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Lula, herói ou vilão, no Planalto ou na prisão?

O ex-presidente do Brasil vai conhecer o seu destino esta quarta-feira 24 de janeiro, dia em que o tribunal de segunda instância deverá pronunciar-se sobre a pena de prisão a que foi condenado pelo “super juiz” Sérgio Moro. Saiba o que está em causa e de que forma a defesa de Lula tentará fazer com que o líder da esquerda brasileira possa apresentar-se nas eleições de outubro.
19 Janeiro 2018, 05h35

Quarta-feira, 24 de janeiro, será o primeiro dia do resto da História da política brasileira. O Tribunal Regional Federal de Porto Alegre vai dar início à reapreciação da sentença de nove anos e seis meses de prisão a que o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva – figura icónica da esquerda sul-americana e líder histórico do Partido dos Trabalhadores (PT) – foi condenado pelo juiz Sérgio Moro.

A decisão do tribunal será crucial a menos de um ano das eleições presidenciais marcadas para outubro próximo. Joga-se a sobrevivência do PT e Lula é o favorito em todas as sondagens.

O ex-sindicalista, que ocupou o Palácio do Planalto durante oito anos, até 2011, foi acusado, julgado e condenado em primeira instância pelos crimes de corrupção passiva e branqueamento de capitais, no âmbito do mega-processo Lava Jato. A Justiça acredita que Lula terá recebido um apartamento triplex em Guarujá, no litoral de São Paulo, entregue pela construtora OAS, em troca de alegados benefícios em contratos com a petrolífera Petrobrás.

O ex-presidente nega todas as acusações e os seus advogados recorreram da decisão para o Tribunal Regional Federal em Porto Alegre, onde o processo foi visto por um relator, que o enviou para um juiz. Agora, num tribunal de segunda instância – o TRL4 – os desembargadores decidirão se rejeitam ou aceitam o recurso ou, ainda, se modificam os termos da condenação.

Se a sentença do “super-juiz” Sérgio Moro for confirmada pelo tribunal, o icónico presidente, considerado o “pai” da vasta classe média que emergiu durante a primeira década do século XXI, poderá ainda recorrer para instâncias superiores. Mas ficará refém da Lei da Ficha Limpa, que estabelece que quem for condenado por um tribunal colegial não poderá candidatar-se a cargos políticos durante oito anos.

“O Supremo Tribunal Federal decidiu que a pena pode ser imposta já a partir do julgamento de segundo grau – o que pessoalmente considero grave atentado à presunção de inocência e, por conseguinte, ao estado de Direito”, disse ao Jornal Económico João Fontoura, especialista em direito eleitoral e sócio do escritório brasileiro Bornholdt Advogados.

Mas nada neste caso será imediato e a decisão do tribunal será apenas o início de um longo caminho que poderá apenas culminar a 15 de agosto, fim do prazo de apresentação das candidaturas presidenciais no Tribunal Superior Eleitoral (STE).

“Caso o TRL4 condene, não estará escrito na sentença que ele está inelegível. Continua podendo fazer o seu registo de candidatura em agosto. Nesse momento sim, poderá ser indeferida [a candidatura] e ser declarado inelegível”, explicou o professor de Direito Eleitoral e Constitucional do Instituto Brasiliense de Direito Público (IDP), Daniel Falcão, em declarações ao Jornal Económico.

E é precisamente com essa nuance que a defesa do antigo líder do PT poderá jogar. No pior cenário, a alternativa na luta para a sobrevivência será apenas uma: interpor um recurso para pedir a aplicação de um efeito suspensivo à decisão.

“O direito processual brasileiro prevê recursos que são capazes de suspender a eficácia da decisão até que sejam apreciados. Manejando tais recursos, ainda não estaria presente sequer a decisão condenatória de segundo grau, impedindo que sejam aplicadas quaisquer sanções penais ou eleitorais ao ex-presidente”, esclarece João Fontoura.
A estratégia jurídica e a estratégia política jogariam juntas, com o objetivo de registar a candidatura durante o efeito suspensivo, e, deste modo, não ser “chumbado” pelos requisitos obrigatórios, nos quais se inclui a Ficha Limpa. “Quanto mais julgar esse problema para perto de agosto melhor politicamente para o Lula, porque vai haver mais pressão popular e da parte da mídia brasileira, no sentido de olhar com uma lupa como é que vai ser a decisão. Juridicamente, a estratégia dele também deve ser essa, se for condenado”, considera Daniel Falcão.

Contudo, a eficácia da estratégia não é consensual. O membro da Comissão Especial de Direito Eleitoral da OAB/SP e sócio da Leite, Tosto e Barros Advogados, Fillipe Lambalot, antevê, em declarações ao Jornal Económico, que muito dificilmente a defesa de Lula ganharia essa batalha. “Historicamente, é muito difícil esse pedido ser admitido. Só quando há uma grande hipótese do recurso ser provido e ganho pela defesa”, considera.

Filipe Lambalot duvida ainda da hipótese da defesa conquistar um adiamento do pedido de suspensivo até agosto: “não é possível adiar tanto”. Prevê, antes, a hipótese que o julgamento da segunda instância não seja concluído na data marcada.

“O que pode acontecer é que alguns desembargadores peçam vistas do processo. Ou seja, o julgamento tem início no dia 24, é suspenso e não termina. Não seria um absurdo acontecer porque já aconteceu em outras situações. Não seria um caso único e particular deste”, explica.

Fora da equação, por agora, ainda que formalmente possível, estará a prisão efetiva do antigo presidente, segundo os especialistas consultados pelo Jornal Económico.

“A jurisprudência diz que é possível a prisão de alguém já condenado em segundo grau, o que seria a situação de Lula se viesse a ser condenado agora. Mas o próprio STF em algumas decisões não tem aplicado essa jurisprudência (…), [pelo que] não está consolidada. Em tese, é possível determinar a prisão dele. Porém, não é o que provavelmente vai acontecer”, defende Daniel Falcão.

A opinião é partilhada por Fillipe Lambalot, que salienta que algumas decisões do Supremo permitiram a prisão após condenação pela segunda instância, mas “o STF diz que é possível, não diz que é obrigatório”.

Certo é que o destino do PT está mais uma vez nas mãos do homem que o levou ao poder. Os esqueletos no armário de vários políticos ligados à liderança de Lula e Dilma envolveram-nos em escândalos de corrupção e, sem alternativas viáveis, o partido não pretende deixar cair aquele que continua a ser o seu menino de ouro. Nem que para isso tenha que boicotar as eleições – como já anunciou ponderar fazer.

As consequências políticas do julgamento de Lula

A senadora brasileira e atual presidente do Partido dos Trabalhadores (PT), Gleisi Hoffmann, esta semana inflamou ainda mais as hostes: “para prender Lula, eles terão que prender um monte de gente e, mais do que isso, eles terão que matar pessoas”, declarou numa entrevista publicada pelo portal de notícias brasileiro “Poder360”.

Numa sociedade marcada pelos desequilíbrios sócio-económicos, a justiça tornou-se o novo pivô da polarização nos últimos anos. Até recentemente, procurava-se a resposta à questão se a corrupção no país era endémica. Atualmente, a tónica mudou para a contaminação na separação de poderes.

“Está havendo claramente judicialização da política no Brasil já faz algum tempo. Todos os aspetos políticos e de políticas públicas no Brasil têm sido judicializados. A que se deve isso? Há dois fatores principais. A Constituição de 1988 trouxe muita força para o Judiciário dentro do Ministério Público. Ao perceberem isso, começaram a ter uma postura mais proativa. Ao mesmo tempo, o executivo-legislativo, por questões políticas, financeiras e orçamentais tem tido maior dificuldade em fazer a gestão das políticas públicas. As pessoas ficam insatisfeitas com essa gestão ruim e acabam salvaguardando-se com o judiciário”, salienta Daniel Falcão.

O julgamento de Lula é apenas mais um episódio na recorrente discussão. “A Lava Jato não alcançará o seu ponto máximo com esse julgamento do ex-presidente Lula, pois há ainda uma série de situações que deveriam ser vencidas para que essa Operação seja digna de crédito. Se pensarmos que as provas apresentadas contra o ex-presidente são no mínimo duvidosas – mas ele virou réu e condenado –, e que houve indícios consideráveis contra o atual presidente Temer, mas ele segue no cargo, podemos questionar a força dessa Operação na sua mensagem de combate efetivo à corrupção e de “passar o Brasil a limpo”. Assim como a consciência de cidadania do brasileiro, o qual nem sequer foi às ruas protestar contra os alegados atos de corrupção do atual governo”, defende o criminalista e sócio da Scheid&Azevedo Advogados, Carlos Scheid.

Sendo uma jovem democracia, “a sociedade brasileira ainda está muito longe de alcançar uma maturidade para compreender a situação atual e, por isso, há toda uma confusão entre questões políticas e jurídicas”, realça Scheid.
“Considero que devemos agir com cautela diante do momento político do país. Deve prevalecer, sempre, o império da Lei, mesmo quando tal exija uma posição contramajoritária por parte do Judiciário. O combate à corrupção, do qual sou ferrenho defensor, não deve justificar a supressão de garantias constitucionais ou a estrutura democrática delineada pela Constituição Federal”, sublinha João Fontoura.

 

Artigo publicado na edição semanal do Jornal Económico. Para ter acesso aos nossos conteúdos em primeira mão escolha uma das seguintes assinaturas Jornal Económico Digital, ou faça log in aqui.

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