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Macron receia aproximação entre Lisboa e Pequim, alerta ex-secretário de Estado

“Macron tem uma estratégia muito dura contra a China, no sentido de conter a influência chinesa na Europa e é ele que está a falar com o Governo português e a tentar que o Governo português não se aproxime da China”, alerta Bruno Maçães, autor do livro “O Despertar da Eurásia”.
  • Reuters
22 Outubro 2018, 15h32

O ex-secretário de Estado dos Assuntos Europeus, Bruno Maçães, disse hoje que a França está a tentar conter qualquer tipo de aproximação entre Lisboa e Pequim durante a próxima visita de Xi Jinping a Portugal.

“O presidente [Emmanuel] Macron tem uma estratégia muito dura contra a China, no sentido de conter a influência chinesa na Europa e é ele que está a falar com o Governo português e a tentar que o Governo português não se aproxime da China”, disse à agência Lusa Bruno Maçães.

Maçães, autor do livro “O Despertar da Eurásia” refere-se em concreto à iniciativa da República Popular da China “Belt and Road” (“Cintura e Rota”, numa evocação da antiga ‘Rota da Seda’), de âmbito económico e comercial, e que pretende o estabelecimento de cinturas envolventes, estradas e corredores abarcando “potencialmente” todos os países e regiões entre o Atlântico e o Pacífico.

“A questão fundamental é a visita do presidente Xi Jinping e se Portugal se vai associar à iniciativa chinesa ou não. Tanto quanto sei, o Governo português continua a hesitar, não há debate público nenhum sobre o assunto”, lamenta Bruno Maçães que sublinha também os receios da Alemanha.

“Outro grupo importante, com o qual eu falei nos últimos dois anos é a indústria alemã que está em ‘modo de pânico’ quanto à ascensão chinesa porque a China dos velhos tempos que fabricava cópias imperfeitas de produtos ocidentais acabou e está agora a entrar em áreas onde era suposto a Alemanha ser líder: veículos autónomos, robótica, inteligência artificial. Os planos alemão e chinês para os próximos dez anos são quase copiados um do outro”, afirma.

Maçães, atualmente professor de ciências políticas na universidade Renmin em Pequim e no Hudson Institut nos Estados Unidos, acrescenta que Portugal está no centro destas “discussões” por causa da visita do presidente chinês entre os dias 4 e 5 de dezembro.

“Há nesta altura, muito por detrás das cenas, uma movimentação intensa para saber se Portugal se junta à iniciativa chinesa da nova ‘Rota da Seda’ (“Belt and Road”) com pressões a chegar da Alemanha e da França para não o fazer. Vemos aqui a capacidade chinesa para projetar a sua influência até ao outro lado da ‘Eurásia’”, frisa.

Para Maçães, os planos chineses são agora muito mais ambiciosos e estão relacionados com o aumento da influência na Europa porque, diz, a China “já é capaz” de projetar-se na Europa e Portugal “seria uma peça importante porque seria o primeiro país da Europa Ocidental a juntar-se à iniciativa da nova ‘Rota da Seda’” criando uma perceção de divisão na União Europeia.

“Essa é a razão pela qual a França e a Alemanha têm colocado pressão sobre Lisboa, mas, claramente, a China já tem capacidade para interferir nos assuntos internos europeus”, sublinha.

Para o ex-secretário de Estado dos Assuntos Europeus, entre 2013 e 2015 (Governo PSD/PP), Portugal tem muito a beneficiar com a China porque tratando-se de uma economia pequena o acesso dos produtos portugueses ao mercado chinês pode ser positivo.

“Veja-se o exemplo da Suíça que conseguiu assinar um acordo de comércio livre com a China que lhe dá condições muito favoráveis nos relógios e nos chocolates num mercado de 1,5 mil milhões de consumidores”, refere adiantando que defende uma posição de coesão do bloco europeu.

“A Europa deve manter-se unida em relação à China. Eu sou a favor de um acordo comercial União Europeia – China que pode demorar 10 ou 15 anos a ser negociado, mas, quando estive no Governo, vi que não há apetite nenhum por este tipo de negociação. O acordo está numa gaveta, mas não é negociado. Mas apesar de tudo, num acordo as coisas são controladas, são negociadas e se deixarmos o processo entregue ao caos e ao conflito não leva a nada e é isso que está a acontecer agora”, considera o académico.

Além das questões relacionadas com a República Popular da China o livro “O Despertar da Eurásia” elabora o conceito sobre o “super-continente” cujo eixo se está a deslocar para oriente.

O texto tem como fio condutor o relato de uma longa viagem realizada pelo autor por vários países e regiões entre a Europa e a Ásia e aprofunda também a questão da Rússia e os planos do Kremlin de associação à China e a criação da União Euroasiática, defendida pelo chefe de Estado, Vladimir Putin.

Maçães relata igualmente os bastidores da Cimeira da Associação Oriental de Vilnius, em novembro de 2013, em que participou como membro do Governo português concluindo que o encontro representou “um empurrão da União Europeia” para oriente destinado a entrar em conflito com a Rússia e que Moscovo “estava também a abrir as asas”.

“O Despertar da Eurásia – Em Busca da Nova Ordem Mundial”, de Bruno Maçães (Temas e Debates / Círculo de Leitores) é lançado hoje, em Lisboa.

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