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‘Inferno’ da Amazónia: “o pior ainda está para vir”, alertam especialistas

A desflorestação da Amazónia, no Brasil, quase duplicou entre janeiro e agosto deste ano comparando com 2018, atingindo 6.404 quilómetros quadrados. Três semanas depois desde o início do “cenário de terror”, os fogos ainda não foram dominados. Especialistas alertam que “o pior ainda está para vir”.
  • Bruno Kelly/Reuters
10 Setembro 2019, 07h47

As Nações Unidas (ONU) alertaram esta segunda-feira para o “efeito catastrófico na humanidade” dos fogos que continuam a consumir a Amazónia, admitindo que nunca se conheça a sua verdadeira magnitude ou o número de mortes que estão a causar.

Em 2018, a desflorestação do “pulmão do planeta” foi de 3.336 quilómetros quadrados, o que conduz a um aumento de 91,9%, desde o passado mês de janeiro, segundo as estatísticas do país. Só no mês de agosto deste ano, desapareceram 1.700,8 quilómetros quadrados, três vezes mais do que no mesmo mês do ano passado, quando se somaram 526.5 quilómetros quadrados, segundo o sistema DETER de alertas de satélite do Instituto Nacional para as Investigações Espaciais (INPE). Três semanas depois do alerta mundial, os incêndios continuam.

É importante relembrar que grande parte destes incêndios ocorrem devido às queimadas que são regulares todos os anos e que são provocadas principalmente pelos agricultores. Porém, em 2019 a área ardida ultrapassou muito a média dos últimos anos. Desde janeiro houve cerca de 7.5000 incêndios o que representa um aumento de 85% relativamente ao ano passado.

Especialistas brasileiros olham para as chamas e consideram que “o pior ainda está para vir”. Os investigadores portugueses subscrevem, sublinhando que não é correto que só se fale em ações para salvar o planeta, porque o que tem de ser salvo é a relação dos humanos com o planeta.

Principais autoras do ‘inferno’ da Amazónia: carne e soja

“A desflorestação da Amazónia irá continuar num ritmo mais acelerado enquanto o atual governo brasileiro estiver no poder”, alerta Filipe Duarte Santos, professor na Universidade de Lisboa, presidente do Conselho Nacional do Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (CNADS) e especialista em alterações climáticas. “Provavelmente chegaremos a um ponto em que começa a haver desertificação em algumas regiões da Amazónia cujo solo é relativamente pobre. Tal irá implicar uma perda da produtividade agrícola prejudicando um dos principais objetivos desta desflorestação”, afirmou ao Jornal Económico.

O especialista faz referência às duas das indústrias envolvidas no ‘inferno’ que consome a floresta amazónica: a soja e a carne bovina.

O Brasil é o maior exportador mundial de carne bovina, com um recorde de 1,64 milhões de toneladas enviadas para os seus principais mercados da China, Egito e União Europeia em 2018, segundo a Associação Brasileira de Exportadores de Carne Bovina. Aliás, o país viu a sua produção crescer nas últimas duas décadas, com exportações, medidas em peso e valor, a aumentarem em 10 vezes entre 1997 e 2016. Os principais consumidores são três empresas gigantes:  JBS, Minerva e Marfrig. Todo esse crescimento ocorreu às custas da Amazónia.

Já a soja, é outra das principais culturas comerciais para o Brasil, e também uma das principais autoras da desflorestação. A colheita teve um aumento dramático no cultivo nos anos 70, impulsionado pela migração de agricultores, o desenvolvimento de novas técnicas de cultivo e o uso de pesticidas. O Brasil exportou um recorde de 83,3 milhões de toneladas da planta em 2018, um aumento de 22,2% em relação a 2017, segundo o Ministério da Economia. O país é o principal fornecedor de soja para os Estados Unidos, mas envia a maior quantidade para a China.

Ganância dos produtores vai custar a vida dos humanos

“As consequências são mais visíveis e imediatas”, relembra o professor do Instituto Superior de Agronomia (ISA) Francisco Castro Rego. “Do ponto de vista social: a perda de habitat e de recursos para as populações que vivem na floresta. Na perspectiva ambiental, as emissões de CO2 e as perdas de biodiversidade”, enumerou em declarações ao JE. “Estas são as consequências que têm alertado a opinião pública mundial e desencadeado, muito justamente, uma onda de preocupação em relação a uma floresta que tem uma dimensão ambiental global”, destaca o Engenheiro Silvicultor ao JE.

Se não é o fim do oxigénio que está em causa, o caso muda quando se pensa que, pela mesma via da fotossíntese, as plantas “aspiram” dióxido de carbono do ar. As concentrações de CO2 na atmosfera continuam a bater recordes e a comunidade científica tem vindo a alertar para a importância de travar o ciclo e conter o aumento do aquecimento até 2ºC até ao final do século.

Filipe Duarte Santos explica que é aqui que reside, em termos de clima, um dos maiores contributos da Amazónia: a floresta retira da atmosfera cerca de um quarto do dióxido de carbono que as plantas conseguem anualmente ‘limpar’.

“Se acabarmos com a Amazónia, em vez de retirarmos um quarto, retiram-se três quatros. Isto aceleraria o aquecimento global mas não só, porque as plantas também têm a função de reterem água. A tendência para a desertificação da região seria maior, os solos perdem aptidão agrícola, deteriorando as condições de vida da população que habita a Amazónia, muitos povos indígenas que não têm outros meios de subsistência que não aquilo que a floresta lhes dá”, ressalva.

Mas não são apenas os povos indígenas que serão afetados. Segundo o especialista do CNADS, os grandes incêndios do mundo “não são propriamente graves para o planeta, que continua cá, connosco ou sem nós. Estamos de facto a interferir muito com o ambiente e com o planeta, mas é mau para nós, não para o planeta”, que continuaria na mesma mesmo que a espécie humana desaparecesse porque “é muito mais poderoso”.

Filipe Duarte Santos diz-se preocupado com o agravamento das alterações climáticas potenciadas pelos atuais incêndios, mas ainda assim não entende que a espécie humana esteja em risco, apesar de advertir que “os jovens vão ter um mundo muito diferente do que nós tivemos” e em média vão passar “momentos difíceis”. Em Portugal, avisa, vai ser especialmente difícil.

 

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