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José Cid: “Eu quero é que as pessoas sonhem e imaginem”

“Clube dos Corações Solitários do Capitão Cid” é o novo álbum do músico, de 75 anos. Em entrevista ao Jornal Económico, José Cid falou sobre aspetos de cinco décadas de carreira e sobre o futuro, que tem mais um álbum e uma participação no Festival da Canção da RTP de 2018. “Não quero ganhá-lo”, diz.
20 Janeiro 2018, 11h45

“Clube dos Corações Solitários do Capitão Cid” é o novo trabalho de José Cid, que, aos 75 anos, lança um disco em que garante “várias sonoridades”, remasterizado nos famosos estúdios de Abbey Road. Com 16 temas – apenas 13 em vinil -, Cid evoca Natália Correia e Gabriela Mistral, faz um dueto com Tozé Brito, apresenta Chico Buarque ao fado e uma nova versão do tema “Ode to the Beatles”, do Quarteto 1111, um tributo à banda de Liverpool, cujo álbum “Sgt. Pepper’s Lonely Hearts Club Band” (1967) inspirou a capa do novo álbum.

Em entrevista ao Jornal Económico, José Cid revelou ter já um novo disco preparado, para o final deste ano. Falou sobre o percurso de cinco décadas na música, a participação no Festival da Canção da RTP e, naturalmente, deste novo álbum. “Este é um álbum, que aos 75 anos me dá uma alegria em ter escrito, porque é um álbum de verdade, de canções e de inspiração pura”, confidenciou o músico, natural da Chamusca.

“Clube dos Corações Solitários do Capitão Cid” é editado pela Acid Records, em CD e vinil.

Que mensagem pretende transmitir com o novo álbum, “Clube dos Corações Solitários do Capitão Cid”?

Mensagem nenhuma, primeiro. Se pudesse definir este álbum chamava-lhe um arco-íris. É um álbum muito diversificado e, além disso, eu tive o cuidado de o gravar com músicos diferentes e em estúdios diferentes. O álbum sugere sonoridades diferentes, que os próprios músicos dão uma grife à sua performance. Há pop, há baladas, há versões, música de verão, mas é basicamente um álbum de baladas.

Acaba por ser um álbum mais eclético, então.

Tem várias sonoridades. É um álbum que tem muito [som] analógico, porque eu continuo a gravar praticamente em analógico, mas este ano aderi a estúdios ‘mais digitais’, mais consensuais. Depois estive em Abbey Road e a remasterização é extraordinária.
Há músicas em “Clube dos Corações Solitários do Capitão Cid” com nomes que lembram Quarteto 1111, João Gilberto, Astor Piazzolla, Chico Buarque. Trata-se de uma homenagem?

O “João Gilberto e Astor Piazolla” é um tema assinado por mim e pelo Tozé Brito e conta um bocadinho a história de nós os dois, de quando o trouxe do Porto para Lisboa e disse-lhe: “Agora vais escrever e compor em português”. De resto, logo das primeiras coisas que fizemos até acabam por ser editadas [em 2017] pelo Jay-z no 4:44 [“Todo o Mundo e Ninguém”].

Depois juntávamos-nos, às vezes eu não tinha o piano, porque era difícil de transportar, mas levava o meu acordeão, ele tinha a viola e compúnhamos assim. De repente comecei a lembrar-me que 50 anos depois ele podia ser o João Gilberto e eu poderia ser o Astor Piazzolla e escrevemos essa canção, que não poderia deixar ser o Tozé a cantar comigo.

Quando eu falo no Chico Buarque, é um poeta meu amigo, que é jornalista, o António Tavares Teles, que me manda um poema, entre vários, e eu fiquei apaixonado. Em cinco minutos escrevi a canção [‘Se Chico Buarque me Cantasse um Fado’]. É uma canção que tem muita ligação com o Brasil e depois pus uma guitarra portuguesa para dar a ideia de ácido, que é a parte rítmica.

E há outra canção [O Charme de Marilyn] com o charme de Marilyn [Monroe], que foi a minha paixão aos 12 anos e de todos os homens de 60 anos… toda a gente se apaixonou por Marilyn.

E também há a música dos Capitão Fausto, que no primeiro álbum deles escreveram uma canção que se chamava ‘Zecid’. E o que é que eu fiz? Agradeci-lhes com uma canção, “A Banda do Capitão Fausto”. É uma música baseada na música deles, depois a parte poética já é minha. É uma cena mais roqueira.

Há também “Saudades do Botequim”, que é dedicado à Natália Correia. O que é que a poetisa significou para si?

Eu sou cantor de originais que nem sequer estão na coletânea dela, como “A História verdadeira de Natal”. Eu era amicíssimo da Natália. A Natália, que tinha uma grande admiração por mim, conversava comigo e eu, por vezes, até tinha dificuldade em compreender a verve dela, porque era uma mulher ironicíssima.

Se vir o vídeo “Saudades do Botequim”, está a Natália a recitar extratos da poesia dela, na parte final. A recitar com uma eloquência, com uma dicção, com uma grandiosidade incrível, com uma supremacia intelectual que ela tinha, extraordinária.

A Natália, foi uma pessoa que me marcou e pensei: “Vou ter que fazer uma música sobre o botequim onde eu ia com ela”.

A capa do disco parece ser inspirada no álbum “Sgt. Pepper’s Lonely Hearts Club Band”. Inspirou-se nos Beatles?

Algumas ideias, sim, mas não à imagem dos Beatles. Eu gostei foi do sentido de humor do primeiro-ministro que disse “adorava estar na capa”; do sentido de humor do Presidente da República ao dizer “esteja à vontade, vou gostar”; o D. Duarte [Pio] também lá está e disse-me assim: “Mas corações solitários porquê, se agora tem a Gabriela [mulher de José Cid]” – ele é amicíssimo da minha mulher. E eu disse: “Este álbum tem o sonho de qualquer artista. Isto não é obrigatório, não é taxativo, mas eu não vou cantar pelo real. Eu quero é que as pessoas sonhem e imaginem”.

O álbum tem essa parte gráfica engraçada e, depois, tem uma parte fotográfica lá dentro muito bonita.

A ideia de editar este álbum também em vinil partiu de si?

O vinil tem sempre aquele charme, aquele som mais quente, mais redondo, menos agressivo. Há dois já tinha editado o “Live in Lisbon”, que é o “10.000 Anos depois entre Vénus e Marte” [de 1978], mas ao vivo no Coliseu [dos Recreios, em Lisboa]. Está brutal.

Mas eu cometi o erro de lançar o álbum [“Live in Lisbon”] antes do DVD e isso prejudicou-me muito. Aquele álbum é um DVD. Basicamente, é um álbum para se ver em DVD.

Nem eu acreditei que conseguiria fazê-lo, mas fui. Somos nós a tocar o álbum  já com novas tecnologias, para dar ao álbum o prestígio que “10.000 anos depois entre Vénus e Marte” tem no planeta inteiro. A critica inglesa nomeia o álbum como um dos melhores álbuns do mundo [no género] e ainda não viram isto.

O técnico que o masterizou em Abbey Road, o Simon Gibson, ligou para o estúdio e disse “isto é uma obra de arte”. E é. É uma coisa que ultrapassa a minha própria pessoa. O rock sinfónico é isso, as pessoas ultrapassarem-se na inspiração.

Eu comecei a semana passada a gravar o meu último álbum de rock sinfónico, que se chama “Vozes do além”. De todos os álbuns de rock sinfónico, esse é o melhor, porque tem uma poesia melódica, da Sophia de Mello Breyner, Natália Correia… É um álbum poeticamente – poderei quase dizer – sublime.

E quando vai ficar pronto?

Até ao final deste ano.

E chega às lojas em 2019?

O vinil, sim. O CD, não sei. Há algumas faixas que eu já ando a cantar ao vivo. No concerto do “10.000 anos depois entre Vénus e Marte”, como aquilo só tem 45 minutos, estou a cantar algumas do “Vozes do Além” e também estou a tocar algumas faixas de “Vida (Sons do Quotidiano)” e de “Onde, Quando, Como, Porquê, Cantamos Pessoas Vivas”, que são os meus três álbuns de rock Sinfónico.

O José Cid já tem 75 anos e uma carreira notável. O que é que o público pode esperar mais de si, além do próximo álbum “Vozes do Além”?

Eu estou a gerir a minha decadência. Não canto, nem quero cantar, como cantava nos anos 1970 e 1980. Quero cantar de outra forma, que é o que está a acontecer neste álbum, o “Clube dos Corações Solitários do Capitão Cid”.

Eu estou cheio de voz e aguento duas horas ao vivo a abrir –  e se não canto em Lá, canto em Sol. Enquanto tiver voz e a saúde me ajudar, vou continuar. O meu projeto de vida é escrever canções e cantá-las.

Sinto-me jovem por dentro, de tal maneira que vou cantar ao festival da canção – veja bem – com o tema “O Som da Guitarra é a Alma de um Povo”. Adoro a canção. Até posso ficar em último, mas eu adoro a canção.

Qual é a sua expectativa para o Festival da Canção da RTP, vai competir para ganhar?

Não quero ganhá-lo. Quero é participar com uma grande canção, porque já participei com grandes canções e não ganhei. Já estou habituado, é como o burro do alentejano. Eu tenho sete segundos lugares, com grandes canções que ficaram na história da música portuguesa: “O dia em que o Rei fez anos”; “Cai neve em Nova Iorque”, por exemplo. E eu não fiquei nada preocupado, as canções  tornaram-se conhecidas mais tarde.

E para esta canção, “O som da guitarra é a alma de um povo”, eu não faço expectativas. É um grande poema, que fala de nós e a minha aposta é uma canção, profundamente, portuguesa, numa Eurovisão que é em Portugal.

É um poema daquilo que nós fomos antes, o que somos agora e que essa tradição, que nós arrastamos, também pode ser o futuro. E tenho a certeza que esta canção vai ficar na memória dos portugueses para sempre. É uma canção muito portuguesa, em que a guitarra portuguesa é a alma do povo.

 

 

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