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Manuel Mira Godinho: “Mudar a inércia e abrir as mentes para novas atitudes”

Como nos encontramos ao nível da inovação em Portugal? Até que ponto Portugal, enquanto país, melhorou ou não a sua competitividade tecnológica relativa? O sistema de ensino tem acompanhado a necessidade de formar para a inovação?
1 Fevereiro 2019, 10h11

Em 2014, Manuel Mira Godinho, Professor Catedrático de Economia do ISEG, Universidade de Lisboa, publicou o ensaio “Inovação em Portugal” com a chancela da FFMS. Cinco anos volvidos, continua a questionar-se sobre o estado da inovação no país e a defender a necessidade de redesenhar os sistemas de incentivos à produção de conhecimento avançado. Entre outras críticas ao sistema de ensino, aponta o facto de “os curricula pouco estimularem a criatividade, a iniciativa ou a capacidade de se assumir riscos”.

 

 

A estratégia de inovação tecnológica e empresarial para Portugal 2018-2030 tem como objetivo “dinamizar a inovação e a adoção de tecnologia pelas empresas e pela sociedade em geral, reforçando a promoção da cultura científica e tecnológica, os instrumentos de internacionalização do conhecimento, o aumento de emprego científico para jovens doutorados e a estabilidade do financiamento das instituições científicas e tecnológicas”. Como vê estes objetivos?

Todos estes objetivos são pertinentes e muitíssimo meritórios, nada tenho a dizer contra eles. O problema, porém, não se encontra nos objetivos. Há décadas que Portugal prossegue políticas estratégicas, com o apoio dos fundos estruturais europeus, onde toda a retórica de suporte a essas políticas não se desvia muito do tom dos objetivos agora propostos para 2018-2030. A pergunta que podemos colocar, em jeito de balanço, é se efetivamente esses programas têm induzido mudança suficiente. E, genericamente, sabemos que, embora tendo essas políticas produzido resultados, o grau de mudança induzido não é suficiente.

A economia real continua a evidenciar fragilidades. Apesar da recuperação registada desde os anos da grande recessão, sabemos que persistem vulnerabilidades estruturais. Se a especialização económica de Portugal mudou nalgum sentido ao longo da última década, foi para um reforço da especialização em atividades de baixo nível salarial médio, consolidando a nossa inserção semi-periférica nas cadeias de valor globais. Em boa medida, a melhoria de desempenho ao nível do emprego registada, verificou-se sobretudo em sectores não mercantis e não tanto com base em sectores envolvendo níveis de qualificação elevados com produtos destinados ao mercado global.

Há pouca presença dos setores de alta tecnologia em Portugal. O que pode mudar a esse nível?

Nas últimas três décadas a especialização industrial portuguesa sofreu uma alteração, com diminuição do peso dos produtos dos sectores de baixa tecnologia e um aumento do peso dos produtos de média tecnologia. Porém, pouco há a contar sobre os produtos dos sectores de alta tecnologia. Até um determinado momento, o peso desses produtos nas exportações de bens parecia que ia alcançar os 15%, mas depois esse peso relativo sofreu uma regressão e nos anos mais recentes evoluiu para um patamar mais próximo dos 5%. A mudança para a especialização centrada em sectores de média tecnologia foi, essencialmente, uma herança do projeto Autoeuropa, que continua ainda a ter um peso grande nas nossas exportações e induziu o desenvolvimento de todo um conjunto de empresas fornecedoras.

Por aqui já se está a ver que uma via relevante para acelerar a mudança estrutural, é a atração de investimento direto estrangeiro. Isto foi tentado no passado em áreas de alta tecnologia, mas os resultados foram modestos. Provavelmente, ainda alguns se lembram do grande projeto de atração da Siemens Semicondutores em 1996, com criação de uma fábrica altamente subsidiada em Vila do Conde. Devido a alguns erros e a uma fase menos boa no mercado de produtos semicondutores, esse projeto não correu muito bem, tendo depois a Siemens liquidado esse negócio. A fábrica de Vila do Conde já teve entretanto várias designações, a recordar: Infineon, Qimonda, Nanium e, mais recentemente, Amkor. Algo similar ao que se passou com o projeto da Siemens, verificou-se com a Embraer. A empresa aeronáutica brasileira realizou investimentos em Portugal, em Alverca e sobretudo em Évora, também com fortes incentivos, mas nunca se desenvolveu tanto quanto o inicialmente esperado.

A outra via relevante para promover a mudança estrutural, consiste no aparecimento de empresas locais em sectores de ponta. Aí, sabemos, há muitas histórias interessantes. Empresas como a Bial ou a Critical Software são hoje case-studies conhecidos. Em anos recentes, empresas  como a Takever, a Vision-Box, a Malo Clinic ou a Feedzai, por exemplo, têm gozado de cobertura mediática, sendo casos muitíssimo inspiradores. Porém, para produzir uma mudança estrutural significativa, seria necessários multiplicarmos estes casos por 10 ou por 20. Acresce que não é apenas na indústria que devemos procurar a mudança estrutural, promovendo sectores e exportações de alta tecnologia. Também na área dos serviços há que consolidar e desenvolver os sectores intensivos em conhecimento. Cada vez mais há que qualificar todo o sector de serviços, a par da indústria.

O que tem de ser feito?

A atração de investimento estrangeiro é uma possibilidade, mas é essencialmente na promoção de empresas de crescimento rápido que devemos apostar. É necessário incentivarmos a aparecimento de novos projetos empresariais, com ambição estratégica, e com equipas muito bem qualificadas. A valorização das áreas tecnológicas emergentes é crítica. A inteligência artificial vai ter uma aplicação horizontal cada vez maior. Por isso é necessário reforçar-se muito toda a oferta de serviços nessa área. Os serviços de saúde de alto valor acrescentado, baseados em biotecnologia, digitalização e genética, vão ter uma procura muito dinâmica nas próximas décadas. As indústrias de reciclagem e mitigação dos danos ambientais vão também continuar a florescer. É fundamental redesenhar os sistemas de incentivos da produção de conhecimento avançado, para que casamentos virtuosos se verifiquem e frutifiquem nessas áreas. O que tem sido feito é interessante mas não é suficiente e, pior que isso, muitas vezes não tem sido muito consequente.

O sistema de ensino tem acompanhado a necessidade de formar para a inovação?

A resposta é “nim” que, como sabemos, é uma combinação de não e sim. O nosso sistema educativo melhorou até certo ponto, tanto no básico, como no secundário e, sobretudo, no superior. O reforço de áreas disciplinares nucleares foi importante para dar uma formação sólida aos nossos jovens do secundário. Os resultados mais recentes dos inquéritos PISA da OCDE, testemunham o progresso que se verificou. Porém, pouco foi feito na qualificação em domínios vitais para a mudança estrutural e para o futuro. Os curricula incentivam pouco a criatividade, o estímulo à iniciativa ou a capacidade de se assumir riscos. A formação para a responsabilização e autonomia, a par do trabalho em equipa, continua a ser insuficiente. É necessário mudar a inércia subjacente a uma cultura estruturalmente conservadora, herdada dos séculos XIX e XX, e abrir as mentes para novas atitudes, criando a base para comportamentos mais proativos e inovadores.

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