetos em que eu trabalho, é a transformaçao de dados financeiros de empresas ou de jogos de futebol numa história escrita. Imagine o resultado financeiro de uma empresa. Se não for uma análise elaborada segue um formato bastante específico: quanto é que a empresa registou de lucros? Ou quantos produtos é que vendeu? Portanto, a tecnologia que estamos a utilizar pega nos dados de uma empresa financeira e direciona esses dados para um sistema de Inteligência Artificial. Ou seja, a história segue uma fórmula. A empresa X registou 20 milhões de lucros e vendeu X produtos. Essa frase é escrita pelos jornalistas mas o software insere automaticamente os dados. Isso pode fazer-se a uma escala incrível! Passámos de 300 para quatro mil notícias sobre resultados financeiros em seis meses. Mas não se põe a questão de a IA vir a ocupar as salas de redação.

O Facebook vai alterar o algoritmo que seleciona os conteúdos do feed de notícias dos seus utilizadores. Isto poderá ter implicações graves no futuro dos media?
A questão das redes sociais e da distribuição dos conteúdos é umas das temáticas mais discutidas nos Estados Unidos, e, claro, em todo o mundo. Desde há três anos que todas as empresas de produção de conteúdos dependiam excessivamente dos hábitos do Facebook – julgo que entre 40 a 60% do tráfego de alguns sites vinha exclusivamente do Facebook. Ou seja, isto significa que se estas redes sociais ou qualquer tipo de plataforma tecnológica que serve para consumir os produtos altera os algoritmos isso pode ter impacto direto no negócios dos jornais. Agora há duas coisas que foram introduzidas pelo Facebook: 1) priorizar os posts de amigos e familiares em detrimento de sites de notícias; 2) e disponibilizar uma nova forma de fazer rating das fontes. Isto é, se são crediveis ou não. Esssas avaliações são feitas pelos utilizadores. Mas como utilizador posso ir à minha página do Facebook e dizer que determinado jornal é credível e estou, de certa forma, a controlar o algoritmo.

O que devem fazer os meios de comunicação social portugueses para contornar essa mudança no Facebook?
A forma de contornar é diversificar os pontos de distribuição. Ou seja, existem vários jornais e empresas que criam conteúdos e estão 100% sujeitos ao que o Facebook faz, porque é o seu único ponto de distribuição. Se conseguirmos diversificar a forma como as pessoas consomem as notícias é uma forma de controlar o poder do Facebook. Mas é óbvio que as pessoas consomem as notícias onde passam a maior parte do seu tempo. Se pensarmos bem as pessoas estão no email, no Facebook ou no Instagram e é preciso captar a atenção dos consumidores onde eles estão. E, paralelamente, criar diversificação e procura noutros meios.

Há espaço para boas histórias?
O mundo é feito de histórias e, portanto, quando se conta uma história com interesse, original e bem pesquisada podemos usar a expressão inglesa “content is king” (o conteúdo é rei). Há um dos estudos que eu falo no meu novo livro sobre o facto de as pessoas terem mais facilidade em lembrar-se de histórias do que de números. No fundo o jornalismo é pegar na informação e tornar essa informação em algo que seja memorável. Isso faz-se através da história e da criação de uma realidade e de uma narrativa.

Os media devem ou não introduzir conteúdos pagos?
Devem ser introduzidos conteúdos pagos mas diferenciados. Ninguém vai pagar por notícias que podem ser lidas noutro sítio qualquer. Os jornais estão a competir entre si, com sites de internet e com a televisão. A forma de criar algum retorno financeiro passa por criar conteúdos únicos que não se encontrem em lado nenhum. Por exemplo, pequenos documentários, perfis de executivos, de políticos, que são desenvolvidos de formas originais. Portanto, voltando à sua pergunta das histórias, elas vendem. Claro que o preço que se cobra por essas subscrições é importante. O jornalista e as pessoas que são responsáveis pela promoção de conteúdos não têm apenas que perceber de jornalismo e de contar histórias. Também devem conhecer e perceber a parte do negócio.

Na Associated Press, como combatem as fake news?
Na Associated Press uma das coisas mais importantes é a criação de notícias factuais e, ao mesmo tempo, há um investimento por parte da empresa no fact cheking. O problema das fake news é muito mais complexo se determinar se uma notícia é falsa ou não. Do ponto de vista da educação, do trabalho e da sociedade deve ensinar-se às pessoas a ter um espírito crítico e de análise. Por exemplo, nos EUA, algumas escolas e liceus ensinam os alunos a ver as fontes de informação, a perceber se uma determinada notícia é verdadeira ou não. Essa iniciativa de combater as fake news tem de partir das empresas de jornalismo e também da sociedade em geral.

No livro que publicou, diz que se inspira no milionário Elon Musk. Porquê?
Há uma razão pessoal. Tal como eu, Elon Musk veio de outro país para os Estados Unidos e seguiu uma das suas paixões: a tecnologia. O que admiro no Elon Musk é a sua criatividade e capacidade de contar histórias, de atrair utilizadores e investidores através de uma visão alargada do futuro. Ele fala do futuro de uma forma muito acessível e consegue traçar o que vai acontecer dentro de 10 ou 15 anos. Consegue mostrar às pessoas quais são os passos que se devem dar para alcançar um determinado objetivo. Esta capacidade de síntese de grandes objetivos, em passos mais geríveis e concretizáveis, é algo que podemos utilizar no nosso dia a dia. Quer para escrever uma história (no caso do jornalista) , quer para angariar fundos (se for um empreendedor), quer para ganhar uma eleição (no caso de um político).

Escreve que contar histórias é a mais fascinante forma de comunicação. Qual é a sua história?
Quando era pequeno tinha o fascínio pela cidade de Nova Iorque. Para criar um objetivo visual, comprei uma grande tela com uma fotografia impressa a preto e branco dos arranha-céus. Coloquei-a no meu quarto em cima da minha cama. Sempre que ia dormir olhava para aquela imagem e pensava de forma inconsciente ‘este é o meu objetivo’.

Que passos deu para atingir o objetivo?
Planeei e dei algum espaço para o acaso. Fui para os Estados Unidos através de um estágio nas Nações Unidas, em Nova Iorque. A imagem que tinha em cima da minha cama tornou-se a imagem da janela da minha casa. Ou seja, utilizo este tipo de objetivos visuais, que no fundo são formas de reflexão daquilo que queremos atingir e de como queremos chegar lá, tanto na nossa vida pessoal como profissional, como fonte de motivação. Acho que a reflexão é bastante importante quando definimos objetivos e o que desejamos fazer.

Como é que chegou à Associated Press?
Quando estava nas Nações Unidas fiz o estágio num grupo que se chama G77 – o oposto do G7, ou seja, os países menos desenvolvidos. Um dos trabalhos onde fazia pesquisa era sobre o impacto dos media na tecnologia e na democracia. Foi um trabalho que me fascinou imenso e que me levou, pela primeira vez, a descobrir o mundo do jornalismo. Na altura escrevi um pequeno livro sobre inovação e fui convidado a fazer uma conferência TED, na qual conheci um professor de jornalismo, Randy Smith, Prémio Pulitzer de Jornalismo e professor na Escola de Jornalismo do Missouri. As aulas dele fascinavam-me. A Escola de Jornalismo desenvolvia investigação em parceria com a Business School. Percebi então que era esta a via que queria seguir, e foi assim que fiz o MBA numa das melhores escolas americanas de jornalismo. Como nos Estados Unidos se trabalha em parceria com empresas, a Associated Press veio à escola e lançou um desafio sobre como se poderia desenvolver conteúdos para o digital. Esse foi um dos trabalhos que desenvolvi para a minha tese de mestrado. No final do semestre, apresentei a tese, o CEO da Associated Press gostou e ofereceu-me um estágio.

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