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Marcelo veta acesso do fisco a saldos bancários

Presidente da República considera que decreto não prevê qualquer invocação, pela AT de indício de prática de crime fiscal, omissão ou inveracidade ao Fisco ou acréscimo não justificado de património. E considera que novas regras vão mais longe face às exigidas por Bruxelas.
  • Cristina Bernardo
30 Setembro 2016, 15h46

O Presidente da República vetou o decreto de lei que prevê que os bancos tenham de comunicar o saldo global das contas (depósitos e outras aplicações financeiras) dos seus clientes à Administração Tributária quando este ultrapassar os 50 mil euros. Marcelo tinha já sinalizado a sua divergência por considerar ser um acesso indiscriminado a esta informação.

“O Presidente da República devolve, sem promulgação, Projeto de Decreto-Lei que regula a troca automática de informações financeiras no domínio da fiscalidade”, avança uma nota da Presidência da República divulgada ao início da tarde.

O Chefe de Estado sustenta que “o decreto vai mais longe e aplica o mesmo regime de comunicação automática às contas em Portugal de portugueses e outros residentes fiscais no nosso País, mesmo que não tenham residência fiscal nem contas bancárias no estrangeiro”.

Segundo Marcelo Rebelo de Sousa, o Governo limita a comunicação de saldos de mais de 50.000 euros, “mas não exige, para sua aplicação, qualquer invocação, pela Autoridade Tributária e Aduaneira, designadamente, de indício de prática de crime fiscal, omissão ou inveracidade ao Fisco ou acréscimo não justificado de património”.

O veto é ainda justificado com o facto de, atualmente, existirem já “numerosas situações em que a AT” pode aceder a informação coberta pelo sigilo bancário, sem dependência de autorização judicial, nomeadamente quando existam indícios de prática de crime em matéria tributária, de falta de veracidade do declarado, de acréscimos de património não justificado.

A decisão surge uma semana depois de o diploma ter dado entrado em Belém, tendo a partir de 23 de Setembro começado a contar o prazo de 40 dias para decidir sobre a promulgação – e um prazo de oito dias para enviá-lo para o Tribunal Constitucional (TC).

Também nesta quinta-feira, 29 de setembro, após o Conselho de Ministros, a ministra Maria Manuela Leitão Marques, questionada sobre um eventual veto de Marcelo Rebelo de Sousa, admitiu que o Governo está à espera da devolução do diploma sobre o sigilo bancário e “as razões por ele invocadas para rever a posição” do Governo.

A resposta da governante foi dada a uma pergunta sobre um eventual veto presidencial ao diploma que abre as portas do Fisco a contas bancárias com mais de 50 mil euros.

Se Marcelo Rebelo de Sousa quisesse enviar para o Tribunal Constitucional o diploma, que chegou a Belém na sexta-feira passada, hoje seria a data limite para o fazer. Já para a promulgação ou devolução do diploma ao Governo teria mais 30 dias.

Governo deverá deixar cair acesso a contas de residentes

O Executivo de António Costa tem realçado que o diploma é visto com bons olhos, por exemplo, pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE). Este diploma preenche três objetivos: permite concretizar um acordo que foi feito com EUA, que é importante ser aprovado sob pena de os bancos serem penalizados [FACTA]; transpõe uma diretiva comunitária; e tem uma parte que diz respeito ao controlo da fraude ao nível interno.
É, no âmbito desta terceira parte onde surgem as dúvidas constitucionais, pois o Governo, além do que consta da diretiva comunitária (que visa as contas de não residentes nos Estados-membros), optou por alargar o acesso do fisco às contas dos residentes em Portugal, obrigando os bancos a comunicar ao Fisco os saldos bancários dos seus clientes superiores a 50 mil euros.

O Público noticiou esta semana que um eventual veto presidencial levaria o Executivo a manter as duas primeiras partes do diploma, deixando cair a parte mais polémica e relativamente à qual já foram levantadas reservas pelo próprio Presidente da República e da Comissão Nacional de Proteção de Dados (CNPD).

As reservas da Comissão de Proteção de Dados

Recorde-se que um parecer da CNPD considerou que o acesso às contas bancárias em Portugal é ilegal e representa uma restrição desnecessária e excessiva dos direitos fundamentais e à reserva da vida privada, “em violação clara da Constituição da República Portuguesa”.

Para a CNPD, “abala decisivamente o sigilo bancário em relação ao Estado”.

Entretanto, o Governo fez alguns retoques no diploma, restringindo as comunicações a saldos superiores a 50 mil euros e criando um perímetro de segurança maior sobre esta informação.

O valor é apurado por depositante e agrega o saldo de todas as contas existentes num mesmo banco. Assim, duas pessoas que sejam titulares de contas cujo saldo total é de 85 mil euros, por exemplo, ficam de fora deste reporte. Porque se considera que cada uma tem 42.500 euros.

Por sua vez, uma pessoa que tenha 45 mil euros em aplicações financeiras e 6 mil euros na conta à ordem, verá o seu saldo ser comunicado à AT.

Com base nesta informação, a máquina fiscal irá comparar esses dados com os das declarações fiscais desses mesmos contribuintes, para verificar se a riqueza verdadeira e a riqueza declarada coincidem ou não.

Objeções da CNPD não foram ultrapassadas

Na justificação ao veto, Marcelo Rebelo de Sousa recorda que a CNPD tinha já questionado a conformidade do novo regime, na parte em causa, em especial com o princípio constitucional da proporcionalidade, ou seja, o uso de meios excessivos – por falta de regras especificadoras de indícios ou riscos justificativos – no sacrifício de direitos fundamentais, num contexto em que já existiam outros meios de atuação da AT, sem necessidade de decisão de juiz.

Em comunicado, o Presidente da República frisa que a objeção da CNPD “não tinha sido ultrapassada com os ajustamentos pontuais introduzidos na versão definitiva do diploma, conforme esclarecimento divulgado pela mesma a 13 deste mês”.

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