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Fusão Renault-Fiat aproxima inimigos Macron e Salvini

Separados por temas como a imigração ilegal, Matteo Salvini tem criticado publicamente o presidente gaulês. A fusão Renault-Fiat pode juntar os dois inimigos ou extremar as tensões entre Paris e Roma?
15 Junho 2019, 09h00

O presidente francês tem sido alvo de duras críticas por parte do vice-presidente italiano ao longo do último ano. Mas a fusão entre a Fiat-Chrysler e a Renault pode vir a enterrar o machado de guerra franco-transalpino.

Matteo Salvini já chamou “arrogante” e “péssimo presidente” a Emmanuel Macron, devido a tensões nas fronteiras dos dois países relacionadas com a situação ilegal de migrantes não-comunitários, e a opiniões diferentes sobre os migrantes. A provocação do líder da Liga do Norte de extrema-direita foi ainda mais longe, com Matteo Salvini a reunir-se com membros do movimento dos Coletes Amarelos, que já colocaram Paris a arder várias vezes. Em resposta, o Eliseu chamou o seu embaixador em Roma, um episódio qualificado como a pior crise entre os dois países desde a segunda guerra mundial.

Mas a fusão entre os dois grupos automóveis pode vir a mitigar a tensão nos dois lados dos Alpes. Se avançar, a fusão entre a gaulesa Renault (que tem as japonesas Mitsubishi e Nissan a bordo) e a italiana Fiat vai dar origem ao terceiro maior fabricante automóvel mundial, no valor de 33 mil milhões de euros, que iria produzir 8,7 milhões de automóveis por ano, apenas superado pela Toyota e pela Volkswagen.

Esta fusão iria gerar cinco mil milhões de euros em poupanças por ano através da partilha de inovação e de compras, segundo a Fiat, que garantiu não estar previsto o encerramento de fábricas.

O Eliseu tem uma palavra a dizer neste negócio, pois o Estado francês tem uma participação de 15% na Renault, que corre o risco de ser mitigada, com este negócio, para os 7,5%. Desta fusão vai nascer uma nova empresa, detida em 50% pelos dois fabricantes, sediada na Holanda. O negócio das duas empresas até se pode complementar: a Renault é forte na Europa, Rússia e em mercados como a Índia. Já a Fiat Chrysler gera a maioria dos seus lucros na América do Norte, mercado onde a francesa não está presente.

O anúncio da fusão foi bem recebido em Roma. “Parece-me um negócio brilhante, que eu espero que venha ser finalizado”, disse Matteo Salvini esta semana, declarando estar confiante que a fusão vai salvaguardar os respetivos postos de trabalho no país.

O ministro italiano garantiu que o seu Governo está disposto a tomar uma participação na empresa. “Se for requerido que Itália tenha uma presença institucional, isso seria absolutamente apropriado”, afirmou, citado pela Bloomberg.

A notícia sobre a fusão também foi bem recebida pelo Eliseu, mas o Executivo de Emmanuel Macron avisou que só apoia o negócio se as fábricas e postos de trabalho em França ficarem intatos.

“Primeiro, postos de trabalho industriais e fábricas. Eu disse ao presidente da Renault muito claramente que seria a primeira das garantias que eu queria dele na abertura destas negociações. A garantia de que os postos de trabalho industriais e as fábricas em França vão ser preservados”, disse o ministro das Finanças Bruno Le Maire, citado pela Reuters.

Sindicatos gauleses criticam.
Apesar de Paris estar disposta a não mostrar resistência, os sindicatos gauleses revelaram estar preocupados com a operação.

“São os trabalhadores que pagam o preço mais elevado” porque “já sabemos que quando se fala em sinergias e economias de escala” isso “leva a despedimentos” e isto “causa preocupação tanto aos trabalhadores da Renault como da Fiat”, disse Fabian Gache do sindicato CGT, de acordo com a France Presse. Este é o maior sindicato francês com cerca de 700 mil membros e conta com um assento no conselho de administração da Renault. O sindicato destacou que a Renault eliminou mais de 22 mil empregos em França desde 2005.

O CGT defende que o Estado francês deve reter uma “minoria de bloqueio” na futura empresa para defender “os interesses franceses”, receando que a Fiat “favoreça” os trabalhadores italianos. Nas próximas semanas, o CGT vai reunir-se com todos os “sindicatos da Renault e da Fiat” na Europa.

Se a fusão chegar a bom porto, o grande desafio vai ser a gestão da companhia perante diferentes interesses dos vários acionistas. “Isto vai requerer um pouco de criatividade. Temos franceses, italianos, japoneses e americanos em busca de consenso dentro de uma empresa holandesa, onde o Estado francês está a perder o seu estatuto especial”, aponta Arndt Ellinghorst analista do banco de investimento Evercore ISI, citado pelo Guardian.

Analisando o negócio, um antigo presidente-executivo da Renault criticou a falta de estratégia da italiana nos últimos anos. “A FCA tem muitos problemas porque não investiram para o futuro: não têm nenhuma plataforma de carro elétrico e não fizeram nada nos carros autónomos”, destacou Patrick Pelata à Reuters.

Fusão é boa para Cacia?
Olhando para Portugal, as vendas do grupo Renault pesaram 16,5% no mercado de ligeiros de passageiros em 2018, com o grupo Fiat a pesar 7,2%. Uma fusão das duas empresas iria gerar vendas nacionais de 54 mil automóveis por ano, 24% do mercado português.

Analisando as marcas isoladamente, a Renault foi a marca que mais automóveis vendeu em Portugal em 2018: 30 mil viaturas, uma quota de 13,67%. Segue-se a Peugeot (10% do mercado) e a Mercedes-Benz (7,21%). A Renault lidera as vendas no retângulo há 21 anos consecutivos, com o Clio a liderar as vendas há seis anos.

Além da operação comercial, a Renault conta com uma unidade industrial em Portugal, em Cacia, Aveiro. A companhia produz aqui caixas de velocidade para fábricas da Renault e da Nissan em todo o mundo, incluindo o Brasil, África do Sul, Irão, Índia, Chile, Turquia, Espanha, Marrocos ou França. Em 2018 foi anunciado um investimento de 48 milhões de euros nesta unidade para fabricar uma nova caixa de velocidades, a JT4. Resta saber se esta fusão vai alavancar a produção em Cacia e aumentar a sua faturação, através do fabrico de componentes para os automóveis da Fiat Chrysler.

 

Artigo originalmente publicado na edição do Jornal Económico nº 1991 de 31 de maio de 2019

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