[weglot_switcher]

“Más práticas quase são incentivadas pela não penalização”

Portugal sai destacado pelas piores razões num estudo da Intrum a nível europeu sobre as dívidas às empresas. Luís Salvaterra sublinha que o êxito da recuperação do dinheiro depende da rapidez.
20 Janeiro 2019, 09h00

Existe um grande desfasamento entre os atrasos de pagamentos de dívidas às empresas entre o espaço europeu e Portugal, com desvantagem para o setor empresarial nacional, de acordo com o último estudo da Intrum, a que o Jornal Económico teve acesso exclusivo (ver texto ao lado). Em entrevista ao Jornal Económico, o diretor geral da empresa, Luís Salvaterra, culpa o atual estado de coisas com a ineficiência administrativa dos clientes e com o não pagamento intencional, que é praticamente promovido pela falta de penalização em tempo útil. Mas admite que, de ano para ano, as empresas portuguesas vão recorrendo cada vez mais a empresas de cobrança e gestão de créditos.

Há um grande desfasamento entre os prazos de pagamento às empresas em Portugal e no resto da União Europeia. Apesar de estar a diminuir a que se deve este desvio?

São vários os motivos, mas gostaria de destacar dois – a ineficiência administrativa dos clientes (em Portugal 55%, em Espanha 20%, 45% na União Europeia) e o não pagamento intencional (Portugal 59%, Espanha 21%, 48% na União Europeia), motivos que podem de imediato serem contrariados por todos os agentes económicos envolvidos.

Estas más práticas ganham peso e quase são incentivadas pela não penalização em tempo útil de quem não cumpre as condições contratualizadas. Existem vários mecanismos à disposição das empresas para penalizarem os incumpridores de forma a que haja uma diferenciação entre os que pagam e os que não pagam. Infelizmente, a maioria das empresas e em particular as PME [Pequenas e Médias Empresas] não os utiliza. Também a justiça tem um contributo negativo neste processo pela morosidade com que os processos correm e os elevados custos associados, que atuam como fator de dissuasão.

No seu entender, há alguma razão específica para que esse desfasamento se acentue no setor dos transportes e da logística?

Somos um país em que a maior parte do tecido empresarial é composto por milhares de pequenas e médias empresas, quando estas empresas têm dificuldades financeiras causadas pelos atrasos de pagamento dos seus fornecedores e clientes, este desfasamento acentua-se. No estudo ‘White Paper’ não detetamos nenhuma razão específica para que este setor atinja os 65% nos ‘Atrasos de Pagamento Intencional’. Mais uma vez, consideramos que está relacionado com a dimensão pequena ou média da maioria das empresas.

Considera que há uma correlação direta e causal entre a diminuição do prazo de pagamentos e a percentagem de empresas credoras que recorrem aos serviços de empresas de recuperação de créditos e cobranças? Porquê?

Os estudos que realizamos anualmente respondem afirmativamente. Em Portugal, as empresas esperam, em média, 115 dias antes de enviarem para os serviços de empresas de recuperação de créditos e cobranças as faturas que não foram pagas pelos seus clientes nos prazos acordados.

Na Europa, este número reduz-se em aproximadamente 29%, situando-se nos 82 dias. O sucesso da recuperação tem uma relação muito próxima com a antiguidade da dívida – quanto mais cedo se atuar, mais cedo se detetam potenciais problemas e mais cedo se recebe. A nível europeu, 35% das faturas nunca são reclamadas. Nos países nórdicos, em que as empresas de recuperação de crédito são utilizadas de forma regular desde há muitos anos, os prazos de pagamento são muito menores.

Quais são as perspetivas de evolução desta realidade em Portugal e quais as medidas que poderiam inverter esta situação?

Ano após ano, as empresas em Portugal tem vindo a ‘descobrir’ as vantagens de trabalharem com empresas como a Intrum, que prestam serviços de cobranças e recuperação de créditos. Têm ganho a confiança pelos resultados obtidos e porque a utilização dos nossos serviços nas suas diferentes vertentes, permite-lhes libertarem recursos para se dedicarem ao seu core business, garantindo em simultâneo a melhoria dos fluxos de tesouraria, a redução do prazo médio de recebimento, dos incobráveis e dos custos fixos.

Além de impedir a criação de emprego, esta realidade não acentua uma distorção das leis da concorrência no setor empresarial das economias?

O não pagamento nos prazos tem um impacto muito negativo e causa graves constrangimentos às empresas e economias em geral, inclusive criando situação de concorrência desleal. Imaginemos uma empresa portuguesa que incorpora matéria prima importada por exemplo da Alemanha, na sua produção. Este país concede em média 29 dias para os seus clientes empresas (B2B) [business-to business, ou de empresa para empresa] pagarem e em média, as empresas portuguesas recebem dos seus clientes ao fim de 65 dias. Este diferencial tem um custo que naturalmente se reflete na competitividade das empresas. Também e não menos importante são os recursos extra que as empresas portuguesas necessitam para cobrar quando comparado com outros países europeus.

Como tem evoluído a atividade de Intrum em Portugal e quais as principais oportunidades e ameaças que se deparam à empresa e ao setor em Portugal perante o atual cenário político e macroeconómico?

Estamos desde 1997 em Portugal e o crescimento tem sido uma constante ao longo destes últimos 21 anos. Temos hoje mais de 450 clientes em Portugal e cerca de 250 empregados, gerimos cerca de dois milhões de casos, num valor superior a 3,5 mil milhões de euros.

Acreditamos que vamos continuar a crescer e a liderar a indústria da gestão e recuperação de crédito em Portugal e na Europa. Trabalhamos transversalmente todos os setores de atividade. Um dos nossos grandes desafios e missão é trazer as PME para o patamar onde desde há muito estão sectores como a banca, as financeiras, as telecomunicações e as utilities, ajudando-as a prosperar cuidando dos seus clientes.

Artigo publicado na edição nº1970, de 4 de janeiro, do Jornal Económico

Copyright © Jornal Económico. Todos os direitos reservados.