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Jerónimo de Sousa: “O diretório de potências da UE não brinca em serviço”

Na perspetiva do secretário-geral do PCP, “Portugal não ganha no plano da sua independência e soberania” com a nomeação de Mário Centeno para a presidência do Eurogrupo.
15 Dezembro 2017, 09h45

Porque é que está tão pessimista relativamente à nomeação de Mário Centeno como presidente do Eurogrupo?
Não é pessimista, é realista. Em primeiro lugar, não basta ser um compatriota, não basta ser um português. Nós já tivemos algumas experiências de portugueses, desde Durão Barroso até Vítor Gaspar ou Vítor Constâncio…

Mas apontando para outro exemplo, Carlos Moedas não está a fazer um trabalho bastante meritório nas funções de comissário europeu com as pastas da Investigação, Ciência e Inovação?
Sim, mas repare, não está num cargo com esta visibilidade, não se compara com a presidência do Eurogrupo. A questão de fundo que se coloca é saber quem determina e quem influencia quem. A própria eleição reflete que quem decidiu foi o diretório das potências. Aliás, o posicionamento da França e da Alemanha é significativo. São eles que determinam. Portanto, não foi o Governo português que resolveu propor a candidatura. E depois a votação demonstra claramente que os decisores continuam a ser os que determinam os andamentos da própria UE.

Mas apesar de todos esses condicionamentos, não tem a esperança de que Centeno possa personificar uma tentativa de mudar algo no Eurogrupo a partir do seu interior? Não tem sido essa, também, a estratégia do PCP relativamente à UE em geral? Apesar de serem críticos, mantêm-se representados no seu interior…
Sim, sem dúvida. Mas isto aqui, permita-me a expressão, o diretório de potências não brinca em serviço. Nós temos que partir desta visão sobre quem é que determina a UE. E quem a determina, nós sabemos. As suas grandes orientações vão no sentido de uma política neoliberal, federalista, militarista. E esse discurso, esse edifício que está construído no plano político, económico, financeiro, vai ser determinado pelos mesmos do costume. Eu não estou aqui a fazer nenhum juízo de valor em relação ao ministro das Finanças português, de que vai lá entregar-se nos braços dos alemães. Não digo isso. Mas o que determina, como sabe, é a correlação de forças. E a correlação de forças permitirá, com certeza, uma intervenção do ministro Mário Centeno, mas a questão central que se coloca é sempre a mesma: quem determina?

Teme que Centeno passe a ser uma espécie de “cavalo de Tróia” do Eurogrupo no interior do Governo português, condicionando a sua atuação?
Não, também não levanto essa suspeição. Vamos esperar para ver, mas continuo a pensar que a questão central é o papel que Mário Centeno pode realizar numa estrutura que alguns consideram que pode ter um fim próximo. Para nós, a questão central em relação a esta nomeação é que Portugal não ganha no plano da sua independência e soberania. Aliás, está a ser retomada novamente a ideia da soberania partilhada. Eu às vezes fico surpreendido, como se isto fosse um processo em que nós damos uma fatia à França e à Alemanha, umas fatias dessa soberania, e os alemães e os franceses também nos dão umas fatias da sua soberania. Não é verdade, isto não é verdade. Portanto, sabemos que isto é um pouco o jogo da panela de ferro contra a panela de barro. No quadro desta relação de forças, naturalmente que Portugal não vai conseguir afirmar mais esse princípio fundamental, esse imperativo da soberania nacional.

Por outro lado, Portugal também recebe fundos da UE. E o PCP também reivindica fundos e apoios da UE, como fez logo após as tragédias dos incêndios. De facto, há essa componente negativa da perda de soberania, mas também recebe algo em troca, fundos estruturais e de apoio ao desenvolvimento. Apesar das críticas, o PCP reconhece essa permuta? A questão é se compensa ou não?
Obviamente que o PCP, no plano institucional, designadamente no Parlamento Europeu, teve sempre uma postura crítica, como é sabido, em relação à UE, às suas políticas económicas, sociais e financeiras. Mas isso não é impeditivo de conseguir para o nosso país vantagens, fundos e medidas que contribuam positivamente para Portugal. Esta é uma posição clara que temos. Aliás, neste processo da nova fase da vida política nacional, verificará que nós mantemos uma crítica de fundo em relação a problemas estruturais, aos constrangimentos que atualmente existem, o que não impede de não perder nenhuma oportunidade para que os portugueses, os trabalhadores e o povo tenham uma vida melhor e um país mais desenvolvido e de progresso. Não há aqui nenhuma contradição. É esta a postura do PCP. Não altera a nossa visão mais de fundo em relação à realidade do país e à realidade europeia.

Por que razão é que o PCP é contra a PESCO e contra a NATO? É contra quaisquer alianças ou cooperação ao nível da Segurança e Defesa? Pugna por um isolacionismo estratégico? Ou tornou-se pacifista e considera que as Forças Armadas são desnecessárias?
Em primeiro lugar, quanto à NATO, uma lembrança: a nossa Constituição da República Portuguesa defende o fim dos blocos político-militares. Não é o PCP, é a nossa Constituição que o afirma. Uma NATO que tem vindo a desenvolver a sua face mais belicista e intervencionista. Neste quadro, o envolvimento de Portugal na NATO não é para resolver os problemas da segurança e da paz no nosso país…

Essa é a posição tradicional do PCP. Mas a PESCO não é uma forma de ganhar autonomia em relação à NATO?
Não, não, se ouviu as intervenções no Parlamento, da parte do PS, PSD e CDS, trata-se claramente de um aprofundamento do alinhamento com a NATO, no quadro de um processo de militarização que continua a pairar sobre a UE.

O problema é a PESCO ser uma extensão da NATO?
Inevitavelmente. O mundo está perigoso. Isso exige que os esforços daqueles que defendem a verdadeira paz e a cooperação se façam ouvir num quadro de grandes complexidades e ameaças que existem à escala planetária. E essa medida da PESCO não é uma verdadeira cooperação entre povos e países iguais em direitos, não é uma medida que vise a paz, não só na Europa como no mundo, e portanto é neste quadro, olhando para esta realidade que estamos a viver, que o nosso posicionamento é que todos seremos poucos para defender a paz. E já se coloca não só a defesa da paz, mas também a defesa do próprio planeta, tendo em conta o grau de armamento que existe hoje no mundo e daria para derreter seis ou sete vezes o nosso planeta. Esta é uma causa que, independentemente de divergências que possamos ter, deveria animar particularmente as novas gerações, porque são elas que vão determinar o nosso futuro.

Está preocupado com o diferendo aberto entre a comissão de trabalhadores e a administração da Autoeuropa? Não parece uma repetição do que aconteceu com a fábrica da Opel/General Motors na Azambuja, em 2006?
O exemplo da Opel/General Motors é o oposto do que se afirma: a cedência por parte dos trabalhadores dos seus direitos não impediu a deslocalização da empresa.

Como é que responde às acusações de que o PCP controla a comissão de trabalhadores da Autoeuropa e está a forçar um braço-de-ferro que se correr mal, se não for alcançado um acordo, poderá ter como consequência a deslocalização ou redução da produção da Autoeuropa? Se isso acontecer, o PCP terá alguma responsabilidade?
A situação na Autoeuropa decorre da tentativa de imposição pela administração da retirada de direitos aos trabalhadores, designadamente do direito ao fim-de-semana. É isso, apenas e só isso, que está em causa. Ninguém mais do que os trabalhadores quer ver a empresa crescer e a laborar no respeito pelos seus direitos.

O escândalo gerado em torno da associação Raríssimas surpreendeu-o? O PCP vai avançar com alguma iniciativa no sentido de reforçar a fiscalização da atividade e práticas de gestão nas IPSS que são subsidiadas pelo Estado?
O PCP já afirmou que se impõe um apuramento rigoroso da gestão da associação Raríssimas. O papel importante que o PCP reconhece à atividade de centenas de IPSS não é inseparável da necessária fiscalização, em particular às que recebem apoio do Estado.

O Governo vai formar um grupo de trabalho para avaliar o serviço universal prestado pelos CTT. O PCP apoia essa iniciativa? Defende a necessidade de reverter a privatização dos CTT?
A situação dos CTT, a degradação do serviço postal e a deterioração da empresa, demonstram que é a retoma do controlo público da empresa no seu todo – e não apenas do serviço universal que se traduziria em deixar no privado as partes mais rentáveis – que se impõe para a assegurar o serviço público numa empresa de um setor estratégico.

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