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Joe Biden: “A BBC? Eu sou irlandês!”

Foi uma espécie de brincadeira, mas chegou para lançar fortes dúvidas sobre quais serão as relações futuras entre a Casa Branca e o número 10 de Downing Street. Uma solução para a fronteira entre as duas Irlandas é o maior impasse entre Londres e Bruxelas.
27 Novembro 2020, 17h55

Desde o dia 3 de novembro – ou principalmente a partir desse dia de eleições para as presidenciais norte-americanas, que o candidato democrata, Joe Biden, se habituou a ser seguido por um batalhão de jornalistas, sempre ávidos de captarem qualquer coisa que o novo presidente dissesse. O costume, portanto – que na maioria das vezes serve para coisa nenhuma, ou na melhor das hipóteses para alimentar ‘voyeurismos’ dispensáveis e equívocos evitáveis.

Ora, pouco depois desse dia, mais precisamente a 7 de novembro, um repórter da BBC britânica tentava fazer chegar uma declaração qualquer aos ouvidos dos seus espectadores quando, empunhando um microfone, disse qualquer coisa como “É a BBC!”, na tentativa de chamar a atenção de Biden – que, com um sorriso, lhe respondeu: “A BBC? Eu sou irlandês!“

O pequeno diálogo podia ter passado despercebido se não se desse o caso de a imprensa irlandesa ter repetido aquelas imagens até à exaustão – e ter confirmado a existência de um tal Joe Blewitt, primo distante de Biden, encanador de profissão e natural de Ballina, uma grande vila agrícola no condado de Mayo (noroeste da República Irlandesa). O jovial quarentão, contam os jornais irlandeses, fez campanha à sua própria maneira pelo primo, com um grande cartaz colado nas partes laterais de seu veículo utilitário: “Joe Biden para a Casa Branca, Joe Blewitt pela sua casa” – humor irlandês, nesta caso bastante próximo do tradicional humor britânico.

Joe Blewitt deixou-se filmar a abrir uma garrafa de champanhe junto à casa da família, onde se mostrava cercado por outros moradores de Ballina, todos prontos para desenrolar o tapete verde (a cor nacional da ilha) na esperança de uma visita do agora presidente dos Estados Unidos.

Os irlandeses formaram uma das vagas mais importantes de imigrantes para os Estados Unidos ao longo do final do século XIX e inícios do século XX – e há uma mão cheia de personalidades que se destacam de entre os cerca de 35 milhões de irlandeses a viverem nos Estados Unidos. Segundo a imprensa do país, John Fitzgerald Kennedy, Richard Nixon, Jimmy Carter, Ronald Reagan, George Bush, Bill Clinton e até mesmo Barack Obama incorporam essa ancestralidade. Mas o problema é que nenhum deles, que se saiba, proferiu alguma vez uma frase ‘independentista’ como a que Biden deixou cair, como se estivesse particularmente orgulhoso dessa herança.

Biden esteve na Irlanda e em Ballina em 2016 e os jornais do país conseguiram mesmo ‘desencantar’ uma carta onde o atual presidente norte-americano escreveu, citando James Joyce, “quando eu morrer, Dublin ficará gravada em meu coração”.

Biden – que não por acaso é católico romano, como a Irlanda – nasceu em 20 de novembro de 1942 no Hospital St. Mary, em Scranton, Pensilvânia, mas a sua mãe, Catherine Eugenia Biden, era descendente de irlandeses e os avós paternos do presidente eram descendentes de ingleses, franceses e irlandeses.

“Após a eleição de Biden, a Irlanda pode servir de ponte entre Washington e a União Europeia”, disse, citado pelos jornais irlandeses, Bobby McDonagh, diplomata irlandês. E isso foi o bastante para fazer soar as campainhas de alarme junto do governo britânico. É que, como se sabe, a Irlanda e a possibilidade de haver uma fronteira física entre a Irlanda e a Irlanda do Norte (ou o norte da Irlanda, como lhe chamam os irlandeses) é o mais grave e duradouro problema entre Londres e Bruxelas nas negociações do Brexit – aquele que nenhuma das partes conseguiu ainda encontrar forma de resolver, mesmo que, como querem alguns, a fronteira seja colocada no limite das águas territoriais das duas nações.

Eis como uma simples brincadeira pode tornar-se num problema complicado quando há por nas cercanias um microfone indiscreto.

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