[weglot_switcher]

Líbano permanece numa das piores crises económicas da história moderna (com áudio)

A corrupção e instabilidade política empurraram o Líbano para uma crise substancialmente agravada pela Covid-19 e, sobretudo, pela violenta explosão que há um ano vitimou mais de 200 pessoas na capital, Beirut.
  • REUTERS/ Mohamed Azakir
4 Agosto 2021, 08h10

Um ano passado da violenta explosão no porto de Beirut que vitimou pelo menos 217 pessoas, o Líbano permanece numa das piores crises económicas da história moderna, segundo o Banco Mundial, e sem resolução à vista para a crise política que deixou o país sem governo na sequência deste incidente.

A 4 de agosto de 2020, mais de 2.750 toneladas de nitrato de amónio que estavam armazenadas há mais de seis anos no porto da capital libanesa deram origem a uma explosão que deixou mais de 300 mil pessoas sem habitação, ferindo mais de sete mil, de acordo com o balanço da Amnistia Internacional. Subsequentes investigações concluíram que as autoridades haviam já sido avisadas mais de 10 vezes para o inapropriado armazenamento daquele material na zona noroeste de Beirut, apesar de nenhuma ação concreta ter sido tomada.

No entanto, estas investigações não foram conduzidas pelas autoridades do país, que haviam prometido, aquando da explosão, apurar responsabilidades. Quase um ano depois, várias organizações não-governamentais no terreno apontam o dedo à inoperância dos investigadores libaneses, acusando-os de optar pela obstrução à investigação e por uma tentativa de escaparem ao escrutínio público.

Também o Governo da altura, perante as ondas de protesto geradas pela explosão, se viu obrigado a resignar. Apesar do incidente no porto ter sido a gota de água, o descontentamento do povo libanês prolonga-se há décadas, desde que uma sangrenta guerra civil instabilizou profundamente o país e deixou marcas visíveis até hoje.

A tentativa de formar um novo governo passou pelo anterior primeiro-ministro, Saad Hariri, que tinha sido afastado na sequência dos protestos de 2019 contra a corrupção e as dificuldades económicas no país. Sendo uma nação étnica e religiosamente diversa, a Constituição do Líbano obriga a uma separação de poderes entre as maiorias sunita, xiita e cristã, o que significa que o chefe de Governo terá de ser um muçulmano sunita.

No entanto, e após longas negociações, Hariri anunciou no mês passado que iria abandonar o processo de formação de Governo, após se tornar evidente que não seria atingido um consenso com o presidente do país, o cristão Michel Aoun. Depois de quase um ano, o Líbano permanecia sem Governo e, pior, sem perspetivas de vir a formar um no curto-prazo.

O anterior primeiro-ministro, Hassan Diab, havia sido acusado de negligência criminosa no final de 2020, juntamente com outros membros do anterior executivo. Acusando o Ministério Público de inconstitucionalidade, estes políticos apresentaram uma queixa nos tribunais libaneses que, além de ter interrompido a investigação por dois meses, substituiu o juiz responsável, levando à indignação das famílias das vítimas e da sociedade civil em geral.

Um novo relatório da Human Rights Watch publicado esta terça-feira, na véspera do aniversário da tragédia, acusa os altos representantes do país de terem falhado na proteção dos cidadãos, ao repetidamente desvalorizarem a ameaça que causava o armazenamento daquele material nas condições em que se verificava.

Já a braços com uma crise económica antes da explosão, que havia sido agravada pela crise pandémica, a situação política e social do Líbano deteriorou-se substancialmente após este incidente. A destruição causada na capital e centro económico do país significou ainda mais perda de capacidade produtiva, fator ao qual se junta uma desvalorização na ordem dos 90% da sua divisa, dificuldades no abastecimento de combustível e outros bens, e um desemprego galopante.

Desde 2018, o PIB do pequeno país mediterrânico caiu cerca de 30%, atirando mais de metade da sua população para a pobreza. Inversamente, e dada a desvalorização da moeda local associada à escassez de bens na região, Beirut tornou-se a terceira cidade mais cara do mundo em 2021.

As perspetivas não são animadoras, com a incerteza política a agravar o cenário económico e a instabilidade social. Adicionalmente, a ajuda internacional ao país é restringida por um passado de corrupção que viu políticos a apropriarem-se de fundos e donativos de países terceiros, pelo que a solução para o país que teve, durante largas décadas, uma classe média com poder de compra acima da média das restantes nações do Médio Oriente parece distante.

Copyright © Jornal Económico. Todos os direitos reservados.