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Governador: “É imperativo que a gestão dos bancos ao mais alto nível possua competências digitais”

A nova arquitetura e os novos modelos de negócio obrigam a que “fique muito claro qual é a área de competência do banco central e do supervisor, quais os produtos que supervisiona e pelos quais responde e quais as instituições que estão sujeitas à sua vigilância. Para que um dia o supervisor não seja acusado de estar desatento”, disse Carlos Costa.
  • Cristina Bernardo
6 Fevereiro 2018, 21h21

Carlos Costa disse hoje, na cimeira do setor bancário “Banking Summit – Leading into a new era”, que os banqueiros têm de possuir competências na área digital.

O Governador do Banco de Portugal, que é pelo menos responsável pela avaliação da adequação e a idoneidade nos bancos portugueses de média e pequena dimensão, disse no seu discurso de encerramento do primeiro dia da conferência da Associação Portuguesa de Bancos e da SIBS que “torna-se imperativo que a gestão dos bancos ao mais alto nível possua competências digitais suficientes, compreensão sobretudo, para enriquecer as discussões sobre as implicações para o seu modelo de negócio e a forma de lhes dar resposta”.

“Num contexto regulatório ainda em mutação, e atento o estado de incompletude da União Bancária na Europa, é imperativo que o sector bancário tenha uma visão holística dos desafios com que se confronta, dando-lhe uma resposta atempada e consentânea com o papel que quer desempenhar na sociedade”, salientou o Governador do Banco de Portugal.

Numa plateia onde não faltaram os principais presidentes dos bancos portugueses (CEO e Chairmans), desde Fernando Ulrich, Pablo Forero, Nuno Amado, António Vieira Monteiro, José Félix Morgado,  entre outros, Carlos Costa alertou para as lacunas regulatórias que podem surgir com a nova arquitetura e com os novos modelos de negócio.

Para o Governador é ainda essencial que “fique muito claro qual é a área de competência do banco central e do supervisor, quais os produtos que supervisiona e pelos quais responde, quais os produtos que não supervisiona e pelos quais não responde e quais as instituições que estão sujeitas à sua vigilância, para num dia que acontece um acidente o supervisor não ser acusado de estar desatento, quando não tinha poder sob produtos que não faziam parte da sua responsabilidade”.

O Governador deu ainda um alerta ao mercado sobre a falta de poder de intervenção  num “produto em voga”, sem nomear, mas que tudo indica estar a falar do Montepio Capital Certo, da Associação Mutualista, comercializado aos balcões da Caixa Económica.

Governador diz que diretiva de pagamentos põe em risco 25% a 40% do produto líquido bancário

“Muitos estudos têm apontado a diretiva de serviços pagamento (DSP2) como o maior desafio à banca de retalho desde a invenção das ATM, o chamado multibanco, há cerca de 50 anos, ao colocar em risco entre 25% e 40% do produto líquido bancário (net banking income)”, salientou Carlos Costa.

“De facto, a DSP2 contribui para a criação de um mercado único para os serviços de pagamento promotor da concorrência, que incentiva a inovação e a mudança, ao introduzir a possibilidade de criação dos serviços de informação sobre contas e dos serviços de iniciação de pagamentos por prestadores que se consideram ‘terceiros’ na relação entre o utilizador e o seu banco”, realça.

“Esta abertura a prestadores de serviços que se consideram ‘terceiros’ na relação entre o utilizador e o seu banco abre o espaço para a entrada de novos concorrentes que detêm uma vantagem tecnológica, como as FinTech, e se especializam em nichos de mercado ou que dispõem e operam já com bases gigantes de informação, como a Google, o Facebook, a Amazon e a Apple, e têm grande experiência na gestão de ‘big data’”, salientou.

“Para os incumbentes, aqueles que prestam serviços de pagamento, trata-se de um desafio mas também de uma oportunidade”. Carlos Costa faz uma distinção entre FinTech e TechFin, que são as grandes empresas tecnológicas que têm a “big data” da informação.

“As FinTech  não devem ser vistas apenas como concorrentes dos prestadores tradicionais. Até porque para prestar serviços financeiros hoje, é preciso ter músculo em termos de capital”, diz Carlos Costa.

“Também podem ser instituições complementares ou parceiras”, considerou. “Em particular, podem ser instrumentais, ajudando os incumbentes a ultrapassar as condicionantes associadas aos custos de produção dos produtos e da prestação de serviços, nomeadamente aos custos tecnológicos, e podem ajudar a ultrapassar os problemas do baixo crescimento da atividade com a entrada de novos  prestadores de serviços e da baixa rentabilidade e, ainda, a restabelecer e reforçar os níveis de confiança e de reputação, postos em causa com a crise financeira de 2007”, refere Carlos Costa.

A questão está na estratégia dos incumbentes (bancos), como é que encaram estas novas realidades que estão associadas às FinTechs (como parceiras ou como concorrentes).

“De facto, o acesso a novas tecnologias e a utilização de inteligência artificial vão determinar uma transformação do lado da oferta, na medida em que permitem extrair mais informação das bases de dados de que os bancos dispõem e assim vão permitir uma melhor adequação da oferta das instituições financeiras às necessidades dos seus clientes”, acrescentou.

Referia-se por um lado “ao retalho (robo-advice) através da promoção de produtos de crédito ou poupança ajustados às preferências dos financiados ou dos aforradores. Por outro através da conceção de propostas de investimento e de gestão de património que tiram partido da capacidade de operar com mais produtos e mais mercados e conceber produtos ajustados a perfis mais finos de preferências reveladas pelos investidores (wealth management)”. Ou seja, maior escala e ao mesmo tempo maior detalhe”, disse realçando o melhor ajustamento do risco do produto financeiro ao perfil do cliente e uma acuidade na avaliação do risco de crédito.  Isto é, altera a oferta e altera a avaliação de risco sublinhou.

Isto vai permitir, ainda, “uma maior capacidade de gestão do risco e de determinação do correspondente preço, afinando e segmentando a avaliação do perfil de risco dos seus clientes, através do tratamento da informação socioeconómica e de uma visão precisa e atualizada da sua posição financeira desses clientes com a utilização em larga escala de modelos de credit scoring”.

“Ao mesmo tempo, os bancos têm também de se adaptar a uma nova realidade do lado da procura”, disse ainda.

Os bancos vão ser confrontados com “clientes que procuram soluções flexíveis, personalizadas, imediatas, em qualquer sítio a qualquer momento – ATAWADAC (Any Time, Any Where, Any Device, Any Content) –, e assim terão de reformular a sua própria oferta”, explica.

Digital põe a questão de quantos balcões são precisos mesmo

“À medida que novos players totalmente digitais entram no mercado providos de licenças para operar em livre prestação de serviços, começa-se a questionar até quando será necessária uma tão vasta rede de balcões como aquela que ainda caracteriza os sistemas bancários de vários países Europeus”.

A resposta a esta questão da dimensão da rede “vai depender do grau de literacia financeira e digital da população e da sua estrutura demográfica, e também vai depender da forma como as diversas gerações valorizam a confidencialidade das suas informações bancárias, a personalização ou não vai depender muito do factor confidencialidade”, disse Carlos Costa.

“E vai depender muito da medida em que a proteção de dados seja assegurada tanto do ponto de vista legal e institucional, como tecnológico”, disse o Governador que salienta que não basta haver soluções digitais, é preciso que as pessoas confiem nessas soluções.

Na ausência de literacia digital e, em particular, do entendimento das implicações que a maior partilha de informação financeira comporta, os clientes bancários ficam expostos a ações ilegais e fraudes.

A resposta à questão vai depender ainda da medida em que a proteção de dados é assegurada.

“Na ausência de literacia digital e, em particular, do entendimento das implicações que a maior partilha de informação financeira comporta, os clientes bancários ficam expostos a ações ilegais e fraudes. O que significa que vai aumentar a pressão sobre os reguladores e supervisores e sobre os prestadores de serviços para limitar ou anular o risco”, alertou Carlos Costa.

“Importa, pois, que as diversas instituições, e em particular os bancos, promovam a consciencialização dos clientes bem como os níveis mínimos de literacia financeira e digital para que estes entendam que o aumento de opções e produtos traz consigo um maior grau de responsabilização”, referiu.

Carlos Costa disse ainda que importa também que os reguladores e supervisores “assumam a necessidade de controlar os riscos associados às novas formas de prestação de serviços e ao mesmo tempo estabeleçam o nível de risco que toleram em função dos custos, que resultam tanto da ocorrência destes fatores como da sua mitigação”, num claro alerta para o legislador.

“Simultaneamente, as novas possibilidades de tratamento e transmissão de informação vieram dar a oportunidade a entidades que, não sendo do setor bancário, foram ao longo do tempo acumulando grandes bases de dados e experiência no respetivo tratamento automático de grandes massas de informação”, disse.

“Essa experiência garante uma vantagem competitiva face aos incumbentes (bancos)”, disse, explicando que “as suas extensas bases de dados, capacidades analíticas e de processamento de dados são fatores competitivos que lhes permitem explorar atividades financeiras ajustadas ao perfil de cada cliente”. Pois, embora os bancos tenham a seu favor o (re)conhecimento do público e a capacidade fiduciária acumulada, as suas bases de dados são limitadas geograficamente e estão limitadas em termos de economia de escala, quando comparadas com as das empresas tecnológicas à escala global”.

“Passando o mass market a estar cada vez mais dependente da oferta dos grandes players, os bancos locais tenderão a passar a ser redes complementares de colocação de produtos de ‘marca branca’ e de recolha de fundos sem as capacidades tecnológicas nem de escala para operar no mercado. Os bancos vão ser supermercados de vários fornecedores”, vaticinou o Governador.

Neste contexto, começam a emergir dois cenários enquanto resultado dos desafios da digitalização com que o sector bancário se confronta, salientou o responsável pelo banco central. “Um cenário, menos desejável, de inércia, onde os bancos não respondem a estes desafios, e vão ficar confrontados com uma compressão das margens e limitação de cross-subsidiation, acabando por se tornar meras plataformas de captação de depósitos e de colocação de produtos, com a criação de valor a ocorrer fora da sua esfera, levando ou a uma progressiva perda de contacto com os clientes, ou a uma incapacidade de os trabalhar de forma autónoma”.

O conhecimento/contacto transfere-se neste caso para gigantes digitais que, já possuindo acesso a vastos conjuntos de informação dos clientes, começarão a focar-se na cadeia de valor do sector bancário, podendo, no limite, originar um efeito de crowding out dos bancos.

Há ainda um segundo cenário, “de profunda transformação do sector, em que os bancos internalizam as novas tecnologias, através da aquisição ou do desenvolvimento interno de FinTechs e soluções tecnológicas afins. Neste cenário, os bancos tiram partido da confiança e notoriedade histórica que têm junto dos seus clientes, para promover soluções cada vez mais focadas nas necessidades dos consumidores, que lhes permitam capturar novas fontes de receita ao mesmo tempo que reduzem vários custos de funcionamento”, explicou.

Estes cenários não são mutuamente exclusivos, adiantou, e o resultado final poderá bem ser uma combinação de ambos, “originando um efeito de concentração dentro do sector bancário para criar sinergias, e uma deslocação de parte do negócio de mass market para operadores que não era originalmente do sector financeiro”.

Foi aqui que salientou que tornará imperativo que “a gestão dos bancos ao mais alto nível possua competências digitais suficientes”.

A digitalização da banca cria riscos e Carlos Costa alerta para lacunas na regulação que podem criar novos casos GES

“Do ponto de vista de risco, importa notar que embora ainda não existam estudos empíricos suficientes para aferir quais as implicações da digitalização do sector bancário”, referiu, dizendo que “há quem aponte para a existência de menor volatilidade mas um aumento do risco sistémico (i.e. caudas mais largas) devido ao maior uso de inteligência artificial. Além disso, a extensão da cobertura geográfica que vai ser promovida pela digitalização e entrada de diversos players em interação colocará desafios renovados à salvaguarda da estabilidade financeira que importará acautelar”, alertou.

“A digitalização comporta igualmente desafios para os bancos centrais e reguladores.

A nova arquitetura e os novos modelos de negócio obrigam a uma resposta multidisciplinar dos bancos centrais e reguladores, e exigem novas abordagens, novos recursos e competências, de forma a maximizar as oportunidades e a minimizar os riscos para a sociedade, sublinhou Carlos Costa que defende que é imperativo que “fique muito claro qual é a área de competência do banco central e do supervisor, quais os produtos que supervisiona e pelos quais responde, quais os produtos que não supervisiona e pelos quais não responde e quais as instituições que estão sujeitas à sua vigilância”. Para num dia que acontece um acidente o supervisor não ser acusado de estar desatento, quando não tinha poder sob produtos que não faziam parte da sua responsabilidade, e para que não surjam os que se consideram enganados quando tentavam tirar benefício das lacunas regulatórias ou de instituições que não cobertas, nem pela supervisão, nem pela legislação “, disse Carlos Costa que lançou um recado: “Espero que não passemos por uma situação destas a propósito de um produto financeiro muito em voga hoje em dia”, mais não disse. Mas aparentemente estaria a falar dos produtos da Associação Mutualista que são vendidos aos balcões do banco Montepio Geral, numa plateia onde estava José Félix Morgado, presidente da Caixa Económico, em processo de saída do banco.

Desta forma, disse, “é muito importante que as autoridades competentes não interrompam a dinâmica em curso, mas a enquadrem e assegurem, nomeadamente: A neutralidade da regulação, eliminando os fatores inibidores da adoção de tecnologias (seguras e eficientes) no desenvolvimento da atividade financeira”, a ilusão de quem pode inibir é a ilusão de quem constrói uma barragem contra o Pacífico, a prazo fica-se menos protegido. É importante que a regulação antecipe, que seja neutra do ponto de vista dos diferentes atores e que conheça muito bem as implicações e as características das tecnologias e dos produtos que são veiculados  por essas tecnologias”, disse.

Outro princípio enunciado no seu longo discurso refere-se ao “tratamento justo e equilibrado entre incumbentes e novos entrantes, bem como entre jurisdições, não colocando em causa a confiança pública na prestação de serviços”. Não é possível tolerar um shadow banking que presta o mesmo tipo de serviços no setor bancário e não esteja sujeito à mesma regulação. Sob perigo de criar um problema grave a prazo na estabilidade financeira”, explicou Carlos Costa.

Por fim falou da “identificação de novos riscos e desafios colocados pela disponibilização de serviços financeiros de base tecnológica e a adoção de iniciativas regulatórias e de supervisão adequadas por forma a evitar zonas sombra com menores exigências ao mesmo tempo que se garante a proteção de dados”. Todos estes princípios exigem uma “atuação coordenada entre reguladores e supervisores a nível nacional, europeu e a nível do Comité de Basileia, uma vez que qualquer lacuna dá naturalmente uma vantagem e cria um risco”.

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