Afinal, Boris Johnson vai aparentemente ter o que deseja, eleições antecipadas e uma saída da UE sem acordo, após sofrer mais um revés com a decisão do Supremo Tribunal de considerar ilegal a suspensão do Parlamento. Isto depois de o Parlamento ter proibido a saída sem acordo e ter aprovado uma lei a obrigá-lo, se não conseguir um acordo até 19 de outubro, a pedir um adiamento da saída da UE, coisa que ele não fará “nem morto”. Não deixa de ser curioso não conseguirmos perceber, a cada vez que os seus planos são contrariados, se ele perdeu ou ganhou. Como pode Corbyn pedir a sua demissão, tendo votado contra eleições antecipadas? Acredita Corbyn que Westminster o vai querer para primeiro ministro? Não há alternativa, se Boris se demitir, ante o impasse. E Johnson é o único trunfo dos Conservadores em eleições, o único capaz de esvaziar o Partido do Brexit – se algo encarna o Brexit, é ele. Portanto, com a ajuda do seu Rasputine, o conselheiro especial e controlador dos assessores do Governo Dominic Cummings (já fez demitir uma assessora do ministro das finanças), prepara uma campanha sob o mote do Povo (ele e o Governo) contra o Parlamento (a força de bloqueio).

Vivemos momentos únicos na política britânica. Outro sinal da mudança dos tempos é relatado por George Osborne no The Spectator. Conta ele que em 2008 estavam desesperados por convencer Kenneth Clarke a integrar o governo sombra. Marcaram uma reunião para casa de Osborne, mais discreto que no Parlamento, não fosse ele dizer não; à hora combinada, Clarke não apareceu. Osborne desceu à rua e encontrou-o a lutar com o telemóvel para pagar o estacionamento. Finalmente, o homem disse que sim. Agora, uma dezena de anos depois, já nem sequer é bom para membro do partido: ele e uma vintena de outros notáveis foram expulsos por Johnson por se lhe oporem. Conclui Osborne que se está a tornar uma coisa rara: um ex-chanceler que continua no partido.

Na verdade, Boris vende banha da cobra aos britânicos, que caíram no conto do Take Back Control e que acreditaram numa mentira colada nos lados de um autocarro vermelho – mas a mensagem era simples, estudada por Cummings para ir direto ao coração. Portanto, terrivelmente eficaz. A verdadeira estratégia de Boris é teológica: vamos em frente e seja o que Deus quiser. O no deal Brexit é uma lotaria, ninguém sabe o que vai trazer. Mas foram tantos os avisos de calamidade eminente nos últimos dois anos que já são ouvidos com desconfiança. Como está a economia britânica do pós-referendo de 2016? Bem, obrigado. Os recém divulgados resultados de julho mostram o produto a crescer 0,3% no mês; a taxa de desemprego mais baixa dos últimos 45 anos; as desigualdades em mínimos de 30 anos; os salários a crescer ao ritmo mais rápido da última dúzia de anos. Isto prova que o Brexit é bom? Não, apenas que a economia britânica é resiliente, tão resiliente que resiste até a Boris Johnson.