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Governo quer reprivatizar rapidamente a Efacec, mas venda exige caderno de encargos

A lei-quadro das privatizações não permite um processo de venda rápido da Efacec, apesar da intenção anunciada em Conselho de Ministros. A lei diz que a reprivatização deve ser preferencialmente feita através de concurso público, de oferta na bolsa de valores ou subscrição pública. O concurso público ou a venda direta exigem um prévio caderno de encargos. Venda da Efacec conduzida pela StormHarbour cai.
  • Harry Murphy/Web Summit
2 Julho 2020, 20h48

O Ministro de Estado e da Economia Pedro Siza Vieira anunciou na conferência de imprensa do Conselho de Ministros que o Estado iria nacionalizar a participação de Isabel dos Santos na Efacec, tendo o diploma já sido promulgado pelo Presidente da República.

O comunicado do Conselho de Ministros detalha que a intervenção do Estado, feita em acordo com os acionistas privados, deve ainda ser feita por período restrito no tempo e com vista à resolução temporária da respetiva situação, estando prevista a sua imediata reprivatização, a executar no mais curto prazo possível.

Isto significa que o Estado quer prosseguir com o processo de venda que foi desencadeado nas últimas semanas e que culminou com a entrega de cerca de 10 propostas não vinculativas na semana passada à StormHarbour. Segundo fonte próxima do processo a oferta mais alta pelos cerca de 72% da Efacec não ultrapassou os 25 milhões de euros, informação que não foi possível confirmar.

No entanto, este processo de venda cai. Pois uma nacionalização obedece a trâmites jurídicos que não são favoráveis a um processo rápido.

Para vender uma empresa nacionalizada o Estado tem de seguir a Lei Quadro das Privatizações, Lei nº 11/90, que define que “o processo de reprivatização da titularidade ou do direito de exploração dos meios de produção e outros bens nacionalizados  (…) será sempre precedido de uma avaliação, feita, pelo menos, por duas entidades independentes, escolhidas de entre as pré-qualificadas em concurso realizado para o efeito”.

E quais são os processos e modalidades de reprivatização previstos na lei?

A reprivatização da titularidade realizar-se-á, alternativa ou cumulativamente, pelos seguintes processos: alienação das ações representativas do capital social e por aumento do capital social.

Em qualquer dos casos a lei estipula que  “em regra e preferencialmente” deverão ser feitos “através de concurso público, oferta na bolsa de valores ou subscrição pública”.

A lei diz ainda que quando o interesse nacional ou a estratégia definida para o sector o exijam ou quando a situação económico-financeira da empresa o recomende, poderá proceder-se a um “concurso aberto a candidatos especialmente qualificados, referente a lote de acções indivisível, com garantias de estabilidade dos novos accionistas e em obediência a requisitos considerados relevantes para a própria empresa em função das estratégias de desenvolvimento empresarial, de mercado, tecnológicas ou outras”.

Em alternativa o Estado pode optar pela venda directa, à alienação de capital ou à subscrição de ações representativas do seu aumento.

“Os títulos transacionados por concurso público limitado ou venda directa são nominativos, podendo determinar-se a sua intransmissibilidade durante determinado período, a fixar no decreto-lei referido no artigo 4.º do presente diploma”, lê-se na lei.

No que toca à reprivatização por concurso público, esta será regulada pela forma estabelecida na legislação e “no qual se preverá a existência de um caderno de encargos, com a indicação de todas as condições exigidas aos candidatos a adquirentes”.

É depois da competência do Conselho de Ministros a decisão final sobre a apreciação e selecção dos candidatos a que se refere o número anterior.

Já a modalidade de venda directa da empresa consiste na adjudicação sem concurso a um ou mais adquirentes do capital a alienar. Mas aqui “é sempre obrigatória a existência de um caderno de encargos, com indicação de todas as condições da transação”. É também da competência do Conselho de Ministros a escolha dos adquirentes, bem como a definição das condições específicas de aquisição do capital social.

“As sociedades anónimas resultantes da transformação de empresas públicas podem emitir «obrigações de reprivatização», sob a forma de obrigações convertíveis em acções ou de obrigações com direito a subscrever acções, salvaguardada a observância das exigências constantes da presente lei”, lê-se no articulado.

Mas há mais. Uma reprivatização exige que seja reservado uma fatia de capital para trabalhadores, pequenos subscritores e emigrantes. Uma percentagem do capital a reprivatizar será reservada à aquisição ou subscrição por pequenos subscritores e por trabalhadores da empresa objecto da reprivatização e os emigrantes poderão também ser abrangidos pela mesma regra.

No que toca ao regime de aquisição ou subscrição de acções por pequenos subscritores e emigrantes, a lei diz que “a aquisição ou subscrição de ações por pequenos subscritores e emigrantes beneficiará de condições especiais, desde que essas ações não sejam transacionadas durante um determinado período a contar da data da sua aquisição ou subscrição”. As ações adquiridas ou subscritas nestas condições “não conferem ao respectivo titular o direito de votar na assembleia geral, por si ou por interposta pessoa, durante o período da indisponibilidade”.

O que diz o artigo relativo ao regime de aquisição ou subscrição de acções por trabalhadores? Diz que os “trabalhadores ao serviço da empresa a reprivatizar, bem como aqueles que hajam mantido vínculo laboral durante mais de três anos com a empresa pública ou com as empresas privadas cuja nacionalização originou esta empresa pública, têm direito, independentemente da forma escolhida para a reprivatização, à aquisição ou subscrição preferencial de ações, podendo, para o efeito, atender-se, designadamente, ao tempo de serviço efectivo por eles prestado”.

A aquisição ou subscrição de ações pelos trabalhadores da empresa a reprivatizar beneficia de condições especiais, “não podendo essas ações ser objecto de negócio jurídico que transmita ou tenda a transmitir a sua titularidade, ainda que com eficácia futura, durante um determinado período a contar da data da sua aquisição ou subscrição, sob pena da nulidade do referido negócio”, refere a lei que acrescenta que as ações adquiridas ou subscritas nestas circunstâncias “não conferem ao respectivo titular o direito de votar na assembleia geral por interposta pessoa durante o período de indisponibilidade”. Sendo que não beneficiarão do regime “os antigos trabalhadores da empresa que hajam sido despedidos em consequência de processo disciplinar e ainda os que hajam passado a trabalhar noutras empresas com o mesmo objecto social daquela, por o contrato de trabalho ter cessado por proposta dos trabalhadores interessados”.

A notícia caiu como uma bomba no mercado, depois do processo de venda ter sido iniciado com a entrega de 10 propostas não vinculativas.

“O Conselho de Ministros aprovou um decreto-lei que procede a nacionalização de 71,73% do capital da sociedade Efacec”, anunciou o Ministro da Economia especificando que é uma participação social “detida por uma sociedade denominada Winterfell II com sede em Malta e que é indiretamente controlada pela engenheira Isabel dos Santos”

O Conselho de Ministros tomou esta decisão “porque Efacec se encontra numa situação de grande impasse acionista, desde que no final do ano passado na sequência do processo Luanda Leaks foi decretado o arresto desta participação social”, detalhou o Ministro.

Siza Vieira disse também que o governo tem acompanhado de perto os esforços que foram sendo desenvolvidos entre os bancos credores dos acionistas e os bancos credores da Efacec Power Solution, “no sentido de tentar encontrar uma forma de viabilizar a possibilidade de estas ações serem entregues aos bancos ou de outras forma transmitidas”, disse o ministro.

Recorde-se que o presidente da CGD, Paulo Macedo, sempre negou que esteve a ser estudada a entrada dos bancos no capital da Efacec, ou mesmo do veículo que chegou a estar em cima da mesa criar.

O que diz o Governo para justificar a nacionalização?

O Estado diz que o Conselho de Ministros aprovou hoje o decreto-lei que procede à apropriação pública da participação social detida pela Winterfell 2 Limited na Efacec Power Solutions, por via de nacionalização de 71,73% do capital social da empresa, com vista à salvaguarda do interesse público nacional.

“A Efacec Power Solutions é uma empresa nacional com atividade empresarial nos setores da Energia, Mobilidade Elétrica, Engenharia e Transportes, e uma referência internacional em setores vitais para a economia portuguesa”, considera o Governo.

“A repercussão dos acontecimentos relacionados com a estrutura acionista da Efacec Power Solutions, particularmente os efeitos do arresto de ativos de alguns dos seus acionistas, levou à impossibilidade de exercício dos direitos inerentes às participações que correspondem à maioria do capital da empresa, gerando diversas dificuldades no plano comercial e operacional e, em consequência, agravaram a situação financeira desta, situação que se tem vindo a deteriorar a um ritmo acelerado”, detalha o comunicado do Conselho de Ministros.

O Executivo explica ainda que a “apreensão judicial decorrente do referido arresto determinou a rejeição quanto à possível venda da empresa, não existindo possibilidade de solucionar o agravamento da situação da empresa até ao momento, nem havendo perspetivas de viabilização no curto prazo”.

A intervenção do Estado, decidida com a concordância dos restantes acionistas privados, “procura viabilizar a continuidade da empresa, garantindo a estabilidade do seu valor financeiro e operacional, expressa num volume de negócios na ordem dos 400 milhões de euros, e permitindo a salvaguarda dos cerca de 2.500 postos de trabalho que garante, da valia industrial, do conhecimento técnico e da excelência em áreas estratégicas”.

Sobre a Efacec, Pedro Siza Vieira disse ainda que a empresa não está “muito endividada”. A 31 de maio, a dívida bancária era de cerca de 80 milhões de euros, tinha uma emissão obrigacionista em dívida de 58 milhões de euros e tem “uma dívida a fornecedores que se agravou nos últimos tempos”. A situação líquida da empresa “é positiva, não tem nível elevado de dívida. Há sim montantes significativos de dívida dos acionistas.”

Na sequência da decisão do Governo de nacionalizar a participação da acionista maioritária da Efacec, o Grupo José de Mello e a Têxtil Manuel Gonçalves, na sua qualidade de acionistas minoritários, manifestam a sua satisfação por ter sido encontrada uma solução que permite desbloquear a situação de impasse em que a empresa de encontrava”, consideraram os acionistas, numa declaração escrita enviada à Lusa.

Para a José de Mello e a Têxtil Manuel Gonçalves, que detêm, em partes iguais, 28% do capital da Efacec, “era urgente” encontrar uma solução para a empresa prosseguir, tendo em conta a sua “importância e relevância” em Portugal, a qualificação dos colaboradores e a necessidade de proteger o interesse de clientes e fornecedores.

 

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