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João Lourenço: o rosto do regime

Candidato do MPLA conhece o aparelho partidário “como ninguém”. Reconhecimento da hierarquia militar dá-lhe margem para ser um elemento unificador na transição. Mas terá peso eleitoral suficiente?
21 Agosto 2017, 10h45

É conhecido pela dedicação ao partido, pelo “espírito de corpo” e sentido de Estado. Tem origens relativamente humildes, mas foi-se ligando à elite de Luanda. É casado com Ana Dias Lourenço e viu os filhos casarem com figuras relevantes do MPLA e das Forças Armadas angolanas.

João Lourenço, o candidato do partido no poder às eleições presidenciais, é um homem do regime.

“É talvez a figura mais consensual, também pela sua longa e destacada militância. O facto de ter também o reconhecimento e o respeito da hierarquia militar dá-lhe condições únicas para ser um elemento unificador do regime, num momento em que este vive a maior ameaça existencial às suas fontes de poder e de rendimento desde o final da guerra civil. José Eduardo dos Santos sabe que ele tem estas condições e por isso o escolheu”.

É desta forma que Paulo Guilherme, editor do Africa Monitor, que presta serviços de análise estratégica sobre países africanos de Língua Oficial Portuguesa (PALOP), define o candidato do MPLA às eleições presidenciais e provável sucessor de José Eduardo dos Santos. “O seu pensamento político é o pensamento do partido. Não é uma figura carismática, mas pela sua antiga militância e relevo dos cargos ocupados no partido, ao nível da coordenação, e no governo, mais recentemente em pastas sensíveis como a Defesa, conhece o aparelho partidário provavelmente como ninguém”.

João Lourenço teve uma ascensão quase ininterrupta dentro do partido desde a independência do país. Até subir a vice-presidente do MPLA em Agosto último, foi comissário político, secretário-geral do partido e ministro da Defesa.

Em 1998, num congresso do MPLA, Lourenço disputa o cargo contra Lopo do Nascimento, que estava na oposição interna ao Presidente. Numa primeira votação, por voto secreto, Lopo ganha. A votação é depois repetida, mas de braço no ar. “Intimidados, muitos dirigentes deram o seu voto a João Lourenço, que acabou por ganhar aquele que ficou conhecido como o ‘congresso da batota’. Serviu como prova de lealdade a José Eduardo dos Santos e, de então em diante, Lourenço funcionou, de forma algo acrítica, como o ‘braço’ de José Eduardo dos Santos no partido”.

Transição suave

O facto de ter passado a funcionar como apoio da presidência no partido não impediu que tivesse sido alvo das técnicas de gestão de poder que mantiveram José Eduardo dos Santos na presidência durante 37 anos. Uma delas é simples: o que o Presidente dá, o Presidente tira. Em 2003, José Eduardo dos Santos tinha dado indicações de que iria retirar-se. Lourenço apareceu em público a defender que a palavra do Presidente tinha de ser cumprida e isso foi o suficiente para o secretário-geral do MPLA ser visto como uma fonte de contestação ao poder do Presidente. Houve consequências. Foi afastado de secretário-geral e a travessia no deserto só foi ultrapassada em 2014, quando foi nomeado ministro da Defesa.

Alex Vines, investigador da Chatham House, um think tank de política internacional, lembra que este episódio fez o ministro da Defesa sair das “graças” de José Eduardo dos Santos pelo menos uma vez. Agora, pode unir o partido e garantir uma transição suave. “É extremamente experiente em política partidária. O apoio das forças armadas também é importante”.

O gene político de João Lourenço tem antecedentes militares. Nascido há 62 anos na cidade do Lobito, conviveu desde novo com a contestação da família ao regime de Salazar. O pai, um enfermeiro do Porto do Lobito nascido em Malange, foi um dos opositores à ditadura portuguesa e a família sofreu na pele essa opção. João teve de fazer os estudos primários e secundários na província do Bié, onde o pai esteve em regime de residência vigiada durante dez anos, depois de ter estado detido três anos na prisão de São Paulo, em Luanda, pela atividade política clandestina.

Depois de completar os estudos no então Instituto Industrial de Luanda, que coincidem com o final da ditadura em Portugal, junta-se à luta de libertação nacional. Participa em combates na fronteira contra a coligação FNLA/Exército Zairense e, a partir do morro do Tchizo em Cabinda, integra o primeiro grupo de combatentes que entraram em território nacional.

É enviado para a União Soviética com uma bolsa de estudo e frequenta a Academia Superior Lénine entre 1978 e 1982. Tem formação militar com os soviéticos e do frio também trouxe um canudo em Ciências Históricas. Esteve envolvido na guerra em diferentes escalões militares, e hoje é general na reserva.

O seu pensamento económico é mais difícil de trilhar. Os estudos na União Soviética incutiram-lhe a doutrina marxista-leninista, mas no final dos anos 90 o MPLA reviu o seu posicionamento e incorporou uma visão mais pró-mercado. O que mudará serão sobretudo procedimentos e não orientações de fundo do regime. “Não se deve esperar demasiado. Primeiro, pouco mudará até às eleições. Caso, como é previsível, o MPLA ganhe, a definição e execução de políticas pelo Executivo deverá ganhar rapidez de resposta e capacidade de antecipação, algo que faltou sobremaneira até 2014”, antecipa Paulo Guilherme.

O ímpeto reformista só poderá ser avaliado quando José Eduardo dos Santos sair de cena definitivamente. “Há uma nova geração no MPLA, muitos deles filhos da elite formados no estrangeiro, que anseia por assumir cargos de governação que muitas vezes estão reservados, por critério de antiguidade, a personalidades de maior renome e com carreiras políticas mais longas. Lourenço terá de gerir esta tensão”, acrescenta o analista.

Artigo publicado na edição digital do Jornal Económico de 18 de agosto. Assine aqui para ter acesso aos nossos conteúdos em primeira mão.

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