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Livro: “O ano do macaco”

Escritora e artista musical e visual, Patti Smith começou a ser reconhecida durante os anos 1970 pela fusão revolucionária de rock’n’roll e poesia no seu trabalho. Lisboa é um dos seus refúgios neste conjunto de relatos intimistas.
29 Agosto 2020, 10h20

“Prolongo a minha estada na cidade de Pessoa, embora não seja fácil dizer o que ando bem a fazer. Lisboa é a cidade ideal para nos deixarmos levar pelo tempo. Manhãs em cafés a escrevinhar umas coisas em mais um caderno, parecendo que cada página em branco oferece uma fuga, ao receber a fluidez constante da caneta. Durmo bem, sonho pouco, limito-me a existir apenas num intervalo que ninguém interrompe. Num passeio ao crepúsculo, a música ecoa pela velha cidade, evocando em mim a voz harmoniosa do meu pai a trautear baixinho “Lisbon Antigua”, precisamente, uma das suas melodias favoritas. Lembro-me de, em criança, lhe ter perguntado o que queria dizer o título. Ele sorriu e disse que era um segredo.”

Para além deste texto sobre Lisboa, Patti Smith escreve sobre outros lugares – São Francisco e a mítica livraria City Lights, ou Gante, na Bélgica, para rever, na Catedral de São Bavão, o retábulo dos irmãos Hubert e Jan van Eyck, “Adoração do Cordeiro Sagrado” (recentemente restaurado e desde aí fonte de alvoroço no mundo da arte) –, pensamentos mais ou menos íntimos e recordações de amigos entretanto desaparecidos, concertos que deu e acontecimentos da sua vida mais recente – sobretudo, a perda de Sam Shepard, de quem fora namorada –, e filmes, músicas e livros que a marcaram – como “2666”, de Roberto Bolaño, “Meditações”, de Marco Aurélio ou “A Morte de Virgílio”, de Hermann Broch.

Ao relatar a sua vida neste ano de 2016, que lhe foi particularmente difícil e em que viajou pelo Arizona, Califórnia, Virgínia e Kentucky, Patti Smith tem o condão de atribuir significados especiais a objetos banais do quotidiano, que ganham assim importância, não só aos olhos da artista, mas também aos do leitor, numa partilha de reconfortante intimidade.

Escritora e artista musical e visual, começou a ser reconhecida durante os anos 1970 pela fusão revolucionária de rock’n’roll e poesia no seu trabalho. O disco seminal, intitulado “Horses”, mostrando na capa a célebre fotografia tirada por Robert Mapplethorpe, foi aclamado como um dos cem melhores álbuns de sempre.

Patti Smith gravou 11 álbuns. Os seus desenhos foram expostos no Gotham Book Mart, em 1973, e pelo Andy Warhol Museum, em 2002. Foram também alvo de uma mostra, juntamente com fotografias e instalações da sua autoria, na Fondation Cartier pour l’Art Contemporain em Paris, em 2008. A artista, que aos 76 anos continua muito ativa, vive sozinha em Nova Iorque.

Quanto à canção “Lisbon Antigua” trauteada pelo pai de Patti Smith, terá sido, provavelmente, uma versão com muito swing de “Lisboa Antiga”, gravada pela Nelson Riddle Orchestra, em 1956, e que teve grande sucesso nos Estados Unidos. E era, sem dúvida, uma das mais bonitas do repertório de Amália Rodrigues.

A livraria Palavra de Viajante vai estar de férias nas próximas duas semanas. Boas leituras!

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