Uma associação holandesa de proteção de aves criou recentemente um abaixo-assinado contra a construção do novo aeroporto do Montijo, por este poder vir a afetar o maçarico-de-bico-direito (Limosa limosa), considerado a ave nacional da Holanda. A petição, que recebeu o nome de “Maçarico Sim! Aeroporto Não!” e que já conta com mais de 26 mil assinaturas, refere que o novo aeroporto de Lisboa ameaça não só o maçarico-de-bico-direito, mas “centenas de outras aves” e este pode ser um dos muitos impactos que a infraestrutura pode ter sobre o estuário do Tejo. Isto apesar da Agência Portuguesa do Ambiente (APA) ter dado um parecer positivo condicionado ao pagamento de uma taxa de 4,5 euros por movimento aéreo para compensar os impactos ambientais.

Com este parecer positivo da APA, será que uma preocupação internacional pode ou deve ser tida em conta? Haverá aqui alguma febre ambientalista? O que está em causa e qual a preocupação dos holandeses? Aparentemente é tão-só que os maçaricos-de-bico-direito viajam entre África e a Holanda e pelo meio descansam na área do estuário do Tejo. “Esta área perto de Lisboa é crucial para este tipo de ave carregar baterias e ganhar forças para o final da viagem até á Holanda”, referem.  Já para nós, portugueses, o que todos sabemos é que com Montijo ou com expansão da Portela, o que precisamos mesmo é de uma nova solução aeroportuária para Lisboa.

Com ou sem radicalismos ambientais, para que o turismo continue a crescer e para reduzir os impactos na perfeita simbiose entre moradores e infraestrutura, precisamos é de evitar nova polémica que pode demorar (mais) anos, e não pensar que um qualquer argumento pode servir para atrasar, cancelar, repensar ou excluir uma qualquer infraestrutura, seja ela obra pública, zona habitacional ou industrial. Já agora, para emitir opiniões, a APA deve servir e ser vinculativa e também responsabilizada.

Mas espantosa é a posição imediata do Governo pela voz do secretário de Estado Adjunto e das Comunicações, Alberto Souto de Miranda, que, ao querer desvalorizar a situação, defendeu que “os pássaros não são estúpidos e é provável que se adaptem ao movimento dos aviões”. A forma e os argumentos utilizados fizeram-me lembrar o secretário de Estado da Aquicultura e Pesca de Bolsonaro, Jorge Seif Júnior, que a propósito de um derrame de petróleo numa enorme extensão das águas do Nordeste do Brasil, afirmou que “o peixe é inteligente. Quando vê uma mancha de petróleo, foge…”

Há um ditado popular muito antigo que diz que “quem anda de boca aberta, ou entra mosca ou sai asneira” e, de facto, as primeiras respostas do nosso Governo não o dignificaram. Não se trata de os pássaros serem ou não estúpidos, como no Brasil serem os peixes inteligentes ou não. Não, não são estes os argumentos, nem são estas as soluções. A discussão de uma tão importante obra pública não se pode resumir a esta fundamentação, que entra na esfera da irracionalidade ou algo pior.

Em janeiro do ano passado, alertei aqui neste espaço de opinião para o que considerava uma “miragem aeroportuária”, longe de pensar que após uma decisão de construção (que me continua a suscitar muitas dúvidas) o passo seguinte seria uma polémica criada pelo próprio Governo acerca da estupidez ou não das aves que andam pelo rio Tejo.