Já ninguém tem paciência para ouvir falar da reforma do sistema político, da reforma do sistema eleitoral e mesmo da reforma dos partidos. Passados tantos anos, já ninguém acredita que é possível mudar seja o que for. Mas esse é o primeiro passo para qualquer reforma ser desencadeada: acreditar que ela é possível e, acima de tudo, que ela é necessária.

Ora, as crescentes taxas de abstenção nos mais diversos actos eleitorais são um indicador claro de que há uma necessidade premente de credibilizar a política portuguesa. Contudo, isto não significa que exista uma consciência de que isso é possível no curto prazo. De facto, as reformas do sistema político, do sistema eleitoral e dos próprios partidos são uma espécie de unicórnios: fala-se deles, mas nunca ninguém os viu.

Tendo em conta essa necessidade – que os políticos, uns mais do que outros, sentem – foi constituída, em Abril de 2016, na Assembleia da República, a Comissão Eventual para o Reforço da Transparência no Exercício de Funções Públicas, com o objectivo de propor alterações legislativas que reforcem a qualidade da Democracia. Uma Comissão que, por ter criado poucas manchetes de jornal, não viu os seus projectos discutidos pela sociedade civil.

Por curiosidade, li os projectos de lei que foram apresentados naquela Comissão cujo funcionamento foi prorrogado este mês: alguns, mais inteligentes, procuram alargar de forma consciente o regime de incompatibilidades dos titulares de cargos políticos e, em concreto, dos deputados; outros, um tanto ou quanto demagógicos, limitam-se a defender uma exclusividade a todo o custo do mandato do legislador. De todo o modo, uma coisa é certa: ainda não é desta que se prevê para os deputados ou, pelo menos, para os membros do Governo, nacional e regional, uma limitação à renovação de mandatos.

É certo que a limitação de mandatos é uma questão jurídica. Ainda assim, não podemos negar a sua eminente natureza política. Do meu ponto de vista, a limitação de mandatos é não só um corolário do princípio da separação de poderes, como é uma exigência do princípio da renovação enquanto princípio fundamental do regime republicano.

Veja-se que a Constituição da República Portuguesa limita o mandato do Presidente da República a dois mandatos consecutivos de cinco anos (123.º, n.º 1 e 128.º, n.º 1), limita o mandato dos juízes do Tribunal Constitucional a um mandato único de nove anos (222.º, n.º3), e permite ainda, através do n.º 2 do artigo 118.º, acrescentado na Revisão Constitucional de 2004, que a lei determine “limites à renovação sucessiva de mandatos dos titulares de cargos políticos executivos”.

Com a revisão de 2004 deu-se um passo importante mas insuficiente. De facto, a alteração constitucional veio permitir que a Lei n.º 46/2005, de 29 de Agosto, criasse a limitação de três mandatos consecutivos de quatro anos para os presidentes de câmara municipal e de junta de freguesia. Ainda assim, o mesmo não aconteceu para os membros do Governo, designadamente os ministros, secretários e subsecretários de Estado. Ora, qual é a justificação que legitima este tratamento desigual? Não se sabe, mas só pode ser hipocrisia. Pois repare-se: limitam-se os mandatos de titulares de cargos executivos eleitos por sufrágio directo, mas não se limitam os mandatos de titulares de cargos executivos nomeados. Não se pode compreender, por isso, a ausência de uma limitação à renovação de mandatos para os membros do Governo.

Em suma, a Comissão constituída na Assembleia da República com o objectivo de reforçar a Democracia tem uma excelente oportunidade para corrigir esta desigualdade e, acima de tudo, para dar cumprimento, de forma plena, ao princípio da renovação, sem o qual a Democracia definha. Propostas nesse sentido, infelizmente, não existem!

O autor escreve segundo a antiga ortografia.