A anunciada eleição de Joe Biden como presidente dos Estados Unidos da América revelou-se um motivo de  alívio e de euforia para os mercados financeiros. O anúncio de uma potencial vacina com mais de 90% de eficácia e das tréguas comerciais propostas pela Alemanha alavancaram essa euforia, com os mercados europeus a registarem em poucos dias valorizações superiores a 12%.

As bolsas europeias viveram mesmo o seu melhor período de recuperação desde abril, com bancos, companhias aéreas e empresas ligadas ao turismo, a valorizarem mais de 25% num só dia, no que são movimentos completamente anormais.

Os mercados financeiros suplantaram mais uma vez a economia real, que se vê a braços com confinamentos e restrições com consequências estruturais ao nível do emprego.

Grande parte desta euforia deriva de alterações nas estratégias lideradas por algoritmos, que estão programados para mover dinheiro de uma empresa para outra ou entre sectores, sem terem em conta o factor preço. As consequências em cadeia no mercado não lhes interessa, porque não têm emoções. Uma acção subir 5% ou 50% pode mesmo ser indiferente, porque muitos estão programados para comprar ou vender apenas quantidades. Daí termos assistido a variações de 50% em algumas acções durante o dia.

Ora, a vacina anunciada, ou as várias que se seguirão, apenas terão impacto na economia durante o segundo trimestre de 2021, no melhor dos casos, deixando a recuperação adiada. Os negócios mais pequenos e que não conseguem ajustar-se a uma nova realidade vêem-se a braços com cada vez mais dívida, ainda que apoiados por programas de incentivo a endividamento ao abrigo da pandemia. A falência das empresas marcará uma geração através da incerteza e do medo.

Adiado ficou também o plano de estímulos nos Estados Unidos. Uma vez iniciadas as diligências para contagem manual de votos, nem Democratas nem Republicanos irão negociar qualquer pacote fiscal, deixando a Reserva Federal como o único garante da estabilidade do sistema e do apoio aos cidadãos, às empresas e ao governo. Os pequenos empresários continuarão a ser engolidos pelas grandes empresas, as únicas com balanços fortes, tempo e persistência para defender os seus negócios.

Caso a proposta da equipa de transição de Joe Biden, de confinamento durante quatro a seis semanas, se concretize sem um apoio fiscal superior a 2,2 triliões de dólares, teremos um problema na economia e nos mercados.

Todos estes perigos estão a ser subestimados pelos investidores profissionais, ou pelos algoritmos, que induzem à compra de títulos que nos próximos anos não apresentarão rentabilidade.

Ao contrário do dinheiro, que pode ser impresso, o mesmo não acontece com o nosso humor, propensão e capacidade para consumo e investimento. Teremos de esperar para ver quem fica confinado, se a economia ou os mercados.

O autor escreve de acordo com a antiga ortografia.