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Mobilidade. Os carros inteligentes em sistemas estúpidos

Demonstrar como a “Internet das Coisas” pode gerar um tráfego mais eficiente é uma das preocupações do especialista em mobilidade Carlo van de Weijer. Numa entrevista exclusiva ao Jornal Económico, o holandês criticou a falta de credibilidade do hidrogénio e dos carros autónomos, e comparou os acidentes que ocorrem todos os dias ao 11 de setembro e a inteligência artificial ao jogo de vídeo Grand Theft Auto.
23 Junho 2019, 20h00

Pronto a utilizar qualquer desculpa para visitar Portugal, o holandês Carlo van de Weijer assume-se como um amante do país. E aceitou o desafio da SingularityU para dar uma formação sobre o impacto da “Internet das Coisas” (IdC) para que a gestão de tráfego se torne mais eficiente.

Em entrevista exclusiva ao Jornal Económico, o especialista falou sobre os veículos elétricos, o processo de transformação da indústria automóvel nos dias de hoje e de como não acredita que os veículos movidos hidrogénio se vão tornar a próxima grande novidade neste setor.

Aproveitando a constante produção de dados, os carros ajudam-se a estar “mais seguros e devem prevenir o congestionamento de tráfego”. Carlo van de Weijer garante que “a IdC vai resolver os problemas de sustentabilidade com os transportes, porque ainda há problemas nesta área”, sendo que o especialista compara os acidentes com automóveis com o 11 de setembro de 2001, visto que todos os dias morrem perto de três mil pessoas no mundo inteiro.

Atento ao que acontece ao ambiente e adepto dos veículos elétricos, o especialista holandês afirma que a poluição ainda é um grande problema neste setor, uma vez que “25% de todas as emissões de CO2 são provenientes dos transportes”. “Apesar das filas de trânsito irritarem as pessoas, não é assim um problema tão grande em termos de poluição”, sublinha van de Weijer.

“Mas o espaço público que é ocupado pelo sistema de tráfego é demasiado elevado!”, afirma o holandês. “Temos de trabalhar nestes aspetos, especialmente na segurança, que é o maior problema dos automóveis atuais, em conjunto com o custo dos acidentes que está a ficar cada vez mais elevado”, garante.

A principal prioridade dos produtores de veículos automóveis deve ser colocar inteligência suficiente no carro para que este consiga evitar produzir acidentes, assume Carlo van de Weijer. Os segundos assuntos que devem ser tratados com rapidez passam pelos danos feitos pela sociedade, os económicos mas especialmente os danos que são fustigados ao meio ambiente que rodeia a esfera dos carros, sustenta o especialista.
Quando questionado sobre como os acidentes podem ser prevenidos, Carlo van de Weijer afirma que há um mínimo de 40 sistemas que o fazem. “Alterei o meu carro para reconhecer peões e bicicletas”, anuncia. “Quando me aproximo de um, os sensores começam a apitar. Este é o primeiro passo que se deve dar, e é bastante simples, porque quando não estamos a prestar atenção ao que nos rodeia, o carro avisa quando podemos causar um acidente”, explica, afirmando que todos os carros deveriam ter esse sistema. Outro exemplo que Carlo garante funcionar é a colocação de uma câmara traseira nos automóveis, uma vez que muitos ainda não usufruem dessa tecnologia. “Ainda há muitos acidentes causados pela marcha-atrás, uma vez que a visibilidade é fraca, e que podem ser prevenidos por uma simples câmara”, sustenta.

A questão dos carros autónomos ainda tem de ser aperfeiçoada, mas o holandês garante não ser “crente” daquilo que muitos apelidam como futura religião. “O tráfego é baseado em tantas regras que não estão escritas, e isso vai ser difícil de gerir na condução de um sistema que se guia assim”, diz. “Não acredito em carros autónomos, mas sou apologista de que rapidamente se vão conduzir muitos veículos elétricos”, assume.

“Agora são apenas automóveis caros, iguais aos outros, mas daqui a cinco ou um máximo de dez anos, eles vão ser mais baratos”, e a dada altura “vai ser mais barato conduzir um veículo elétrico do que um convencional movido a combustível fóssil”.
Ainda assim, van de Weijer assume que “a mudança vai acontecer de uma forma muito rápida porque toda a gente está a tentar poupar dinheiro”, explica, enquanto sustenta que são mais fáceis de conduzir, pois possuem uma caixa de mudanças automática e, consequentemente, aceleram mais rápido e de forma muito mais silenciosa. “Serem bons para o ambiente não é o assunto principal, apenas um extra muito conveniente”, diz.

O motivo que o leva a não acreditar no hidrogénio enquanto combustível passa por este “não se encontrar de forma natural na natureza”, e ter de ser feito a partir da eletricidade, sendo que durante a produção se perde mais de 10% da energia. “Ter de ser guardado no carro vai suprimir a energia, e somos obrigados a produzir eletricidade novamente através de um reator químico”, explica. “Durante todo o processo, perde-se cerca de 80% da eletricidade inicial”, garante o professor de Eindhoven.

Sendo um estudioso desta matéria, garante ser imparcial no que toca ao assunto automobilístico. “Com um carro elétrico, que se descarrega conforme a condução, perde-se 30% da energia mas mantemos os restantes 70%”, diz o holandês. “A única vantagem é o raio de distância para percorrer, que é maior nos movidos a hidrogénio”, explicando que, ao longo de seis anos a conduzir um carro elétrico, nunca teve problemas por a distância ser menor, implicando apenas um pouco mais de planeamento antecipado. Mas admite que o elétrico perde para o hidrogénio por ainda não ser suficientemente grande em termos de carregamento, assumindo que a “bomba” é ineficiente em comparação.

Numa altura em que diversos especialistas pedem uma produção mais sustentável para os elétricos, os estudantes da Universidade de Eindhoven criaram o Lightyear.One, veículo que se move através da energia captada pelo painel solar no tejadilho. “Facilmente calculo que da energia captada por aqueles painéis solares no tejadilho, apenas 5% da energia é utilizada para a condução”, revela. “O meus alunos fizeram um carro que tem capacidade para se deslocar durante 55 quilómetros de distância, e é um modelo pequeno sem qualquer extra”, sustenta, ao mesmo tempo que explica que o modelo tem células solares mais eficientes e melhores do que as utilizadas na atualidade.

“Se não conduzirmos durante dois dias, acumula bateria” diz Carlo van de Weijer, sublinhando que encomendou um carro aos seus alunos porque “estava convencido de que não era possível, e eles criaram-o e estão a vendê-lo”. No teste do veículo foram percorridos três mil quilómetros em cinco dias, e durante essa viagem o veículo produziu mais energia do que a utilizada.

Quanto às tendências de futuro, o holandês acredita que os “carros ligados à rede não se vão vender”, sendo que a tecnologia 5G é necessária para a mobilidade trocar dados de forma constante. “Acho que o futuro do tráfego vai ser gerido por um sistema auto-organizado de indivíduos bem informados”, deixando os governos de parte, uma vez que estes sempre quiseram ditar as regras para o condutor, indicando com placas os locais por onde passar. “Os governos estão preocupados com os sistemas de navegação, e como a Internet entrou nos veículos eles terão de viver com isso”, revela. “O sistema vai ser governado de forma automática pelas próprias pessoas, e isso é uma mudança total de paradigma em que já não há controlo”, explica o professor.

Com a existência de cidades que ainda não carecem deste sistema, tomando como exemplo África, o holandês explica que quem vai beneficiar mais com esta mudança são as infraestruturas que ficaram paradas no tempo, porque “podem saltar o que já foi feito e passar para a atualidade”, sendo que as grandes cidades precisam de “destralhar da tecnologia que já não é necessária, como os sinais de indicação”.

Carlo van de Weijer vai mais longe e afirma que as cidades se tornaram feias por causa do avanço da mobilidade, e que com a nova geração de mobilidade podem ficar bonitas outra vez. “Menos veículos significam mais espaços para viver” e “as grandes cidades devem restringir o espaço que estão a dar à mobilidade”. Isso, explica, passa por “não investir numa grande rede de transportes públicos” nem “investir em demasiado asfalto”, pois “é preciso espaço para a cidade, para um lugar onde as pessoas querem morar”.

Segundo o diretor de mobilidade inteligente de Eindhoven, os próximos veículos devem conter o máximo de inteligência possível, e não as infraestruturas como se tem feito até agora. “Um sistema inteligente sempre foi feito com elementos inteligentes mas praticados numa infraestrutura estúpida, e isso não faz sentido”, assume enquanto diz que com “infraestruturas estúpidas, o sistema pode crescer mais rapidamente, mantendo o foco nos veículos”.

O especialista assume o seu gosto por automóveis, tanto que já pré-reservou o novo Porsche Taycan elétrico que deve sair do ano, mas garante que as cidades têm facilitado a mobilidade quando “a mobilidade é que deve facilitar as cidades”.

Quando a conversa segue o rumo da inteligência artificial, o holandês compara-a ao jogo de vídeo Grand Theft Auto, sublinhando que “seguir a lei é, de vez em quando, muito perigoso”. “Os carros autónomos vão sempre seguir a lei”, realça, explicando que o facto de serem criados para respeitarem escrupulosamente o Código da Estrada levou a acidentes graves e a atropelamentos que se revelaram mortais durante a fase de testes.

Artigo publicado na edição nº1992, de 7 de junho do Jornal Económico

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