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LIVRO: “Sísifo, ensaio sobre a repetição em sessenta saltos”

Uma edição da Tinta da China na “Estante JE”: a sugestão de leitura desta semana para vencer o confinamento.
5 Abril 2020, 11h32

O absurdo feito de comédia e tragédia. Sísifo sessenta vezes tenta, sessenta vezes falha.

Por estes dias, em que o quotidiano se veste de absurdo, reencontrar Sísifo pela pluma de Duvivier e Calderoni pode soar estranho, mas é sem dúvida retemperador. Rir da tragédia. Rir do absurdo.

Talvez o melhor seja convocar a intenção dos autores. “‘A história se repete’, dizia Marx, ‘a primeira vez como tragédia e a segunda como farsa’. Acrescentamos: ‘a terceira vez como um gif’. Estamos todos presos dentro de algum mecanismo cíclico. A história da humanidade é a história de um progresso cujo custo, ao que parece, será o fim da civilização”.

Pausa. Inspirar. Expirar.

Por estes dias, são palavras que ganham nova força, eco. Palavras que dão ainda mais densidade à jornada de Sísifo, que, montanha acima, carregando a pedra nos braços, procura alcançar o topo.

Salto 17 – Ouça bons conselhos

“[…] meditação.

Pilates todo o dia.

Spinning todo o dia.

Álcool e drogas todo o dia.

Tem que criar uma rotina.

O problema é quando vira rotina.

Nunca deixe pra amanhã o que você pode fazer hoje.

Não vai resolver de cabeça quente: deixa pra amanhã. […]

Você tem que expressar mais seus sentimentos.

Cuidado você tá se expondo demais.

Vê se responde mais rápido às mensagens.

Vê se para de olhar tanto às mensagens.

E o mais importante de tudo: não ouça o conselho de ninguém.

Salta.

Por estes dias, os gestos parecem repetir-se vezes sem conta. As rotinas enchem o palco doméstico. Se temos sessenta saltos, a pergunta começa a arranhar a garganta: se consta que para baixo todos os santos ajudam, para cima contamos com a ajuda de quem? Do humor. Negro. Absurdo. Humor tout court. E da esperança. Aqui chamamos Calderoni à colação: neste ensaio “queríamos compreender que não há esperança para a humanidade e relembrar que o que nos faz e nos mantém humanos é ter esperança”.

Por estes dias, a esperança pode inclusive tomar de assalto aqueles que supunham estar livres dela. Em tudo é necessário um começo.

Salto 25 – Hamlet, um gif

Ser ou não ser, eis a Cansei

Será mais nobre não quero mais

Pedradas e flechadas dizer essas coisas

Ou pegar em armas contra um Lá fora

E combatendo-os tá um dia lindo.

Nestes dias, podemos subir e descer montanhas, rir, dançar, (re)descobrir cumplicidades… Teremos garantidamente 60 maneiras de percorrer um caminho na companhia de Sísifo, o gif em pessoa. Cai o pano. “Blecaute”. Blackout?

 

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