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João Moreira Rato admite a possibilidade dos bancos centrais passarem a emitir criptomoedas

O ex-presidente do IGCP introduziu o cenário de os bancos centrais virem a emitir moedas digitais. “Aqui há duas escolhas a fazer. Se a moeda deve ser mantida anónima, ou não, ou se devemos permitir que se pague um juro”, e assim, explica as criptomoedas deixariam de ser apenas um meio de pagamento. E num cenário de crise? Não haverá uma transferência massiva de depósitos para as moedas digitais emitidas pelos bancos centrais?”, questionou João Moreira Rato.
  • Cristina Bernardo
18 Abril 2018, 14h08

Na conferência  sobre “Blockchain, Cryptocurrencies & The New Era of The Digital Economy”, organizada pela AMBA – a Associação de Antigos Alunos de MBA da Universidade Nova de Lisboa (UNL) – que se realizou ontem na Reitoria da Universidade Nova de Lisboa, João Moreira Rato, que foi um dos oradores, falou do impacto das moedas digitais na estabilidade monetária e na intermediação financeira.

“Para que as transações sejam introduzidas no ledger [livro-razão] têm de ser construídos consensos dentro da rede”, disse o economista que se debruçou sobre o tema da formação dos consensos.

“Há múltiplas formas de construir consensos”, disse.

“A formação de consensos tem benefícios e inconveniências”, disse, ao mesmo tempo que explicou que os consensos dependem do número de participantes. “O consenso é construído através da disseminação da informação. Quanto mais participantes mais pessoas têm acesso às transações e às vezes uma pessoa quer privacidade. Assim há aqui um trade-off entre a robustez da construção do consenso (quanto mais participantes mais robusto é o consenso) e a manutenção da informação dentro de um circulo fechado”, disse o ex-presidente do IGCP.

A tecnologia permite e encriptação da base de dados. Há sempre a possibilidade de os participantes estarem protegidos por uma chave privada na blockchain.

“O consenso entre os usuários para alterar as condições do livro de registo é mais fácil quando o número de participantes é mais pequeno”, disse Moreira Rato.

O economista referia-se ao modo como esse consenso é alcançado e de isso afetar a segurança e os parâmetros económicos do protocolo.

Por exemplo, a bitcoin só aceita a emissão de 21 milhões de moedas (ainda não estão todas emitidas), para alargar o número de emissão de moedas é preciso um consenso dentro da rede.

João Moreira Rato explicou que “todas as transações de bitcoins têm de gerar consensos”, e esses consensos, no caso das bitcoins, geram-se através da “Proof of Work”, ou seja da capacidade de mineração de Bitcoin, que é o processo de adicionar registos de transações ao livro-razão público, que armazena transações passadas. Este livro razão é chamado Blockchain pelo fato de ser uma cadeia de blocos de transações/registos.

A “Proof of Work” é o primeiro mecanismo de consenso distribuído, iniciado pelo criador do Bitcoin (com o pseudónimo de Satoshi Nakamoto).  Muitas criptomoedas seguiram o exemplo, incluindo Ethereum.

Na PoW, todos os computadores da rede que são encarregados de manter a segurança da blockchain (conhecidos como mineradores de bitcoin), trabalham para resolver um quebra-cabeça que consiste numa função matemática chamada hash. Os computadores competem para encontrar um hash com propriedades específicas. O computador que encontra a resposta primeiro (que é a prova de que eles fizeram o trabalho necessário) pode adicionar um novo bloco de transações ao blockchain.

João Moreira Rato falou ainda da “entrada livre” na rede, lembrando que estudou na Nova e aprendeu a defender o mercado livre e a múltipla concorrência.

A tecnologia Blockchain proporciona esses princípios, nomeadamente a emissão de “smart contracts”, que se define por ser um contrato digital de execução automática de um pagamento.

Os contratos inteligentes sobre criptografias descentralizadas permitem que partes mutuamente desconfiadas efectuem transações com segurança sem necessidade de recorrer a terceiros.

Isto permite ter formas de medir a qualidade de um produto ou de um serviço. A entrega do pagamento é feita se os critérios de qualidade forem preenchidos. A reputação perde então importância no mercado e isso facilita a entrada livre (free entry).

Daí partiu para o tema da formação de cartéis no mercado, dizendo que depende da verificação de o cartel estar a ser ou não rompido. “O facto dessa informação estar automaticamente disponível para os participantes da rede, torna mais fácil verificar imediatamente se algum dos participantes está  romper com o cartel. Assim facilita a cartelização do mercado”, disse Moreira Rato.

“Há prós e contras que devem ser considerados” na Blockchain.

Com isto João Moreira Rato introduz o cenário de os bancos centrais emitirem moedas digitais. “Aqui há duas escolhas a fazer. Se a moeda deve ser mantida anónima, ou não, ou se devemos permitir que se pague um juro”, e assim, explica as criptomoedas deixariam de ser apenas um meio de pagamento.

O ex-presidente do IGCP, que está a assessorar a Oliver Wyman na criação de uma agência de dívida pública no Kuwait, defende que é possível emitir moedas digitais com uma taxa de juro associada.

João Moreira Rato deu o exemplo dos Certificados de Aforro (de curto prazo) que são de subscrição digital, e têm um juro associado.

“Neste cenário quais seriam as diferentes funções da politica monetária e os diferentes aspectos a considerar? O primeiro, uma criptomoeda emitida por um banco central, usada como meio de pagamento dá algumas vantagens à existência de bitcoins, porque devem ser menos voláteis quando emitidas por um banco central. O segundo aspecto, se for possível emitir criptomoedas digitais que paguem juros passamos a ter um novo instrumento de política monetária. Os bancos centrais no futuro podem usar estas moedas como instrumento de política monetária, competindo com todos os outros instrumentos financeiros de curto prazo”, explicou.

“Um terceiro aspecto a ter em conta, tem a ver com a intermediação. Pois se um banco central decidir emitir agressivamente moedas digitais isso pode tirar os bancos da cadeia de valor, porque passa a emitir moedas digitais diretamente para o público. Nessa altura quando olharmos para o balanço de um banco central, para o lado do ativo, teremos os depósitos dos bancos comerciais no banco central e as moedas digitais em circulação, e quanto maior for esta cadeia menor o papel dos bancos na multiplicação do dinheiro”, isto é, menor a capacidade dos bancos de ampliar a base monetária, referiu João Moreira Rato.

“E num cenário de crise? Não haverá uma transferência massiva de depósitos para as moedas digitais emitidas pelos bancos centrais?”, questionou João Moreira Rato.

Em contraponto aos “contras” do sistema da moeda digital, ao nível do possível controlo dos bancos centrais, Celso Martinho, da Bright Pixel,  lembrou que é a primeira rede de pagamento descentralizada (ponto-a-ponto) onde os usuários é que gerenciam o sistema, sem necessidade de intermediador ou autoridade central.

 

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