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Ken Singer: “Criar uma empresa é um ato de rebelião”

Ken Singer, ‘managing director’ do Sutardja Center for Entrepreneurship&Technology, UC Berkeley transformou-se num empreendedor de sucesso e é consultor de várias startup, na Europa e EUA. Está em Portugal a ajudar os estudantes que participam no European Innovation Academy e diz, em entrevista, que o mais importante num negócio é saber escolher a equipa.
  • Foto: Vítor Machado
24 Julho 2018, 07h20

Já foi um CEO desastroso. Hoje, define-se como um CEO decente. Já crashou uma empresa na altura da euforia das dotcom, tendo perdido um montante avultado do capital de risco investido. Hoje, orgulha-se de ser consultor de várias startup, na Europa e Estados Unidos.

Ken Singer, managing director do Sutardja Center for Entrepreneurship&Technology, UC Berkeley transformou-se num empreendedor de sucesso. É também um veterano do setor das telecomunicações.

Veio a Portugal ajudar os estudantes que estão a participar no programa da European Innovation Academy, a decorrer no Centro de Congressos do Estoril, durante as próximas três semanas, a saberem escolher a melhor equipa para criar uma empresa. Parece que este é o verdadeiro calcanhar de Aquiles de todos os negócios.

Mas Ken Singer, também mentor e professor, começa por dar, a seco, um murro no estômago da atenta audiência, afirmando, convicto: “Muitos estudantes não terão emprego quando terminarem a faculdade. Sabem aquele trabalho com que sempre sonharam? Já não existe. A saída profissional passará por criar a própria empresa”. Uma forma de os alertar para aproveitarem esta oportunidade de ganharem as competências e as ferramentas antes de ingressarem na selva do mercado de trabalho. É isso que esta experiência propõe aos alunos. As equipas tentarão acelerar as suas ideias empreendedoras e testarão como é criar uma empresa, partindo do zero. De uma simples ideia. Quem sabe se deste encontro não nascerá o próximo unicórnio europeu.

Acredita que o emprego com que muitos estudantes sonham pode mesmo não existir quando terminarem o curso.

É a dura realidade. Os computadores são mais rápidos e erram menos. Muitos estudantes que ambicionavam ir trabalhar para Wall Street, já não têm lugar. Foram substituídos por máquinas. Só sobreviverá quem estiver preparado para esta nova realidade. Temos o dever de dar aos estudantes as competências e as ferramentas necessárias para criarem as suas próprias oportunidades e não ficarem apenas a lutar pelos poucos lugares que as empresas oferecem.

Mas ainda há um futuro para a empregabilidade destes jovens?

Digo sempre aos meus alunos: Quando terminarem o curso, não fiquem à espera de um lugar numa empresa. Em Hong Kong, muitos estudantes querem ser bancários mas já não existem vagas nesse setor. As pessoas vivem cada vez mais tempo, trabalham mais anos, as cadeiras estão ocupadas. Os estudantes têm de preparar-se para criar o seu próprio emprego. Esta experiência na European Innovation Academy vai mostrar-lhes que é possível. Se quiserem, conseguem. Não há mais desculpas. Agora, depende deles. O futuro está nas suas mãos!

Esta experiência de três semanas funciona como uma espécie de campo de treino para desenvolver essas capacidades?

Este evento ensina como fundar a própria empresa. E, criar um negócio, é um ato de rebelião. É uma forma de mudar o mundo, de alterar como este funciona. Os americanos aqui presentes entendem muito bem esta premissa. Fazem-no desde os 12 anos (risos). Mas este ato de rebelião é a chave. Basta pensar que quando queremos criar algo de novo, é porque pensamos que vamos fazer melhor.

Mas uma rebelião cria agitação, guerra…

Verdade. Muitas empresas veem o nascimento de uma StartUp como uma ameaça. Veja-se o exemplo da Yahoo que tentou comprar a Google. Na altura, achou um milhão de dólares, muito dinheiro. Dez anos depois, tornou a recusar a compra com o mesmo argumento. Onde está a Yahoo agora? É parte, de uma parte, de uma parte de uma empresa. Já a Google… É talvez três vezes maior do que era a Yahoo na altura em que esta nasceu.

 Ser empreendedor é estar preparado para enfrentar uma grande jornada.

Não é caminhar seguro numa estrada de asfalto, não. Neste caso, o mais sensato é admitir que criar um negócio é aventurar-se numa selva, levando uma espécie de machado para conseguir sobreviver. O empreendedor tem de formar a equipa, ter uma ideia, desenvolver as áreas de tecnológia, marketing, gestão de conflitos, recursos humanos – contratar e despedir – jurídica, de angariação de capital, vendas… Enfim, é uma grande jornada. E o problema é que o caminho dos empreendedores é em zigue zague. Avança-se, recua-se. Avança-se e recua-se. Por isso, é muito importante a equipa aprender a lutar em conjunto.

Por falar em equipa. Montar uma equipa vencedora é como arranjar um parceiro para a vida?

(risos). É verdade. Quando começamos a namorar, entramos numa espécie de lua-de-mel. Aquela pessoa, é perfeita mas depois, um dia chega tarde ou não aparece, no outro não lava a loiça e começamos a pensar que se calhar escolhemos a pessoa errada.

Nos negócios sucede o mesmo.

Exato. Por isso, o processo de selecionar um parceiro é uma arte. Os estudantes muitas vezes pensam que quem escolhem para a sua equipa tem as competências de que precisam, mas na realidade nunca lhe perguntam a priori se as têm. Assim, como acreditam logo na primeira impressão. Algo que nunca deverá acontecer. Neste evento, tentamos que os estudantes vão mais fundo. Na realidade, queremos que aprendam a ver como é que essas pessoas reagem numa situação de conflito. De luta.

Como assim?

Numa relação as discussões são o barómetro que indicam o tempo que esse enlace poderá durar. Além de que as relações mais persistentes são as que aprendem a lutar em conjunto. Aceitar a luta como algo natural na organização, mantendo o respeito, é também uma característica muito importante. Aqui, as equipas, deveriam discutir pelo menos uma vez por dia (risos).

Discutia muito quando criou o seu negócio?

Ainda sou solteiro (risos), talvez até nem seja a melhor pessoa para estar a falar sobre este tema mas na realidade os empreendedores verão que 90% do seu tempo será lidar com as questões da sua equipa. Por isso, tentamos que tenham conflitos nesta fase para ver como é que os resolvem. E alguns estudantes apercebem-se de que são péssimos a lutar e que têm de aprender a lidar com isso.

 Estão aqui vários estudantes americanos. Neste tema estão como peixe na água?

Sem dúvida. Nunca desistem de lutar por uma ideia. Muitas vezes não sabem mesmo quando devem parar de argumentar. Temos de os ensinar como ser bons cidadãos globais. Já os europeus são diferentes, por exemplo os portugueses são muito educados, falam diferentes línguas, colaboram imenso mas muitas vezes precisam de encorajamento para serem mais assertivos em grupo.

O Ken escolheu outra pessoa para gerir o seu negócio?

Verdade. Temos de saber o que gostamos de fazer e de ter a capacidade de desempenhar vários papéis mas é também importante ter a honestidade em escolher alguém que possa ser melhor do que nós numa determinada área. O mais importante é o sucesso do negócio.

Um dos seus papéis mais marcantes é ser um sonhador?

Sim, sou um sonhador mas na realidade para se ser empreendedor tem de se ser um sonhador. Aliás, este é um dos papéis a desempenhar. Mas aquilo que tentamos ensinar aos alunos é que estes terão de executar muitos outros papéis além deste. Como por exemplo, têm também de fazer acontecer.

Nesses vários papéis, mencionou o sonhador, o comunicador, o Ninja, o Macgyver, o detetive, a ama…

(risos). São apenas papéis que os empreendedores devem desempenhar. Às vezes é preciso ter na equipa um Ballon Popper, ou seja alguém que rebenta com uma ideia, acabando por poupar milhões de dólares. Ou um Ninja que faz com que as coisas funcionem. Mas também há o Ninja incendiário que cria o próprio foco do problema e depois o combate. Esses são sempre os heróis da história e na área da tecnologia há vários (risos). Mas a ama é, sem dúvida, aquela que fará a empresa funcionar ou não. Uma vez que diz o que cada um tem de fazer. Sempre.

Antes de ter criado uma empresa de sucesso, falhou um negócio?

A minha primeira empresa foi um desastre. Crashou. Foi no tempo do dotcom crash mas aprendi imenso. Aprendi com os erros. Foi um bocado como a Croácia agora no mundial. Meti os golos na minha própria baliza. Mas rapidamente percebi como evitar que isso acontecesse novamente. Aprendi a ter mais confiança e a saber quais os riscos certos que deveria tomar. Sempre cometeremos erros, a diferença é saber quais os que valem a pena correr.

 Os empreendedores podem seguir vários modelos para montar uma empresa. Podem começar com a equipa já selecionada, podem partir de um research realizado numa universidade, entre outros. Qual o caminho que terá mais sucesso?

O da equipa já montada e que venham de um projeto juntos. Já sabem trabalhar em equipa. Já sabem qual o papel de cada um e de como lutar em conjunto e até já têm listas de contactos.

Mas isso é sair de uma empresa e ir montar outra concorrente. É como que “roubar” uma ideia?

Verdade. Mas existem muitos exemplos e a realidade é que é um processo viável e, sem dúvida o que mais sucesso tem.

Já utilizou esse modelo?

Não, como estou envolvido com as universidades conheço tantos alunos com quem estou habituado a trabalhar que consigo recrutar as minhas equipas. Não preciso de o fazer.

Deste evento poderá nascer o próximo unicórnio europeu?

Poderá levar tempo mas já vi acontecer. A única coisa que penso que é muito importante é que estes estudantes estejam preparados para lidar com a próxima geração. E para que isso suceda precisarão destas competências de empreendedorismo.

Nota: A jornalista participou no evento a convite do Santander

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