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Jaime Antunes diz que o BPP foi o único banco da zona euro onde clientes perderam os depósitos

Houve uma segunda dimensão na crise do BPP que “foi uma dimensão claramente política” porque o Governo de Sócrates não quis salvar “o banco dos ricos”, frisou Jaime Antunes. O gestor lembrou que há processos do BPP parados à espera de despacho do juiz há 10 anos, e fala da falta de transparência da Comissão Liquidatária nomeada pelo Banco de Portugal.
20 Abril 2021, 19h57

A dimensão política da atuação das autoridades no Banco Privado Português (BPP), foi invocada por Jaime Antunes, que foi cliente e acionista do BPP e mais tarde líder da Privado Clientes, associação que protagonizou, em nome dos clientes, a criação do fundo especial de investimento (FEI) que se revelou ser um instrumento importante na recuperação do património dos clientes de retorno absoluto do Banco.

Jaime Antunes participou na mesa redonda promovida pelo International Club of Portugal a propósito do lançamento do livro de João Rendeiro, “Em Defesa da Honra”, juntamente com o ex-presidente do Banco Comercial Português, Filipe Pinhal, com Manuel Ramalho (ICPT), Luís Mira Amaral e José Ferreira Martins (ex-cliente e também acionista do BPP) e que decorreu esta terça-feira.

Olhando para trás, Jaime Antunes fala em três vertentes que podem explicar o que aconteceu ao BPP que foi intervencionado em 2008 e liquidado em 2010. Uma delas é a crise financeira que provocou uma crise de liquidez.

“Não se pode comprar o que se passou no BPP com o que se passou noutros bancos”, disse Jaime Antunes.

“No BPP, com todos os erros que se possam identificar na gestão, a verdade é que o dinheiro dos clientes estava investido em ativos”, reforçou.

O BPP, na sua estratégia de investimento, criou vários veículos de aplicação do dinheiro dos clientes, e esses veículos investiam em produtos de longo prazo, nomeadamente obrigações e também em produtos estruturados.

“Podemos dizer que a concentração de risco, num veículo ou noutro foi excessiva, e eu acho que foi, mas temos de reconhecer que havia ativos para responder às responsabilidades assumidas com os clientes e os emitentes dessas obrigações eram de qualidade”, disse Jaime Antunes que lembrou que com o tempo foi possível recuperar o valor desses ativos (com o FEI).

O Fundo Especial de Investimento (FEI) do BPP foi criado em março de 2010, pelo que esteve ativo durante cerca de seis anos. O fundo que foi criado com o apoio dos reguladores e do Ministério das Finanças da altura, permitiu que os clientes do Retorno Absoluto, que eram a maioria dos clientes do banco, recuperassem o capital. “No final, quando nós liquidámos o fundo, 90% dos clientes recuperaram o capital que tinham aplicado [não os juros]”, disse.

“Através da valorização dos ativos no fundo, mais a participação do Fundo de Garantia dos Depósitos (FGD) e do Sistema de Indemnização aos Investidores (SII), permitiu que a generalidade dos clientes do BPP que investiram em retorno absoluto tenham recuperado o seu capital”. É claro que [estes clientes] perderam os juros [prometidos pelo BPP], lembrou ainda.

“Portanto, neste segmento de clientes só perdeu algum dinheiro quem investiu em quantidades mais altas, ao nível dos vários milhões de euros, e tinha poucos titulares nas contas. Lembro que isso era muito relevante por causa do financiamento do Sistema de Indemnização aos Investidores (SII) e do Fundo de Garantia de Depósitos, quem tinha mais titulares na conta tinha maior probabilidade de recuperar o seu capital”, referiu Jaime Antunes.

Depois houve o problema do rating do banco que despoletou a corrida aos depósitos, “mas o pano de fundo foi sempre o problema da crise financeira”.

Mas houve uma segunda dimensão na crise do BPP que “foi uma dimensão claramente política”, lembrou. O BPP foi visto pelo primeiro ministro da altura (Sócrates) e pelo Ministro das Finanças (Teixeira dos Sanos) como “o banco dos ricos e com poucos clientes que não valia a pena salvar”, recordou Jaime Antunes.

Jaime Antunes voltou a falar do facto de, por exemplo, os depositantes do BPN, que foi nacionalizado na altura,  terem tido os seus depósitos totalmente garantidos, enquanto os depositantes no BPP perderam o dinheiro, nos depósitos acima dos 100 mil euros que não estão garantidos pelo Fundo de Garantia de Depósitos (FGD).

“Nas crises de outros bancos, por exemplo a nacionalização do BPN, no BES onde foi criado o Novo Banco e no Banif, cujos ativos foram vendidos ao Santander, foram sempre salvos os depósitos. O BPP é o único banco, suponho eu, da zona euro, onde clientes que tinham mais de 100 mil euros em depósitos perderam os depósitos”, frisou.

“Isto apesar de na altura o Governo ter garantido que em Portugal ninguém perdia depósitos”, recordou. Há umas dezenas de clientes que perderam os depósitos que tinham no BPP, revelou.

Há uma dimensão claramente política na história do BPP, defendeu. “Temos que ver qual era a conjuntura política da altura. Estávamos no final de 2008, com eleições em 2009, com um governo socialista. Na altura, o ministro das Finanças, Fernando Teixeira dos Santos, a última coisa que queria era associar a sua imagem à viabilização daquele que era chamado o banco dos ricos”, recordou.

“Isso ficou bem patente na solução que o Banco de Portugal [liderado por Vítor Constâncio] encontrou para o BPP. Nomearam uma administração provisória integrando representantes dos outros bancos concorrentes. Não tem sentido se o objetivo era viabilizar o banco”, disse ainda.

Jaime Antunes apelidou de lamentável o que se passou com o empréstimo bancário de 450 milhões de euros com garantia do Estado ao BPP.  “A administração do BPP pegou nesse dinheiro e pagou a todos os clientes estrangeiros e às caixas de crédito agrícola, e deixaram para trás a maioria dos clientes portugueses, o que é uma discriminação de credores vergonhosa”, lembrou.

João Rendeiro referiu na mesma mesa redonda que tem conhecimento que o Estado já foi pago.

Jaime Antunes já tinha referido publicamente, anteriormente, que “havia muita gente que tinha dinheiro no BPP e que não era rico, mas criou-se essa imagem que o BPP era o banco dos ricos e o governo teve medo. Para eles era muito mais fácil liquidar o banco dos ricos do que reestruturá-lo e viabilizá-lo”.

“Neste momento vemos uma insolvência que tem um património de centenas de milhões de euros, em que o Estado está a receber o dinheiro que lá meteu e vai recuperar todo o dinheiro, mas à conta dos credores portugueses, porque é um credor privilegiado”, alertou.

“O Estado vai ser pago com o dinheiro da insolvência. Nós, na altura na Privado Clientes, pusemos um processo em tribunal contra o Estado para pedir uma indeminização por causa deste privilegio dado aos credores estrangeiros. É um processo que está no Tribunal Administrativo há 10 anos, sem um único despacho que seja do juiz”, lembrou.

“É um escândalo o que se passa com justiça!”, disse Jaime Antunes que lembrou ainda outros processos judiciais interpostos pela Liminorke, sociedade por si liderada e que é credora do Banco Privado Português (BPP).

A Liminorke tinha um depósito de 53 milhões de euros, fruto da venda de parte da participação na Galp uns meses antes, no BPP, revelou Jaime Antunes. Com a intervenção no BPP, não foi acionado o pagamento do depósito da Liminorke e em 2009, na sequência de um pedido compulsivo da Liminorke (já liderada por Jaime Antunes e não por Rendeiro) para que o BPP pagasse o depósito, o banco (liderado então por Fernando Adão da Fonseca), suspende o pagamento de todos os depósitos na altura, e há cerca de 30 depositantes que até hoje não receberam os seus depósitos.

“Pusemos um processo contra o Banco de Portugal por negligencia na supervisão. Esse processo já foi julgado há três anos e três meses, desde então que estamos à espera da sentença”, refere.

Puseram ainda processos contra a Deloitte por negligencia na revisão de contas do BPP e “estão nos tribunais há quase 10 anos e nem julgamento está marcado”, revelou Jaime Antunes.

Sobre a garantia que o Estado deu ao empréstimo bancário de 450 milhões ao BPP, “o Tribunal de Contas na altura considerou essa garantia como ilegal porque só podia existir no quadro de uma viabilização do banco. Há decisões dos tribunais da UE considerando esta garantia ilegal. Escrevemos na altura ao Governo, mas o Ministro das Finanças ignorou a nossa carta”, referiu Jaime Antunes. “Pusemos um processo em tribunal para exigir do Estado e da Finanças que aplicassem as decisões dos tribunais europeus, ou seja, que o Estado pedisse o dinheiro aos bancos, ficando estes como credores da massa insolvente, mas é mais um processo que está em tribunal há 4 anos sem qualquer despacho”, revelou.

“Temos uma comissão liquidatária nomeada pelo Banco de Portugal há mais de 10 anos em funções que não presta contas a ninguém, que está sentada em cima de centenas de milhões de euros de depósitos bancários, continuam a gastar o dinheiro da massa falida em salários sem qualquer fiscalização. A Comissão de Credores não reúne e não fiscaliza, o Banco de Portugal também não apresenta contas daquilo que se está a passar no BPP”, alerta Jaime Antunes.

“Podemos discutir os erros de gestão do BPP, que foi muito agressiva, imprudente até”, mas houve uma dimensão política no destino do Banco Privado.

 

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