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Manuel Caldeira Cabral: “Algumas alterações fiscais não têm qualquer impacto na competitividade das empresas”

Ex-ministro da Economia de António Costa considera que apoio ao investimento em tecnologia é mais importante no Orçamento do Estado do que a redução da carga fiscal para as empresas.
  • Cristina Bernardo
16 Dezembro 2019, 07h45

Primeiro titular da pasta da Economia no primeiro governo de António Costa, Manuel Caldeira Cabral partilhou as suas expectativas quanto ao Orçamento do Estado para 2020 à margem de uma conferência sobre competitividade que decorreu na SEDES – Associação para o Desenvolvimento Económico e Social, que teve lugar na semana passada.

O que é que espera deste Orçamento do Estado no que toca ao reforço a competitividade das empresas portuguesas?

Penso que o que aconteceu neste Governo ao longo destes últimos quatro anos, e penso que irá continuar a acontecer e que teve um impacto grande na competitividade das empresas, foi em primeiro lugar o Programa Capitalizar. Penso que isso vai continuar. No fundo, são incentivos ao investimento e também à capitalização das empresas. Isso reforça a capacidade competitiva das empresas. Uma das fraquezas que as empresas portuguesas tinham eram baixos índices de autonomia financeira e melhoraram muito nos últimos anos. Outro aspeto é o reforço do apoio à inovação, à ciência e tecnologia e à investigação e desenvolvimento. Penso que esse reforço deve continuar neste Orçamento e é um fator que promove a competitividade – e não promove a competitividade só num muito longo prazo. Há e está a haver cada vez mais uma aceleração desse processo. O processo de transferência de tecnologia e de inovação está a ter resultados nas empresas muito mais rápidos do que no passado. Continuará a haver algumas áreas em que os processos são longos, mas o que as startup mostram é que as tecnologias desenvolvidas, ou a utilização dessas tecnologias, têm às vezes resultados muito rápidos.

Está, portanto, à espera de que a redução da carga fiscal continue a não ser uma prioridade?

Penso que a fiscalidade que reforça competitividade é a que aconteceu com o crédito fiscal ao investimento. Já aconteceu nos anos anteriores, com incentivos às empresas que reinvestem e às empresas que se capitalizam. Isso reforça a competitividade das empresas. Algumas coisas que se fala em termos de alterações fiscais não têm qualquer impacto na competitividade das empresas. No caso do IVA, como as empresas exportadoras recuperam o IVA, não o pagam. Há outros impostos que incidem sobre a eletricidade e que se forem diminuídos podem contribuir para reduzir os custos da fatura das empresas. Já o IVA, como as empresas o recuperam, não tem nenhum contributo para a competitividade das empresas, terá apenas um contributo para os cidadãos. Pode ter impacto para classes sociais mais baixas, tal como este Governo já fez, com a generalização da tarifa social, que de facto baixou o custo da eletricidade às pessoas de menores recursos. Isso são medidas que têm um interesse social e não têm um interesse de competitividade. Para a competitividade há que baixar o IRC de quem investe e baixar o IRS de quem trabalha, o que torna o país mais atrativo para atrair talento. Baixar impostos sobre o consumo não aumenta a competitividade. Como há um espaço fiscal limitado, não daria prioridade a esse género de baixa de impostos. O que também aumenta a competitividade é o aumento do investimento público, se for bem direccionado. Há planos de ferrovia, dos portos, no aeroporto de Lisboa. Ou seja, o Governo pode aumentar a competitividade tanto pelo investimento público como pelas reduções de impostos que recaem sobre os factores de produção.

Há garantias que este ciclo de crescimento que estamos a atravessar possa sobreviver a novos choques externos?

Há quatro anos, Portugal estava há 15 anos a crescer abaixo da média europeia. De repente está há quatro anos seguidos a crescer acima da média europeia e todas as instituições internacionais que em 2015 apontavam para que nos anos seguintes Portugal continuasse a crescer abaixo da média europeia, colocam hoje o país a crescer acima da média nos próximos anos. Neste momento, como estão a prever uma redução do crescimento europeu estão também a fazer previsões de Portugal continuar a crescer. Essa percepção do país gera não só mais crescimento no curto prazo, mas mais capacidade produtiva, que gera mais crescimento de médio e longo prazo. É nesse sentido que os resultados são positivos. O país tem que continuar a investir, tem que aumentar os níveis de poupança e investimento se quer garantir ritmos de crescimento maiores, tem que se manter aberto a receber pessoas para atenuar o efeito demográfico e tem que ter muita atenção aos desequilíbrios porque tem um nível de endividamento muito elevado. Conseguiu criar muita confiança nos mercados internacionais porque tem mantido défices baixos e tem feito um esforço de consolidação e tem conseguido reduzir o endividamento e isso dá confiança aos mercados. Essa confiança tem impacto na vida das pessoas porque a poupança de juros significa que há mais para gastar em saúde e educação. A poupança de juros significa também que as empresas se estão a financiar a custos mais baixos. Tem sido um factor muito importante e é um factor a manter.

 

 

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