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Livro: “Diário de uma Viagem a Portugal e ao Sul de Espanha”

Um documento extraordinário sobre o Portugal oitocentista, onde os portugueses são retratados com inegável ternura, com exceção das nossas elites, a quem a autora dirige críticas particularmente ferozes.
14 Novembro 2020, 10h11

“A língua é, sem dúvida, um grande obstáculo a relações amigáveis. Poucas damas portuguesas falam inglês; e o português, sendo embora uma língua fácil de aprender para ler, é muito difícil de aprender a falar. As senhoras inglesas nem sequer se dão ao trabalho de aprender a lê-la, fazendo de razões elevadas uma confortável capa para esconderem de si mesmas a verdadeira razão para isso, a indolência – ‘É uma grande perda de tempo aprender a ler uma língua que não tem mais de um livro digno de ser lido, Camoens’. – Um enorme erro, já agora.”

Hoje, apesar de a maior parte das damas portuguesas falar inglês, as senhoras inglesas continuam com alguma renitência em aprender o idioma de Camões. De resto, algumas das observações feitas por Dorothy Wordsworth quando, em 1845, viajou com o marido por Portugal, mantêm a sua pertinência e atualidade.

Nascida em 1804, Dorothy “Dora” Wordsworth Quillinan era filha do poeta William Wordsworth. Aos 39 anos, depois de relações românticas com alguns homens e mulheres – nada de muito estranho no meio sociocultural, na época (Dora era aquilo que veio a chamar-se uma mulher emancipada) – decidiu casar, contra a vontade do pai, com Edward Quillinan, um oficial britânico, nascido em Portugal, que traduzia para inglês os poetas portugueses.

O relato da sua viagem à Península Ibérica – em parte motivada pela tuberculose que a afetava –, até agora inédito em português, “Diário de uma Viagem a Portugal e ao Sul de Espanha”, foi publicado pelas Edições ASA, e é um documento extraordinário sobre o Portugal oitocentista, onde os portugueses são retratados com inegável ternura, com exceção das nossas elites, a quem a autora dirige críticas particularmente ferozes.

O seu poder de observação, o sentido de humor e as comparações com o seu mundo de origem conferem à narrativa uma interessante perspetiva sociológica.

Percorrendo grande parte do Norte e Centro, de Guimarães a Valença, de Castro Daire a Viseu, o casal navega ao longo do Douro e do Lima, visita igrejas e monumentos, florestas e vinhas. Finalmente, Dorothy Wordsworth – que viria a falecer um ano após o seu regresso a Inglaterra – deixa-se render, completamente deslumbrada, por Sintra e Colares.

Observa, com admiração, os trabalhos em madeira, horroriza-se com o mau estado das estradas portuguesas e fica verdadeiramente fascinada com a fauna e flora – das aves de rapina à notável magnificência das árvores do Gerês. Por entre a narração dos lugares visitados, cita poetas, de Camões a Gil Vicente, e evoca escritores britânicos como Lorde Byron.

Eis a sugestão de leitura desta semana da livraria Palavra de Viajante.

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