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Governo aposta na calamidade como arma para prevenir a emergência

António Costa procura que as novas medidas impeçam a rutura do Serviço Nacional de Saúde devido ao aumento do número de infeções com Covid-19 numa conjuntura em que também está a gerir a aprovação do Orçamento do Estado para 2021 e o Plano de Recuperação e Resiliência. Ónus das medidas mais polémicas será dividido com a Assembleia da República.
  • António Costa
14 Outubro 2020, 17h54

Os modelos matemáticos de evolução da pandemia que permitiram à ministra da Saúde, Marta Temido, alertar para a aproximação de dias com mais de três mil novos casos diários de Covid-19, anunciados na quarta-feira em que a Direção-Geral da Saúde anunciou pela primeira vez mais de duas mil infeções (2.072) em Portugal, tornaram impossível adiar a declaração de estado de calamidade em todo o território nacional, restando ao Governo a esperança de que as medidas permitam evitar uma sobrecarga de doentes que provocaria a rutura no Serviço Nacional de Saúde e colocaria o cenário diversas vezes considerado impossível de medidas mais restritivas.

Numa altura em que o Governo está a gerir em simultâneo a aprovação do Orçamento do Estado para 2021, mais problemática do que se esperaria quando qualquer modelo matemático asseguraria estar praticamente garantida, tendo em conta que a rejeição implica 109 votos contra (ou 108 numa segunda votação) – sendo necessário para tal uma “coligação negativa” que nunca andaria longe de juntar Joacine Katar Moreira a André Ventura -, e a entrega a Bruxelas do Plano de Recuperação e Resiliência necessário para enquadrar os 12,9 mil milhões de euros de subvenções garantidas pela Comissão Europeia, evitar ao máximo um cenário que conduza ao estado de emergência é a prioridade absoluta. Como António Costa tem repetido nos últimos meses, depois da fase de “conter a pandemia sem matar a economia”, é hora de “recuperar a economia sem descontrolar a pandemia”.

Mas o certo é que a “evolução grave” da pandemia reconhecida pelo primeiro-ministro, que alertou diversas vezes para a impossibilidade de retomar o confinamento que teve um efeito arrasador na economia portuguesa, teve como resposta a entrada em vigor do estado de calamidade a partir desta quinta-feira, com várias medidas para travar o contágio, incluindo a proibição de ajuntamentos na via pública de mais de cinco pessoas, a limitação de eventos de natureza familiar a um máximo de 50 participantes, o impedimento de festejos académicos, o reforço das ações de fiscalização na via pública, estabelecimentos comerciais e de restauração e ainda o agravamento para 10 mil euros das coimas para estabelecimentos que não assegurem o “escrupuloso cumprimento” das regras em vigor.

E o Governo tratou de “convidar” a Assembleia da República a partilhar o ónus de medidas potencialmente mais polémicas e contestadas, sujeitando ao voto dos deputados uma proposta de lei que visa tornar obrigatório o uso de máscara na via pública quando na proximidade de outras pessoas e o uso da app para telemóvel Stayaway Covid em contexto escolar, laboral e outros. Algo que gerou um coro de críticas por pressupor a detenção de um smartphone e, ainda mais, por uma eventual violação dos direitos, liberdades e garantias dos cidadãos.

“Juridicamente é muito complicado obrigar as pessoas a usar uma aplicação que monitoriza os seus comportamentos”, reagiu já nesta quarta-feira a deputada do CDS-PP Ana Rita Bessa, admitindo “reservas de fundo” dos centristas quanto à proposta de lei e acrescentando que, no que diz respeito à utilização da máscara na via pública, “é fundamental que o critério seja claro, que se identifique exatamente em que circunstâncias é que é precisa e obrigatória a utilização da máscara”. Por seu lado, o economista Ricardo Arroja, cabeça de lista da Iniciativa Liberal nas eleições para o Parlamento Europeu, perguntou no Twitter, a propósito da obrigatoriedade de usar o Stayaway Covid em contexto escolar e laboral: “O que é que vem a seguir: um chip subcutâneo?? E se alguém se recusar? É discriminado e é-lhe rejeitado o direito de trabalhar, estudar, etc..?!?”

Seja como for, fica claro que o estado de calamidade, que abre a porta a novas restrições à circulação de pessoas no terrítório nacional, é visto pelo Executivo como a arma para evitar o regresso ao estado de emergência, num contexto de agravamento da pandemia que já infetou 91.193 e provocou 2.117 mortes em Portugal. E que levou o Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, a antecipar o espírito das restrições futuras, alertando os concidadãos que este ano o Natal deverá ser muito diferente de todos os outros.

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