O combate à corrupção e à criminalidade organizada deveria ser um dos grandes eixos orientadores da política nacional. Como se vê até no inacreditável caso de Tancos, Portugal está entregue a práticas de roubo, de tráfico de influências, de gestão danosa do interesse público, entre outras, inadmissíveis num país europeu.

Um caso tão mesquinho como o da falsificação de presença de um deputado nas sessões da Assembleia da República não pode ser visto de outra maneira que não como uma emanação desse clima putrefacto. Aqui se mostra como até o secretário-geral (José Silvano) do partido (PSD) com mais deputados no Parlamento não tem vergonha de tentar beneficiar fraudulentamente de umas dezenas de euros e logo é encoberto pela cumplicidade de outra deputada (Emília Cerqueira) que vem fazer prova de vida com uma explicação digna de um conto infantil. Quem quiser que acredite que estamos perante uma situação única e escrutinada publicamente logo à primeira.

Pergunto: alguém imagina que com gente assim, capaz de suportar um vexame público sem se demitir, haja verdadeira capacidade de escrutínio da atividade governativa? A passividade de Ferro Rodrigues, que deveria imediatamente lutar, a partir deste caso, por uma mudança na lei que permitisse a deputados destes perderem o respetivo mandato, só pode significar algo mais que indigência absoluta. Não se é tão inerte sem uma razão. Visto de fora, estamos perante mais uma prova de como o regime se alicerça na mediocridade e na proteção mútua. Há uma irmandade de comportamentos que extravasa os diferentes grupos parlamentares, sobretudo no eixo PS, PSD, CDS. Só não vê quem não quer.

Sendo esta a realidade, e havendo motivos tão bons de distração como a detenção do ex-presidente do Sporting e o caso do salvamento do avião da Air Astana, os cortes nos orçamentos da Polícia Judiciária e da Procuradoria-Geral da República para o próximo ano fazem todo o sentido. Não esperemos ver qualquer deputado, nem qualquer grupo parlamentar, verdadeiramente interessado em confrontar o Governo com esse corte previsto no Orçamento do Estado, que obviamente tem uma leitura.

Antes pelo contrário. Vai haver menos dinheiro para a investigação mas há palavras muito bonitas a suportá-las. Cito (do OE): “A criminalidade, principalmente a organizada, constitui uma ameaça grave para os valores da democracia, o que requer a capacitação adequada do Ministério Público, da Polícia Judiciária e dos demais órgãos de polícia criminal”. Palavras bonitas sem significado nos números. De facto, a PJ vai dispor de pouco mais de 113 milhões de euros, menos 1,663 milhões de euros do que os disponíveis em 2018 (menos 1,4%); e a PGR passa de 17,75 milhões de euros para 17,66 milhões (menos 0,5%).

Os bem intencionados de sempre dirão que os cortes até são pequenos, além de que é a primeira vez que se recua durante esta legislatura. Isso é um facto. Mas até por os cortes não serem relevantes eles são um sinal. Comparemo-los com os grandes números de apoio à interminável recuperação dos bancos e dos seus extraordinários “veículos”. Se virmos assim, menos dois milhões de euros para a PJ e menos 90 mil euros para a PGR não são nada mais do que sinais. Sinais, como outros, de que política não olha para a investigação com o respeito adequado. E esta é a explicação benigna.