Como muitos profissionais, dedico-me à tarefa da exploração de cenários. Quando se trabalha nisto há duas décadas e meia, o assunto torna-se tão rotineiro que acaba por mudar a forma como se vê o mundo, porque tudo parecem indícios do que poderá acontecer.
Tem algumas desvantagens, mas ajuda muito na tomada de decisão e, sobretudo, na mitigação de riscos.
Por esse motivo, e também por uma infeliz experiência familiar passada, a perspetiva de uma forte vaga de calor causou-me a maior das apreensões. Partilhei com os mais próximos que a ausência de um plano especial de contingência iria resultar num elevadíssimo número de mortes. Pois aqui estão elas e… não eram difíceis de prever, até para quem não é especialista em saúde pública.
Às vezes é difícil perceber como funciona a lógica de quem decide. Se tanto se fez para proteger os mais vulneráveis perante a ameaça da Covid-19, como se pode aceitar que tenha sido a 14 de julho que se tenha registado o dia com mais mortes este ano?
Como assentir que todos os portugueses tenham recebido um SMS da proteção civil acerca dos fogos e nem um aviso prático ou medidas no terreno para proteger quem poderia sofrer com a onda de calor?
O problema é conhecido, as previsões meteorológicas estavam disponíveis e era preciso atuar. Pois nada. Quase no mesmo dia, outra tragédia como a de Pedrógão esteve para acontecer nas autoestradas nacionais na noite de 13 de julho, que deveriam estar fechadas. Novamente a inércia e a apatia colocaram em risco centenas de pessoas. E também não era “imprevisível”.
Em Portugal há muitos obstáculos a que os processos de decisão sejam objetivos e racionais. A política e os interesses intrometem-se quase sempre entre a ciência e o bom senso. E depois lamenta-se, diz-se que há problemas estruturais, que o país é pobre e que se vai elaborar um inquérito.
Precisamos de mais execução e talvez isso explique as sondagens que o Almirante tem.