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Manipulação das emissões de CO2 custou mais de 200 milhões de euros aos condutores portugueses só em 2017

Estudo elaborado pela Federação Europeia dos Transportes e Ambiente revela que a indústria automóvel tem agido em coluio para manipular os testes às emissões de dióxido de carbono. Os grandes lesados são os automobilistas que gastaram 150 mil milhões de euros em combustível extra desde 2000.
28 Agosto 2018, 23h00

Entre 2000 e 2017 os portugueses foram defraudados em 1,6 mil milhões de euros em combustível extra devido à manipulação latente dos testes de emissões de CO2 [dióxido de carbono] que as fabricantes de automóveis terão realizado em conluio. Esta é apenas uma das conclusões retiradas do estudo «Ending the cheating and collusion: Using real world CO2 measurements within the post-2020 CO2» realizado pela Federação Europeia dos Transportes e Ambiente (da sigla inglesa T&E), uma organização ambiental que se dedica a promover políticas globais e europeias nas áreas com maior potencial ambiental.

Segundo um comunicado da Quercus, “só em 2017, os portugueses gastaram mais de 264 milhões de euros em combustível extra”. A nível europeu, “o custo real da manipulação da indústria automóvel nos testes de eficiência de combustível (…) custou aos automobilistas um acréscimo de quase 150 mil euros nos últimos 18 anos”, lê-se no documento. Além disso, “a manipulação dos testes de CO2 implicou a emissão de mais de 264 milhões de toneladas de CO2”, um valor idêntico às emissões de dióxido de carbono anuais da Holanda.

Manipulação de testes às emissões de CO2 é o ponto nevrálgico

Dividido em sete pontos, o estudo realizado pela T&E demonstra como é que as construtoras de automóveis têm manipulado os testes de emissões de CO2, o que tem aumentado a despesa dos automobilistas em combustível previamente não antecipável porque os testes reportam níveis de CO2 emitidos que são inferiores aos registados em condução na estrada. Para se entender este fenómeno, há que explicar que a quantidade de CO2 emitida por um carro está (diretamente) correlacionada com a quantidade de combustível por ele consumida, como explica, aliás, o site da União Europeia dedicado ao próximo teste padrão às emissões de CO2, o Worlwide Harmonised Light Vehicle Test Procedure. Por outras palavras, quando mais combustível consome uma viatura, mais CO2 esta liberta para a atmosfera.

No epicentro do problema está a discrepância entre os níveis das emissões de C02 testadas em laboratório e as emissões registadas em condução na estrada. De acordo com o estudo, que cita dados compilados pela Agência Europeia do Ambiente, os testes oficiais em laboratórios demonstram uma “clara tendência” na redução das emissões médias de CO2 nos carros novos de 31% entre 2000 e 2017, de 172gCO2/Km para 119gCO2/km. De resto, “esta é a mensagem que a indústria automóvel quer fazer passar”, lê-se no documento. No entanto, ao nível de emissões de dióxido de carbono em condução na estrada, os carros não têm evoluído assim tanto. Isto acontece porque “as construtoras de automóveis têm manipulado o teste NEDC [anterior ao WLTP] e por terem escolhido implementar tecnologia para aumentar a eficiência de [um determinado] carro que tem melhor performance nos testes do que em estrada”.

Para manipularem os testes às emissões de CO2, as construtoras adoptam uma panóplia de estratégias para ‘tornarem’ o carro mais eficiente aquando do teste, de acordo com a informação divulgada igualmente pela associação ambientalista Zero. Assim, por exemplo, retiram componentes do carro para o tornar mais leve ou modificam pneus, entre outros comportamentos ilegais. O resultado, segundo a Comissão das Alterações Climáticas do Reino Unido, citada pela T&E, em 2002 a diferença entre as emissões de CO2 registadas ao abrigo do NEDC e as emissões registadas em estrada eram de 10%, embora possam aumentar para 49% em 2020. “O sistema de supervisão tem sido fraco para prevenir [esta realidade], tal como foi exemplificado pelo escândalo do Dieselgate”, acusa o estudo.

A T&E fez a sua própria análise à questão e descobriu que, se se tivesse mantido a diferença de 9% existente no ano 2000 entre os resultados em teste e os resultados na estrada, poder-se-iam ter eliminado um total acumulado de 264 toneladas de CO2 até 2017. “O combustível adicional para produzir estas emissões custaram aos condutores europeus 150 mil milhões de euros”, diz o estudo. Os mais penalizados foram os condutores alemães que perderam 36 mil milhões de euros desde 2000; seguem-se os britânicos (24.1 mil milhões de euros), os franceses (20.5 mil milhões de euros) e os italianos (16.4 mil milhões de euros). Sobre isto, o estudo é peremptório ao referir que os “motoristas em todos os países consumiram mais combustível por causa da manipulação dos testes”.

“Não haverá razões para utilizar o melhor teste, o WLTP”

A partir de setembro de 2018, os testes às emissões de CO2 vão passar a ser feitas ao abrigo do WLTP, substituindo o teste NEDC. Tanto a União Europeia como o estudo da T&E encaram o WLTP como um teste mais fiável do que o seu antecessor. Ambas as entidades também estão de acordo que haverá diferenças entre os níveis das emissões de CO2 registadas ao abrigo do novo WLTP e as emissões registadas em condução na estrada. Com uma diferença: enquanto a UE estima que essa diferença será entre 10% a 15%, o estudo cita pesquisas que antevêem que essa diferença se situe nos 23%.

Além disso, como o NEDC e o WLTP são testes cuja metodologia é bastante diferente e, durante a transição entre os dois testes, foi criado o CO2MPAS, uma ferramenta que permite “converter os valores ao abrigo do WLTP em valores ao abrigo do NEDC”. Sucede que, de acordo com dados recolhidos pelas marcas Peugeot, Renault e BMW, o CO2MPAS está produzir resultados mais elevados do que o antecipado mas também mais elevados do que o NEDC. Por isso, a T&E receia que a maioria das construtoras de automóveis não vão usar esta ferramenta porque iria inflacionar os valores equivalentes ao abrigo do NEDC. “Ao invés, os fabricantes de automóveis vão fazer predominantemente dois testes ao abrigo do NEDC e do WLTP”, revela o estudo. “Assim, as construtoras continuarão a poder utilizar o teste NEDC que contém a maior parte das lacunas antigas presentes nos testes. Com isto, as construtoras conseguirão alcançar os objectivos [de redução das emissões de CO2] para 2020/21 (…) e não haverá razões para utilizar o melhor teste, o WLTP”.

Período pós WLTP

A redução das emissões de CO2 prevista é progressiva pela Comissão Europeia (CE) vai fazer-se de forma progressiva. Assim, a CE quer que as emissões de CO2 em 2025 e em 2030 sejam 15% e 30%, respectivamente, inferiores às registadas em 2021. Mas, de acordo com o estudo, a indústria automóvel quer manipular as emissões que se irão registar em 2021, pondo em risco o plano da CE. O estudo indica que as sucessivas manipulações levadas a cabo pelas construtoras de automóveis vão fazer com que as reduções efectivas das emissões de CO2 serão de apenas 5% em 2025 e não de 15%, como previsto pela CE.

Como solução para o problema, a T&E sugere que se adoptem limites máximos às emissões de CO2 dos carros novos que não poderiam ser ultrapassados. Esta solução permitiria, por exemplo, que se poupassem 57 mil milhões de euros em combustível até 2030, o que corresponde a uma redução de 108 toneladas de dióxido de carbono. O estudo receia que nada disto teria sido possível sem o coluio da indústria au tomóvel. Isto porque os impostos incidentes sobre os veículos estão calculados com base nas emissões de CO2 e de outras matérias poluentes.

Em Portugal, a Quercus concorda com as conclusões apresentadas pela T&E, revela em comunicado. “É muito improvável que o aumento dos valores de WLTP tenha ocorrido sem o conluio da indústria. Na maioria dos países, os impostos sobre os veículos estão relacionados com as emissões de CO2 e, portanto, aumentar os valores WLTP resultaria em impostos mais elevados. As associações nacionais da indústria automóvel têm feito pressão para que os Estados-membros subam os limites fiscais para englobbar os aumentos de CO2 e evitar que algumas marcas possam perder competitividade”, diz a nota.

Por isso, a Quercus lança um apelo aos ministros do Ambiente e aos eurodeputados no sentido de impedirem que a indústria automóvel “continue a defraudar as regras”. “Os grandes lesados são os cidadãos que pagam por mais combustível e sofrem as consequências das alterações climáticas”, diz a Quercus.

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