[weglot_switcher]

Luís Marques: “Devemos contar que a carga fiscal continue à volta dos 35% do PIB”

Luís Marques, ‘partner’ e Tax Leader da EY, entende que Governo não tem margem para descer impostos. Aplaude as medidas para reduzir a fatura da luz e novas regras na tributação das horas extra – e diz que falta a redução do IRC.
17 Outubro 2018, 17h30

Com medidas como o passe social único, aumentos salariais na Função Pública e um duplo bónus no IRS (reembolsos reforçados por retenção a mais e um aumento ligeiro do salário líquido em resultado de ajustamentos nas tabelas de retenção), este é um Orçamento eleitoralista?

O atual Executivo desde que tomou posse assumiu como objetivo estrutural, entre outros, que iria promover uma reposição de rendimentos como resposta às medidas de austeridade que foram implementadas no período em que Portugal esteve sujeito a um programa de assistência financeira.  Já foi assim em anos anteriores e este ano, havendo alguma folga orçamental, será uma continuidade desse caminho e uma consolidação desse tipo de medidas. Se o OE 2019 pode ser visto como eleitoralista ou não é algo que deve ser apreciado de um ponto de vista político e, em última análise, jornalístico.  Para mim, como técnico, apenas direi que medidas como estas serão sempre bem acolhidas por quem delas beneficia e, claro, pode haver margem para classificar que as mesmas se inserem num quadro pré-eleitoral.

Teria mais impacto na economia uma redução no IRS para todos os contribuintes em vez de aumentos salariais na Função Pública que implicam acréscimo de despesa pública permanente no futuro?

Uma eventual redução generalizada do IRS também teria um impacto em termos de receitas de futuras.  Os funcionários públicos foram, no passado recente, sujeitos a medidas de congelamento de carreiras e de aumentos salariais, pelo que esta medida deve ser vista num contexto de uma opção política do Governo e que se inserem no quadro do programa eleitoral que o Executivo apresentou.

Considera que o OE2019 é um orçamento para todos os portugueses?

Entendo que o OE2019 é, pelo menos, um orçamento que não penaliza, pela via fiscal, os portugueses e que em algumas áreas até induz algum alívio fiscal, ainda que a não atualização dos escalões acabe por mitigar ou atenuar esse efeito.

Por um lado, devolve-se rendimentos e aumentam-se pensões, por outro, continua- se a agravar a tributação indirecta. Vamos pagar ou não mais impostos?

O Governo não tem muita margem para descer impostos, pelo que devemos contar que a carga fiscal total se continue a situar à volta dos 34% a 35% do PIB, que é elevada e que está a níveis de 2014/2015 numa altura em que se falava em aumentos brutais de impostos.

Ao nível fiscal quais são as medidas com maior impacto que destaca para as famílias?

Destacaria a diminuição anunciada da fatura da eletricidade, dos passes sociais e dos manuais gratuitos para todo o ensino obrigatório (até ao 12º ano de escolaridade). Para alguns casos, o facto de a parcela de remuneração referente a trabalho suplementar/horas extra passar a ser tributada autonomamente em sede de retenção na fonte de IRS, pode igualmente afigurar-se como uma medida com impacto favorável para as famílias em termos de disponibilidade financeira.

Que tipo de agregados familiares sairá mais beneficiado com o “bónus” no IRS previsto para 2019?

Não havendo medidas especiais para as famílias numerosas, todos os agregados sairão beneficiados em sede de IRS com as medidas anunciadas.

Como vê o desconto de 50% do IRS para emigrantes?

É uma medida que pode ter algum nível de controvérsia e que deve ser vista, na minha opinião, em duas vertentes.  Por um lado,  percebe-se que poderá existir um incentivo para premiar, pela via fiscal, o regresso de portugueses que se viram forçados a sair do País numa altura de grandes dificuldades em que as taxas de desemprego quase que atingiam a fasquia dos 17%, dado que existem atualmente alguns setores que reclamam falta de mão-de-obra. E, por isso, esta medida pode funcionar como apelativa a esse regresso,. Por outro lado, poderá existir nessa medida alguma falta de equidade para os portugueses que aqui ficaram nos anos difíceis e que podem entender que a mesma gerará uma desigualdade suscetível de potenciar alguma contestação.  Por isso, acho que a sua implementação deverá ser bem explicada e enquadrada.  Entendo melhor regimes como o do residente não habitual,  pois aí trata-se de atribuir um regime fiscal especial a quem se propõe regressar a Portugal para vir desempenhar uma atividade de valor acrescentado.

E o aumento de taxas sobre açúcar em refrigerantes?

Trata-se de uma medida já anunciada e insere-se num contexto de cariz mais social no sentido de alterar hábitos alimentares dos portugueses e deriva igualmente de tendências internacionais nesta matéria.  Portanto, numa perspetiva mais social e de saúde pública fará sentido penalizar mais, pela via fiscal, as bebidas cujo teor de açúcar seja mais elevado, tal como já sucede, igualmente por razões de saúde, com o tabaco.  O que a a proposta de lei do OE2019 prevê como grande alteração nesta sede é de criar quatro escalões no âmbito dos quais as bebidas cujo teor de açúcar seja superior a 80 gramas por cada litro passarão a pagar 20 euros por cada 100 litros.

As medidas para baixar a fatura da electricidade e gás vão ter um impacto significativo nos bolsos dos consumidores?

Vão ter, pelo menos, um impacto positivo e isso será algo que por certo será bem visto pelos portugueses.

Ao nível das medidas fiscais para as empresas quais são as que destaca com impacto positivo?

Medidas como a eliminação da obrigação de efetuar o Pagamento Especial por Conta, que há muito se reclamava talvez seja aquela que pode ser vista como mais emblemática, sendo certo que essa não obrigação deverá ser requerida e obedecer a algumas condições.  De igual forma, a ampliação de incentivos à fixação de empresas nas zonas do interior do País, são igualmente boas notícias. Neste capítulo, pretende-se que os incentivos possam ainda ser extensíveis a estudantes que desejem estudar nas referidas zonas do interior do País.

E pela negativa?

Diria que a ausência de medidas que visem atenuar o efeito induzido pela derrama estadual. Como sabemos foi uma medida que foi introduzida com um carácter de excecionalidade no âmbito das várias medidas de austeridade que foram aplicadas em Portugal no período da troika, uma vez que as condições que justificaram a sua criação já não  existem. E eventualmente dar continuidade ao processo de diminuição da taxa nominal do IRC previsto na reforma de 2014.  O agravamento das tributações autónomas nas despesas com viaturas ligeiras de passageiros e outras previstas na lei é ainda um aspeto menos positivo a assinalar.

Faltaram ainda algumas medidas de carácter mais técnico no âmbito do IRC e que certamente iriam contribuir para uma melhor clarificação dos contribuintes.

Faltou a diminuição do IRC para 19% como estava prevista na reforma do IRC. Esta seria uma medida importante para as empresas?

Tal como referi anteriormente sim, pois no limite poder-se-á dizer que esse efeito poderia libertar mais recursos financeiros para induzir mais investimento no economia. Apesar de tal conclusão não ser totalmente linear, pois, por exemplo, os investidores podem sempre optar por utilizar esse excedente para, simplesmente, aumentar o nível de distribuição de dividendos.

Esta proposta do OE/19 é amiga do investimento e das empresas?

Pelo facto de não penalizar mais as empresas e contendo algumas medidas como a extinção do Pagamento Especial por Conta, poderemos dizer que sim, ainda que o efeito não seja muito significativo e que até possa ser mitigado (por exemplo com o efeito do agravamento das tributações autónomas).

Considera importante mais benefícios fiscais no interior para atrair empresas e trabalhadores? As medidas são suficientes?

Sim, sendo essa aliás a opinião generalizada que os empresários e os gestores nos transmitiram recentemente no âmbito de um Survey que a EY realizou sobre o conteúdo da proposta de lei do OE2019.  Contudo, nesse mesmo Survey também foi possível de constatar que a introdução de medidas fiscais não é,por si só suficiente para se atingir esse objetivo.  De facto, investir no interior do País apresenta outros desafios que a via fiscal não colmata, tais como a falta de mão de obra qualificada, a menor abundância de estabelecimentos na área da saúde e da educação, etc., o que faz com que nem sempre se possa pensar nesse tipo de investimentos de uma forma robusta.

Partilha da opinião de que não temos política fiscal e apenas uma necessidade incessante de procurar receita através de medida avulsas? Porquê?

No âmbito do Survey que a EY realizou recentemente, a que já fiz referência anteriormente, é possível de constatar que a falta de estabilidade fiscal é apontada como um dos aspetos menos positivos do sistema fiscal português por parte do nosso tecido empresarial.  Contudo, é também importante perceber que Portugal é um país periférico fortemente dependente do contexto macroeconómico externo. Por isso, as medidas contempladas em cada Orçamento do Estado são sempre resultantes do cenário que em cada momento se verifica.  É claro que seria melhor para todos os agentes que tal não acontecesse, mas entendo que, por vezes, tal não seja possível.  É um objetivo de longo prazo que os políticos e os decisores deste País devem colocar na sua agenda.

Qual é a maior incerteza sobre o OE2019?

Diria que o objetivo de crescimento traçado de 2,2% é ambicioso e significativamente mais alto do que, por exemplo, o FMI estima.  Contudo, não creio que seja impossível e o Governo já mostrou, por mais do que uma vez, que as entidades internacionais são demasiado prudentes e conservadoras e que se enganam. Mas diria que à data de hoje não é totalmente certo que consigamos atingir esse nível de crescimento, pois tal depende de vários fatores não totalmente controlados pelo Governo.

Consegue perceber onde vai Mário Centeno buscar dinheiro para pagar a redução do défice e garantir compromissos com os funcionários públicos de 800 milhões em 2019 só na função pública?

É público, pela informação que tem vindo a ser divulgado pelos organismos oficiais, que o Governo tem vindo a ter um nível de execução da receita fiscal bastante positivo, criando com isso excedentes primários (i.e. antes da contabilização dos juros da dívida pública) que permite ter alguma folga para promover as medidas anunciadas.  Tudo isto, conjugado com um cenário de taxas de juros historicamente baixas, permitem que a implementação desse tipo de medidas possa ser uma realidade exequível.

É um Orçamento sustentável, tendo em conta a revisão em baixa do crescimento económico de 2,3% para 2,2%, bastante acima das previsões do FMI e Banco de Portugal de 1,8% e 1,9%, respetivamente?

Com base nas projeções disponíveis e dos dados macroeconómicos existentes, é um Orçamento possível de ser executado e tecnicamente bem formulado, que tem, como todos, algumas áreas de incerteza e de risco.  A história recente demonstra que o Governo tem mostrado capacidade de inverter, muito fruto do contexto económico favorável, as tendências menos favoráveis que são apresentados por várias entidades oficiais.

Tudo aponta que este é o último OE de Mário Centeno. Como avalia o trabalho do ministro das Finanças no governo da geringonça?

O atual Ministro das Finanças tem mostrado competência e tem feito um trabalho positivo em face daquilo que têm sido as opções políticas e económicas do Governo, sendo aliás a sua nomeação para presidente do Eurogrupo o corolário desse processo.  Talvez o começo das suas funções tenha levantado algumas dúvidas, mas a prática tem demonstrado que o ministro tem a capacidade e a competência para atingir os objetivos propostos ano após ano.  Não será fácil a sua eventual substituição.

Copyright © Jornal Económico. Todos os direitos reservados.