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LIVRO: “Moby Dick”. A luta pela sobrevivência segue dentro de momentos

A obsessão e desejo de vingança do capitão Ahab impelem-no em busca da baleia branca, do leviatã, Moby Dick. Antes de mergulhar na obra, de onde vem tudo isto?
3 Maio 2020, 15h26

 

“Comecemos com umas propostas de definição. 1. Os clássicos são os livros de que se costuma ouvir dizer: ‘Estou a reler…’ e nunca ‘Estou a ler…’. É isto que se verifica pelo menos entre as pessoas que se pressupõe serem de ‘castas leituras’; não se aplica à juventude, idade em que o encontro com o mundo, e com os clássicos como parte do mundo, é válido precisamente como primeiro encontro com o mundo. O prefixo iterativo antes do verbo ‘ler’ pode ser uma pequena hipocrisia por parte de quem tiver vergonha de admitir que não leu um livro famoso. Para o descansar bastará observar que por mais vastas que possam ser as leituras ‘de formação’ de um indivíduo, fica sempre um número enorme de obras fundamentais que não se leu.”

Um mergulho em apneia em “Porquê Ler os Clássicos”, de Italo Calvino (Teorema), pode provocar muitos encontros. Neste caso, demos de caras com o capitão Ahab, Ismael e toda a tripulação do baleeiro ‘Pequod’. Não é pouco, é toda uma panóplia de emoções, vários murros no estômago. A obsessão e desejo de vingança do capitão impelem-no em busca da baleia branca, do leviatã, Moby Dick. Antes de mergulhar na obra, de onde vem tudo isto? Da imaginação (vivência?) de um romancista norte-americano, nascido em Nova Iorque no seio de uma família aristocrata, Herman Melville. Em 1830, o pai foi vítima de bancarrota.

Dois anos depois, a sua morte marcou o fim da educação do jovem Herman. Trabalhou como funcionário de um banco e mais tarde como professor, até que em 1839 embarcou num navio mercante com destino a Liverpool. Em 1841 partiu no baleeiro ‘Acushnet’ em direção aos mares do Sul. Abandonou o barco nas ilhas Marquesas e viveu durante algum tempo entre os nativos do vale Typee. Mais tarde um baleeiro australiano levou-o ao Taiti, onde esteve preso na sequência de um motim a bordo. Escapou da prisão e passou algum tempo na ilha, a viajar pelo Pacífico. A aventura é narrada no seu segundo livro, “Omoo” (1847). As primeiras obras de Melville, escritas já depois do seu regresso a Nova Iorque, em 1844, tiveram sucesso imediato. Contrariamente a “Moby Dick” (1851), cuja profundidade e visão trágica do homem e da sua luta pela sobrevivência afastaram muitos leitores à época.

Foi resgatado ao esquecimento, tornou-se clássico e continua a saber a novo e inesperado, apesar de se debater com as questões de ‘sempre’. Desde a vingança à cegueira passando pelo sonho e pela vontade de partir.

“Tratem-me por Ismael. Há alguns anos – não interessa quando – achando-me com pouco ou nenhum dinheiro na carteira e, sem qualquer interesse particular que me prendesse à terra firme, apeteceu-me voltar a navegar e tornar a ver o mundo das águas. É uma maneira que eu tenho de afugentar o tédio e de normalizar a circulação. Sempre que sinto um sabor a fel na boca; sempre que a minha alma se transforma num Novembro brumoso e húmido; e, principalmente, quando a neurastia se apodera de mim […] – percebo então que chegou a altura de voltar para o mar, tão cedo quanto possível.”

Uma edição da Relógio d’Água na “Estante JE” – a sugestão de leitura desta semana para vencer o confinamento.

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