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Joe Kennedy III: o velho clã volta a brilhar

Quando se fala de um Kennedy, o pensamento corre invariavelmente para a Casa Branca. Joe é a esperança que se segue da Casa Kennedy.
13 Fevereiro 2018, 09h20

Joseph Patrick Kennedy III. O apelido e a numeração romana dizem tudo, numa sociedade, a americana, sempre carente de uma patine que a primeira revolução do mundo contra uma monarquia (a americana, em 1776, contra a Grã-Bretanha) parecia ter tornado politicamente desnecessária e até mesmo socialmente desinteressante. Joseph – ou Joe, uma propensão dos americanos para os diminutivos que envergonharia qualquer lorde britânico de terceira extração – Kennedy III é a mais recente estrela em ascensão da Casa Kennedy.

E é-o porque “é aquilo que os norte-americanos têm de mais próximo da realeza”, admite o politólogo António Costa Pinto. Que inscreve a ‘saga Kennedy’ no seio da “política do espetáculo, da mediatização”. “O nome diz tudo”.

E o nome quer dizer várias coisas: é um democrata; tem um esteio de interesses económicos difícil de descortinar – entre heranças, start up e projetos pessoais – que se perdem na lonjura possível da história do país; está a salvo de todas as suspeitas presentes ou futuras de utilização da política para qualquer projeto de ascensão pessoal; usa a folha de serviços dos antepassados como se para ela tivesse de algum modo contribuído; e é a reencarnação, mais uma, do mito mais sólido da sociedade norte-americana, fundacional do país-farol que os americanos acham que souberam construir.

Joe Kennedy – assim familiar e comummente tratado pela imprensa – tem uma carreira breve mas auspiciosa, que foi repentinamente carburada por Donald Trump (quem mais?), o homem que por estes dias ocupa a Sala Oval – a mesma que o seu tio-avô, John F. Kennedy, usava como se fosse a sala de estar lá de casa e na qual o seu avô, Bobby Kennedy, nunca chegou a sentar-se porque foi morto a tiro antes de lá chegar.

A participação de Joe – cujas parecenças com o avô são brutais – no agregado de respostas do Partido Democrata ao discurso do estado da Nação proferido por Trump um dia destes (parece que num atropelo de mentiras, de lugares-comuns e de indisposições intelectuais como não há memória, a acreditar em alguns editorialistas caseiros), permitiu-lhe (programadamente, supõe-se) que o mundo o descobrisse. A coisa nem sequer lhe terá corrido particularmente bem: havia piadas mal estudadas, tiradas pouco sustentadas e um irritante brilho como que de saliva acumulada no canto direito do lábio inferior (ou por aí), que destruiu desnecessariamente muitos litros de tinta de impressão.

Seja como for, Joe Kennedy, o terceiro, está na via láctea, na rampa de lançamento, de uma carreira política que, todos o sabem na América, acaba tendencialmente na corrida à Casa Branca – salvo se entretanto lhe suceder uma peripécia, um drama, um acaso, que lhe destrua a carreira, como amiúde tem sucedido a primos, tios, consortes e outros afins – numa espécie de destino comum ao sobrenome, como se inscrito no ADN familiar.

Joe Kennedy nasceu em 4 de outubro de 1980 em Brighton, um bairro de Boston, oito minutos depois do seu irmão gémeo, Matthew. E nasceu no meio da política: os seus pais estavam por esses dias a trabalhar na campanha a candidato democrata às presidenciais do ano seguinte do senador Ted Kennedy (irmão de JFK e de Bobby e tio-avô dos meninos) – que nem sequer chegou a ser designado: Jimmy Carter, então presidente, seria o proposto e acabaria por perder a hipótese de um segundo mandato para Ronald Reagan.

O pai de Kennedy (Joe Kennedy II) foi eleito para o Congresso em 1986 e, por causa disso, acabaria por arruinar o casamento – nada de novo, portanto. Os filhos acabariam por ingressar na Universidade de Stanford, onde Joe se licenciou em Engenharia de Gestão e ganhou a pouco edificante alcunha de milkman (copinho de leite, numa tradução livre).

Depois de se formar em 2003, Kennedy juntou-se ao Peace Corps – uma agência federal norte-americana criada em 1961 pelo presidente JFK, o tio-avô, alegadamente para ajudar os países em desenvolvimento pela prestação de serviços essenciais, mas, segundo os seus detratores, um instrumento quase que de espionagem. Esteve na República Dominicana, uma vez que é fluente em espanhol e – imagine-se como de facto o mundo é coisa não muito grande – foi consultor anti pobreza no gabinete Xanana Gusmão quando o ex-guerrilheiro era presidente da República Democrática de Timor-Leste.

Em 2006, Joe Kennedy inscreveu-se na Harvard Law School, e mesmo antes de terminar o curso trabalharia para o Harvard Legal Aid Bureau, fornecendo assistência jurídica aos inquilinos de baixos rendimentos que haviam perdido as suas casas na sequência da crise do subprime de 2007/08. Também deu uma ‘perninha’ no jornalismo, como editor técnico do Harvard Human Rights Journal, o que lhe deu grande jeito: não pelo jornalismo, que pouco vale, mas porque foi na redação do jornal que conheceu uma jovem chamada Lauren Anne Birchfield, com quem acabaria por casar.

Acabou o curso em 2009 e depois de uma curta carreira no Ministério Público, considerou, dois anos depois, que o chamamento da política era coisa para levar a sério. Tudo começou em 2012: primeiro, afugentou todos os restantes candidatos democratas ao lugar que pretendia ocupar no Congresso, pelo Estado de Massachusetts – poucos foram suficientemente louco para concorrer contra um Kennedy; e depois ganhou o lugar com enorme facilidade ao republicano Sean Bielat, apesar de este ter esgrimido que o seu oponente nada mais tinha como mais-valia senão o nome. Mas chegava: Joe conseguiu angariar para a sua campanha quatro milhões de dólares, que comparavam com os 900 mil dólares arrecadados por Bielat, o que fez toda a diferença.

A partir daí, foi sempre reeleito por maiorias que se aproximaram paulatinamente da humilhação (do adversário, bem entendido), o que o transformou num candidato natural ao lugar de governador do Massachusetts. As eleições são em novembro deste ano e Joe disse que… não!

Face a esta inesperada indisponibilidade, os seus detratores vieram declarar que Kennedy teria medo de expor a sua incapacidade para o cargo, colocando em risco a própria carreira política. Os que lhe são próximos dizem mais ou menos a mesma coisa, mas por outras palavras: Kennedy precisa de ganhar consistência antes de se aventurar em voos mais tormentosos, sendo isso sinal de sensatez e não de medo.

Seja como for, e logo desde a sua primeira eleição, em 2012, Joe Kennedy forneceu aos americanos o primeiro esboço do que poderá vir a ser o pano de fundo da sua carreira política: “Acredito que este país foi fundado em uma ideia simples: que cada pessoa merece ser tratada de maneira justa, por cada um e pelo seu governo. Apoio a criação de trabalho, um melhor sistema educacional, um código tributário justo e uma política de habitação condigna”.

Aos 37 anos de idade, Joe ‘milkman’ Kennedy the third tem todas as portas do mundo à sua frente, mesmo a da Casa Branca. Mas, como salienta António Costa Pinto, “é impossível, para já, sabermos onde este novo Kennedy poderá chegar”. “Mas o potencial está lá”.

Único sobressalto: Joe ainda tem de ultrapassar a memória do Kennedy que antes dele sustentou toda a esperança do clã – o primo John-John (filho de JFK e de Jacqueline Kennedy, entretanto Onassis), tragicamente desaparecido em julho de 1999, e que, dizia-se, haveria de chegar longe. Não chegou. Talvez Joe o faça.

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