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Grupo José de Mello disponível para investir até 50 mil euros em startups

Francisco Gonçalves Pereira, diretor-executivo da José de Mello e líder da aceleradora Grow, afasta a hipótese de concorrência com sociedades de capital de risco e garante que o grupo não quer ser “tóxico” ou “abafar” estes pequenos negócios.
  • Cristina Bernardo
24 Janeiro 2019, 11h00

Francisco Gonçalves Pereira, diretor-executivo da José de Mello e líder da aceleradora Grow, considera que o ecossistema do empreendedorismo é um dos canais mais importantes de desenvolvimento da economia portuguesa. Como tal, em entrevista ao Jornal Económico, o empresário revelou que o grupo está a estudar lançar-se numa ronda de investimento ‘series A’, com um modelo que ainda está a ser cozinhado. Há no máximo 50 mil euros na carteira para oferecer aos empreendedores e uma participação no capital de até 5%, segundo o também administrador da Monte da Ravasqueira e da Bondalti.

Como é que tem evoluído o programa? Haverá mudanças na próxima edição?

Fazemos em fevereiro dois anos. O nosso objetivo era conseguir ter uma lógica de colaboração com startups e temos estado a conseguir fazê-lo, com números interessantes para aquela que era a nossa expectativa inicial. Terminámos 2018 com quase 20 pilotos, que nos têm permitido trazer novidades tecnológicas para os nossos negócios e mais inovação para dentro dessas áreas. O ano de 2019 terá uma lógica de continuidade: pilotos e um prémio [Grow Innovation Award]. O que pode evoluir é uma vertente eventual de investimento. Não definimos como prioridade de arranque investimento em startups, temos isso como uma opção futura. Neste momento, tendo já contactado com perto de 500 startups neste programa, começamos a ganhar massa crítica de entendimento e a perceber como as podemos ajudar.

Até quanto será esse investimento? Para quem é que vão olhar?

O que vamos à procura é de fechar alguns gaps que existem no mercado. Aquilo que entendemos é que existem algumas fases muito early stage em que, para os venture capitals [investidores em capital de risco], ainda é muito cedo para entenderem o modelo de negócio e investirem. Aí, podemos dar apoio a startups que não têm outra forma de financiamento. Estamos a falar de montantes reduzidos. Não estamos à espera de investir mais do que 50 mil euros numa startup e, em muitos casos, poderão ser montantes inferiores. Temos a visão de, que em todo o processo não queremos abafar as startups i.e., em vez de crescerem e poderem-se desenvolver, passem a trabalhar só para nós, que os empreendedores deixem de ser empreendedores e se transformem quase em colaboradores do grupo. Queremos combater essa possibilidade que a gravidade poderia empurrar. Uma grande empresa com uma startup pode ter um poder de absorção. Nesse sentido, temos a preocupação de como é que, num período intermédio, poderemos apoiar sem nos tornarmos tóxicos e sem que afaste outros potenciais clientes. Ainda estamos a trabalhar e a pensar qual poderá ser o modelo.

Seria uma participação minoritária?

Seria sempre, são participações pequenas que estamos a considerar, no máximo 5%. Mesmo assim temos dúvidas nessa fase intermédia. Temos de ver caso a caso. Depois, estamos também a ponderar a possibilidade de começar a entrar num ‘series A’, com um modelo que temos de desenvolver. Mais do que criar o quarto ou quinto unicórnio português, o que acreditamos é que temos um know-how muito grande nas áreas onde estamos – saúde, mobilidade e química – para ajudar startups nesta componente de pilotagem. Podemos, ao trabalhar com elas numa fase inicial, ajudá-las a afinar os seus produtos e soluções, para estar mais dirigidas às necessidades reais da indústria. Não temos a pretensão de querermos substituir outros players que existem no ecossistema e que fazem o seu papel. Queremos posicionar-nos como complementares. Temos venture capitals que fazem investimentos e apoiam empresas, e fazem-no bem.

Foram alterando os critérios de seleção das startups, exigindo-lhes mais maturidade?

Vamos afinando o tiro. Temos um misto de duas situações diferentes: transformar gradualmente os nossos modelos de negócio e apoiar o ecossistema no seu desenvolvimento. Como o grupo tem uma um papel muito significativo na economia portuguesa, tem a responsabilidade de ajudar a que a ela se desenvolva, e acreditamos que as startups são um dos canais importantes de desenvolvimento da economia portuguesa. Isso faz com que haja uma lógica dual de atuação. Ou seja, temos startups mais maduras com as quais colaboramos, que têm soluções mais prontas para evoluirmos, mas depois também temos outras em fases anteriores de desenvolvimento. Temos esse papel muito importante de as apoiar na validação, em tornar a solução mais criativa e a proposta de valor mais concreta e assertiva.

Há unanimidade nas startups das áreas de atuação do Grow?

Sentimos que as startups têm alguma dificuldade a passar de uma boa ideia e de uma boa solução no papel, em conceito, para estar afinada à realidade do mercado. É algo generalizado e até, apesar de não trabalharmos tanto nestas áreas, na agricultura, no vinho, etc. A saúde e a mobilidade são claramente as que têm mais tração, são as empresas maiores que temos no grupo, mas principalmente porque são áreas muito fortes no desenvolvimento de startups. Em todas as áreas em que estamos presentes consideramos isto mas, pela escala, tem menos presença. Nas áreas do vinho e da manutenção industrial temos tido algumas reuniões com startups, mas aí a escala é pequena por isso a nossa capacidade de lhes dar resposta é limitada.

Nascem muitas empresas da área química? Há liquidez?

É uma área mais específica e na qual as necessidades dos consumidores finais são menos evidentes. Muito daquilo que é a utilização dos produtos químicos as pessoas não têm sequer consciência de que aquilo é um produto químico que estão a utilizar. Normalmente, um estudante ou um empreendedor em geral, quando está a pensar em coisas, pensa naquelas que vê, e é mais difícil encontrar soluções para área química. Muitas vezes são pessoas que vêm da universidade ou da própria indústria. Tipicamente são também soluções que exigem investigação profunda, de desenvolvimento mais longo, o que não é a lógica de uma startup. No tempo que uma investigação na área química demora a desenvolver, as startups já nasceram e já morreram e as que não morreram já se tornaram unicórnios.

É difícil ser empreendedor dos químicos?

É difícil ser empreendedor dos químicos. Nessa área temos uma tradição muito grande de colaboração com a universidade, em particular com a de Aveiro e a do Porto, porque temos um polo em Estarreja. Nalguns casos as próprias universidades tendem a formar as suas pequenas empresas com uma lógica diferente da típica tecnológica que observamos no ecossistema. Enquanto na saúde e na mobilidade é fácil lançar um programa e, ao fim de dois anos, temos 20 pilotos e vimos 400 startups, na química conseguimos encontrar 20 ou 30 soluções. Há também uma coisa que é boa dentro do grupo mas má para criarmos laços com startups: a nossa indústria química está muito desenvolvida do ponto de vista tecnológico. A nossa fábrica tem um nível de automação muito grande e muitas das startups que nos aparecem trazem soluções que não acrescentam aquilo que queremos.

Francisco Gonçalves Pereira é presidente do Júri do Grow Innovation Award, que, na primeira edição (2018), galardoou a Stratio e a HealthySystems, que receberam distinções monetárias de 15 mil e seis mil euros, respetivamente.

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