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Jovens angolanos entre a esperança e o ceticismo

País está dividido entre quem acredita em mudanças efetivas e quem antevê que o novo presidente seja um “fantoche” dos militares e de José Eduardo dos Santos. Muitos cidadãos ainda não decidiram se vão votar.
  • Herculano Coroado Bumba/Reuters
21 Agosto 2017, 14h00

Com Angola em vésperas de eleições, há uma geração que se divide entre o desejo de acreditar na mudança e a perda da fé na votação da próxima quarta-feira. José Eduardo dos Santos abandona a liderança do país num processo que “é natural nas democracias e deixou de ser natural em Angola, o que gera muitas discussões sobre que regime político vigora por aqui”, diz Neusa, uma jovem angolana de 27 anos, ao Jornal Económico.

“Vivemos uma ditadura disfarçada de democracia”, critica Amarildo Miranda da Conceição, estudante de 22 anos, num retrato de uma juventude que caminha para a polarização. Ainda que não queira perder a esperança numa “transição”, porque a população têm-se “esclarecido com o passar dos anos sobre a real situação do país e o que é realmente uma democracia”, o discurso vai deixando escapar descontentamento com uma elite política “imutável”.
A posição mais crítica contra o regime é contrabalançada por Gelson Salvador. O arquiteto de 33 anos conta que não é “apologista do atual quadro”, porque acredita que “a diversidade de opiniões gera desenvolvimento”, mas espera “equilíbrio” no cenário pós-eleitoral. “Primeiro vai mudar o estado de espírito das pessoas”. A razão? “O simples facto de haver alternância na figura representativa do poder dará uma sensação de mudança e esperança na alteração do quadro das condições sociais”, diz.

Mudança ou continuidade?

Se a sensação de mudança existe para o jovem arquiteto, para Amarildo Miranda da Conceição a saída de José Eduardo dos Santos da liderança do país, ao fim de 38 anos, não trará “nenhuma” mudança. “Continuará como presidente do partido, beneficiará das mesmas prerrogativas, lançou dois decretos-lei, inconstitucionais, onde o futuro presidente não poderá exonerar presidentes, diretores das grandes empresas públicas, e um segundo decreto onde o futuro PR não poderá mexer nas Forças Armadas”, argumenta. “O futuro Presidente será um fantoche nas mãos dos generais e do Presidente emérito”, antevê.

Mas há quem queira acreditar que a alteração de poder em Angola será real. “Há a possibilidade de esta mudança ser apenas formal. Porém, há mudanças que serão reais e sentidas imediatamente. José Eduardo dos Santos desperta diferentes tipos de sentimentos, entre os quais a veneração ou um sentimento de paternidade e excessivo respeito”, diz Kasea Chimuco, advogado de 28 anos.

Parte desta veneração, salienta, resulta da liderança do governo de unidade e reconciliação nacional ter “viabilizado as negociações para a paz”.

Vencedor antecipado

“É sabido quem vai vencer, e não estou a insinuar adulteração de votos, atenção. Acredito mesmo que as pessoas vão votar no MPLA. Aliás, se alguém aterrar em Luanda hoje facilmente acredita que o MPLA já venceu, tal é a forma como as bandeiras do partido estão espalhadas pela cidade e um pouco por todo o país”, antecipa Neusa Tandela.

A angolana que trabalha em marketing sintetiza a opinião partilhada pela maioria dos jovens ouvidos pelo Jornal Económico.

No entanto, Sérgio Dundão, professor universitário de Ciência Política em Luanda, tem um prognóstico mais reservado. “Não creio que a eleição de João Lourenço seja um dado adquirido” , frisa, embora reconheça que, tendo em conta o sistema eleitoral angolano, o presidente precisa apenas de uma maioria simples, o que torna a vitória do candidato do MPLA “mais fácil”.

Para Kasesa Chamuco, a única vitória garantida seria a de José Eduardo dos Santos. Entre os candidatos, sugere iguais probabilidades entre João Lourenço (MPLA), Abel Chivukuvuku (CASA-CE) e Isaías Samakuva (UNITA). “O descontentamento quase generalizado é antigo, mas ganha novas proporções e não permite que se afirme estar garantida a vitória de qualquer um deles”.

Mas, mais do que o resultado final, há quem duvide da eficácia do processo eleitoral. “Será fraudulento, pela falta de transparência, falta de igualdade entre partidos na visibilidade televisiva, radiofónica, entre outros, e pelas assembleias de voto fantasmas mas que apresentaram resultados”, realça Amarildo Miranda da Conceição, apontando ainda o “nítido favoritismo” da Comissão Nacional Eleitoral pelo partido no poder e as complicações que este organismo tem causado para dificultar a vida dos eleitores, “colocando as assembleias de voto, municipais e distritais, fora das localidades”.

No entanto, o estudante não desiste de ir às urnas: “É uma das decisões mais importantes do país e é a maior forma de participação ativa do povo para o futuro da nação”. Kasesa Chimuco partilha da vontade de Amarildo em colocar ‘uma cruz’ no boletim de voto: “Irei votar não por ser um dever, mas por ser um direito e ter vontade de o exercer”.

Neusa Tandela tem o mesmo entendimento: “Tenho de pensar para a frente, saber o que quero daqui a dez anos – e estou a dar uma janela temporal confortável. Não quero preocupar-me com a necessidade de ser evacuada para outro país se adoecer gravemente; não quero preocupar-me com a mensalidade da escola dos meus filhos porque o sistema de ensino já não apresentará as debilidades de hoje”, explica a jovem.

“Daqui a dez anos não quero precisar de conhecer alguém nos Serviços de Identificação para conseguir tratar do meu B.I., não quero encontrar todas as dificuldades burocráticas e de financiamento que os jovens encontram hoje para poderem comprar uma casa, por exemplo”. É isto que a faz ir votar: a certeza que está a contribuir para o caminho que Angola vai trilhar no futuro.

Outros jovens, porém, mostram-se reticentes em participar nas eleições. Leandro de Sousa, engenheiro de 34 anos, ainda não decidiu. “Não me revejo na política de nenhum dos partidos que estão a concorrer neste ato, e nenhum deles me representa”.

Artigo publicado na edição digital do Jornal Económico de 18 de agosto. Assine aqui para ter acesso aos nossos conteúdos em primeira mão.

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