[weglot_switcher]

Jorge Vasconcelos: regulador foi alvo de “ataques orquestrados” por causa de parecer contra os CMEC

Em audição na comissão de inquérito às rendas da energia, Jorge Vasconcelos, que foi presidente do Conselho de Administração da ERSE durante dez anos, entre 1996 e 2006, disse que “várias vezes, aqui [no parlamento] e em várias conferências” alertou para “os impactos negativos e amplamente previsíveis” da substituição dos CAE (Custos de Aquisição de Energia) pelos CMEC (Custos de Manutenção do Equilíbrio Contratual).
11 Julho 2018, 16h30

O antigo presidente da Entidade Reguladora dos Serviços Energéticos (ERSE) Jorge Vasconcelos afirmou hoje no parlamento que o regulador foi alvo de “ataques orquestrados” por causa do parecer ao decreto-lei que criou, em 2004, os contratos designados CMEC.

Em audição na comissão de inquérito às rendas da energia, Jorge Vasconcelos, que foi presidente do Conselho de Administração da ERSE durante dez anos, entre 1996 e 2006, disse que “várias vezes, aqui [no parlamento] e em várias conferências” alertou para “os impactos negativos e amplamente previsíveis” da substituição dos CAE (Custos de Aquisição de Energia) pelos CMEC (Custos de Manutenção do Equilíbrio Contratual).

“Basta ler a imprensa da época para ver os ataques orquestrados à ERSE por causa deste parecer”, declarou o antigo presidente da do regulador da energia, na sua intervenção inicial.

Enquanto presidente da ERSE, Jorge Vasconcelos acompanhou o processo de cessação dos CAE e a criação de medidas compensatórias, os CMEC, tendo considerado que o projeto de decreto-lei suscita “numerosos problemas que devem ser cuidadosamente ponderados”.

Num parecer enviado ao parlamento, a que a Lusa teve acesso, o regulador alertava para que o mecanismo dos CMEC iria distorcer “a concorrência no mercado grossista de energia elétrica com consequências negativas ao nível dos preços e da segurança de abastecimento”, e aumentar “a receita dos produtores vinculados e da entidade concessionária da RNT [rede nacional de transporte] face à situação atualmente existente (CAE) à custa dos consumidores”.

“O sobrecusto a suportar pelos consumidores será, no mínimo, de 7,5%, podendo ser substancialmente superior, em função de decisões discricionárias que serão tomadas posteriormente à entrada em vigor do decreto-lei”, realçou a ERSE.

O regulador adiantava ainda que, “relativamente à situação atualmente configurada nos CAE, promove a descida do preço médio das tarifas a clientes finais a pagar pelos consumidores atualmente abastecidos pelo SEP [sistema elétrico de serviço público], até 2010, e o aumento, de 2011 até 2027, através de uma simples solução de engenharia financeira”.

“Apesar de proporcionar à maioria dos clientes atualmente abastecidos pelo SEP uma descida tarifária no curto prazo – à custa de aumentos posteriores – provoca variações de grande amplitude da fatura de energia elétrica de um grande número de clientes. Apenas dois exemplos: 10% dos clientes de MAT e AT [média e alta tensão e alta tensão] terão aumentos superiores a 35%; os clientes domésticos de menores consumos terão aumentos de dois dígitos”, segundo o mesmo parecer.

Um ano depois, na avaliação à aplicação do decreto-lei 240/2004, que criou os CMEC, a ERSE repete os alertas sobre o regime que vai abranger apenas a EDP, tendo-se mantido dois CAE – Turbogás e Tejo Energia –, que são geridos pela REN Trading.

São atualmente abrangidos pelo regime dos CMEC 16 centrais hídricas da EDP, cujos contratos terminarão faseadamente até 2027 (Alto Lindoso, Touvedo, Venda Nova, Vilarinho das Furnas, Pocinho, Valeira, Vilar-Tabuaço, Régua, Carrapatelo, Torrão, Crestuma-Lever, Caldeirão, Aguieira, Raiva, Pracana, Fratel).

Jorge Vasconcelos revelou ainda que o Governo de António Guterres (Joaquim Pina Moura era o ministro da Economia), em 1998, tentou que a ERSE aprovasse a celebração de um novo contrato de aquisição de energia (CAE) para a central a gás do Ribatejo, da EDP, por ajuste directo entre a REN e a EDP, ou seja, sem concurso público. E consigo à frente do regulador foi chumbada essa intenção e a central veio depois a ser construída pela EDP no sistema não vinculado, ou seja, sem os preços garantidos de que beneficiam as centrais que têm CMEC ou mantiveram contratos anteriores.

O governo da altura, baseado num diploma de 1995, pretendia que a ERSE desse o aval a um novo contrato de preços garantidos pela “verificação de um estado de necessidade dessa central para assegurar a continuidade do abastecimento de energia eléctrica. Apesar das fortes pressões políticas, a ERSE não reconheceu a existência de um estado de necessidade e a central acabou por ser construída pela EDP, no sistema eléctrico não vinculado”, em mercado aberto, explicou aos deputados.

“Se a ERSE tivesse cedido à pressão política, hoje a família dos CMEC contaria com mais um membro”, disse, o ex-presidente da entidade reguladora.

Em 2006, Jorge Vasconcelos demitiu-se e foi substituído na presidência da ERSE por Vítor Santos, que irá ao parlamento na próxima semana.

Copyright © Jornal Económico. Todos os direitos reservados.