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“Lei exige ao mercado intuição sobre o que pode ser lavagem de dinheiro”

Paulo de Sá e Cunha e Paulo Costa Martins, sócio da Cuatrecasas, Gonçalves Pereira, afirmam que houve “pressa” para que a lei da prevenção do branqueamento de capitais entrasse em vigor.
21 Maio 2018, 07h30

Descoordenação e complexidade estão no ADN da nova lei de prevenção do branqueamento de capitais e financiamento para os advogados Paulo de Sá e Cunha e Paulo Costa Martins. O coordenador de Penal Económico da Cuatrecasas considera que a lei portuguesa foi além da europeia no limite dos pagamentos em dinheiro, enquanto o sócio de Bancário e Financeiro acredita que se vai “começar o trabalho pelo telhado” se a quinta revisão da diretiva avançar sem regulamentação das moedas virtuais.

Quão longe está Portugal de ter uma lista pública de Pessoas Politicamente Expostas (PEP)?

Paulo Costa Martins (PM) – Acho que das PEP estamos bastante mais longe, quando comparado com o registo central dos beneficiários efetivos. Essa é uma das medidas positivas da nova lei, apesar de eu ser bastante cético quanto ao timing da sua implementação. Não faz sentido colocar o ónus nas empresas e terem de ser elas a identificar quem são os beneficiários. É melhor que seja um serviço providenciado pelo Estado para o mercado e não o inverso. Ainda irá demorar algum tempo até que as empresas consigam aceder de forma imediata.

Há  quem defenda que os vistos gold podem aumentar o risco. Devem colocar-se entraves ao investimento em função deste controlo?

PM – Não me parece que tenhamos de impor qualquer tipo de proibição ou mesmo limitações excessivas em função de uma determinada jurisdição. É verdade que um dos elementos a ter em conta quando se faz a avaliação de risco de branqueamento de capitais tem a ver com a nacionalidade do cliente. Há um ponto que acho interessante, o do risk-based approach, a possibilidade que o legislador dá às entidades de poderem, elas próprias, avaliar se uma determinada relação com um cliente apresenta um grau de risco mais baixo e, nesse contexto, aplicarem as medidas simplificadas. Faz sentido, mas cria alguma diferença de tratamento entre entidades perante situações iguais.

Houve uma transposição harmoniosa da 4ª Diretiva?

PM – Notou-se alguma descoordenação no processo legislativo. É uma lei cujo prazo transitório decorreu em agosto, muito curto. Parece que houve muita pressa para que entrasse em vigor mas depois, no setor financeiro, estamos em maio e ainda não temos um aviso do Banco de Portugal a regulamentar as matérias da lei para estas instituições. O alargamento das entidades obrigadas ao cumprimento dos novos requisitos em sede de prevenção do branqueamento foi a grande alteração. Muitas das obrigações já existiam no setor financeiro no antigo regime jurídico. Não houve uma grande revolução ao nível de compliance no setor financeiro.

Foram além dos requisitos exigidos?

Paulo de Sá e Cunha (PC) – Fomos além, por exemplo, no limite dos pagamentos em dinheiro. Optámos por mexer num conjunto de leis (Lei Geral Tributária e o Regime Geral das Infrações Tributárias) e as soluções legislativas adotadas não são fáceis de entender. Em vez de se estabelecer um limite generalizado, há vários limites aplicados em várias situações. Um estrangeiro em Portugal que vá a uma ourivesaria e compre um relógio de 7.000 euros, pode pagá-lo em dinheiro porque o limite é de 10.000 euros. Se for um cidadão nacional não pode. A questão é o destinatário desta lei: o comerciante com um conjunto de limites com que vai ter de trabalhar.

Como é que prejudica o comerciante?

PC – Quem vai ter competência para fiscalizar esta matéria é ASAE, que não tem tradição de atuação em matéria de prevenção do branqueamento. É mais uma competência que a vai sobrecarregar. Há ainda uma cláusula geral que vai levantar problemas práticos e que consagra o dever de comunicação de operações suspeitas pela natureza do interveniente, operação e proveniência dos fundos, independentemente do valor. Exige-se a quem está no mercado que tenha uma espécie de intuição daquilo que pode ser uma operação de branqueamento ou financiamento do terrorismo.

Compreende as críticas que a Ordem dos Advogados fez?

PC – Até acho que foi muito comedida nas críticas que fez. Há outros aspetos da lei que não foram muito felizes. Quando tivermos de fazer a tal comunicação, a mesma será feita junto do bastonário, mas o bastonário tem o dever de, sem nenhuma condição ou filtro, fazer a comunicação à unidade de informação financeira e ao Departamento Central de Investigação e Ação Penal. O bastonário está a funcionar como uma caixa de correio dos advogados. É mais uma vez um mecanismo estritamente formal. De que serve enviar ao bastonário e o bastonário depois estar obrigado a comunicar de imediato? Muito pouco.

A quinta revisão foca-se nas moedas virtuais. Qual a principal mudança no regime?

PM – O grande tópico é abranger essas novas realidades. É engraçado que acabámos de transpor a 4ª há uns meses e já estamos a discutir a 5ª. Acho que vai ser um verdadeiro desafio porque as moedas virtuais ou a blockchain ainda não têm qualquer tipo de regulamentação em Portugal e em muitos países da União Europeia. Ainda não há sequer um consenso sobre como se pode qualificar este tipo de instrumentos. Enquanto não tivermos um quadro jurídico estável, parece-me complicado que se consiga produzir trabalho. Se não parece que estamos a começar pelo telhado.

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