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Legal ou ilegal? 10 questões para entender o alojamento local

O alojamento local está no meio de um turbilhão. Depois de um crescimento abrupto, chegam as desavenças entre os que defendem uma regulação mais apertada, e os que defendem maior liberalização. Deixamos-lhe 10 questões legais, para se esclarecer, e para entender a polémica. Com o advogado Jacinto Gameiro.
9 Junho 2017, 15h42

1. O alojamento local sempre existiu na lei?

O conceito de hospedagem não é de hoje. Posso, por exemplo, citar um artigo da revista “O Advogado”, de 21 de maio de 2002, estamos a falar de um artigo que tem 15 anos e, o que se dizia era que, “nas grandes cidades e também nas vilas da província, onde é difícil encontrar uma pensão ou hotel com preços moderados, muitas pessoas contratam com outras o fornecimento de um quarto para dormir, associado à alimentação, limpeza do quarto e roupa lavada mediante certa retribuição”. Isto é o conceito de hospedagem que já estava previsto no Código de Seabra no artigo 1419º e que era o contrato de albergaria ou pousada. Este fenómeno do alojamento local não é nada que tenha aparecido agora de repente nos últimos dois ou três anos, é um fenómeno muito antigo.

2. O que diz a legislação atual?

No alojamento local o que a lei diz é muito simples, é uma prestação de serviços que é feita a turistas em curta-duração, é o aluguer de uma habitação num período curto.

3. O que é que a lei não diz?

A lei não diz se esta actividade de prestação de serviços, este arrendamento de uma habitação por curtos períodos a turistas, se enquadra numa actividade comercial, ou se se enquadra numa actividade ainda estritamente habitacional. E esta é a grande questão.

4. O alojamento local é (afinal) uma actividade habitacional ou uma actividade comercial?

Ninguém se entende neste campo, como costumamos dizer ‘cada cabeça sua sentença’. A jurisprudência tem-se dividido entre os acórdãos da Relação de Lisboa e da Relação do Porto, que dizem coisas diferentes.

Uns dizem que a actividade do alojamento local é uma actividade comercial. A partir do momento que se está a fazer uma actividade comercial numa habitação estamos a alterar o próprio título de constituição da propriedade horizontal. Como se sabe, no caso dos imóveis, estes podem estar todos constituídos em propriedade horizontal e cada um dos imóveis é de um proprietário diferente. O que diz no título constitutivo é que aqueles imóveis se destinam a habitação.

Se dentro daquelas habitações há actividade de alojamento local, há alguns acórdãos da Relação, quer de Lisboa, quer do Porto, que dizem que aquilo é uma actividade comercial e, como estamos a alterar o destino do título constitutivo e o destino daquele imóvel passa a ser uma actividade comercial, não é permitida ser feita sem autorização do condomínio.

5. O que é que é preciso mudar na lei?

É preciso aqui distinguir uma questão: imagine que na sua habitação, a determinada altura, e para completar o seu rendimento, lhe dá jeito arrendar um quarto a turistas e legalizou aquele quarto e, portanto, tem esse rendimento. Um caso diferente são aquelas situações onde se toma as dimensões de uma empresa e se compram prédios inteiros, andares inteiros e fazem uma grande pressão dentro dos imóveis. Aqui já é uma actividade grande que eu diria que é tipicamente comercial, já não é meramente habitacional. É evidente que fazem arrendamento de habitação, mas já com dimensão. A lei não é clara, e continua a não ser clara.

6. Condomínios (vizinhos) devem ter o poder de autorizar ou vetar alojamento local no prédio?

As reuniões de condomínio são muito complicadas de um modo geral, ou porque alguém não paga, ou porque é preciso fazer obras. Já hoje a gestão das reuniões de condomínio é muito complicada e, deixar esta questão somente ao arbítrio dos condomínios fará com que, muito provavelmente, os alojamentos locais que se encontrem nesta situação desapareçam.

Há já projectos de lei neste sentido, de ser necessária autorização dos condomínios para fazer alojamento local dentro da própria habitação, e aí eu diria que vão começar os grandes conflitos dentro dos condomínios porque muito dificilmente as pessoas vão autorizar que se recebam turistas com o argumento de que isso pode perturbar o sossego, há logo a ideia de que o turista é aquele que faz muito barulho.

7. Como resolver o problema do barulho no alojamento local?

Já há uma legislação do ruído, a partir das 22h já não é permitido fazer barulho. Agora dirão, as pessoas estão em férias e estão mais alegres e, em princípio, fazem mais barulho – claro que sim. A habitação é um local de sossego, paz e harmonia que é perturbado pela actividade turística exercida no próprio prédio mas, e as casas e quartos arrendados a estudantes? Não haverá também esse problema de perturbação?

8. Devem fixar-se quotas para limitar o alojamento local?

Pode vir a fazer sentido naqueles bairros onde a pressão é maior, nos bairros históricos mais importantes que é onde as pessoas mais se queixam. Fala-se que o alojamento local veio expulsar do centro histórico das cidades, Lisboa e Porto especialmente, a possibilidade de existirem arrendamentos normais, mas aí pergunto: há meia dúzia de anos atrás havia casas para arrendar nesses bairros? Os prédios não estavam todos degradados? Os edifícios foram todos recuperados em função desta oportunidade de negócio que é o alojamento local hoje. Nada disto tem respostas claras.

9. Qual é a tributação aplicada ao alojamento local?

Em primeiro lugar tem de se iniciar actividade nas finanças e escolher o regime que quer, ou simplificado, ou um regime de escrita organizada. Normalmente as pessoas escolhem o regime simplificado, e aí, 35% do rendimento que obtiverem é considerado rendimento tributável para efeitos do seu IRS. Os outros 65% são considerados custo da actividade, isto no caso de uma habitação.

10. Como é que se resolve (legalmente) o problema do arrendamento tradicional nos centros históricos das cidades?

Isto é uma guerra que tem de se resolver com ponderação, talvez fixar quotas nas áreas onde existe mais pressão, nos bairros históricos. Mas aqui impõe-se outro problema complicado que é, eu se tiver um prédio e quiser recuperá-lo na freguesia de Santa Maria Maior, arrendo a que valores? Aos valores de mercado? Mas assim já não tenho a recuperação do investimento, a não ser que o coloque em regime de alojamento local. Para resolver o problema, terá de ser o Estado a comprar e recuperar edifícios e colocá-los no mercado a preços controlados e assim, consegue controlar-se as coisas. Um empresário que vá investir na recuperação de um edifício quer receber o retorno.

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