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MPLA: o congresso que marca o fim da era de “Zedu”

Depois de ter abandonado a presidência de Angola, José Eduardo dos Santos deixa este sábado a liderança do MPLA, passando o testemunho a João Lourenço, que passa a ser senhor de todo o poder.
8 Setembro 2018, 13h20

Trinta e oito anos depois, a era de “Zedu” chega oficialmente ao fim. Apesar de afastado do poder executivo desde as eleições em agosto de 2018, o ex-Presidente angolano, José Eduardo dos Santos, tratado por “Zedu”, ainda lidera o Movimento Popular de Libertação de Angola (MPLA), até este sábado, quando ceder o cargo ao atual vice-presidente do partido e Presidente de Angola, João Lourenço.

O sexto congresso extraordinário do partido irá ocorrer este sábado, dia 8, em Luanda, marcando de forma inequívoca a transição política para o “pós-Dos Santos”, naquela que o analista Alex Vines, responsável pela área africana do think-thank Chatham House, classifica como “acidentada” e “com algum braço-de-ferro” entre ambos.

A 16 de agosto, o antigo líder angolano fez o último discurso como presidente do partido, numa reunião extraordinária do Comité Central, e disse esperar que o congresso “se afirme como um momento de unidade e de coesão política e ideológica”.

Porém, o analista do Africa Monitor Paulo Guilherme considera que o congresso terá “uma importância simbólica, mais do que efectiva”. Até porque, relembra: as cúpulas do partido já demonstraram estar ao lado de Lourenço, como quando no Comité Central de março, Dos Santos apontou dezembro deste ano ou abril do próximo ano como as datas previstas para o congresso extraordinário e foi obrigado a recuar. “Isto foi nada menos do que humilhante, para alguém que até poucos meses antes era um dos chefes de Estado há mais tempo no cargo em África”, defende Paulo Guilherme.

Que futuro o espera agora e à complexa teia de poder à sua volta? Para já, as expectativas são de que Dos Santos continuará a ter um lugar honorífico no partido, que já está a preparar diversas homenagens com data marcada para o próximo ano. Paulo Guilherme sublinha que, “de facto, foi a sua manobra política e diplomática que permite ao MPLA ir negociando acordos com a UNITA, em momentos de aflição militar nas décadas de 1980 e 1990”, até que a perda grande aliado do movimento do galo negro, os EUA, “muda definitivamente o equilíbrio de forças a favor do MPLA, até Savimbi ser eliminado em 2002”. No entanto, reconhece que “a sua imagem pública está muito degradada, por efeito da crise e dos múltiplos casos em que os seus filhos têm sido implicados”, o que bloqueia as “condições para se tornar numa espécie de contra-poder”.

O analista explica que as acusações na Justiça contra os filhos do presidente Isabel e José Filomeno estão “numa fase muito incipiente”, mas que as alterações introduzidas pelo Congresso poderão levar a procuradoria a “tomar medidas mais enérgicas” em relação aos processos. “Também há que estar atento às consequências da tensa relação entre Isabel dos Santos e a administração da Sonangol, porque pode haver um realinhamento de forças entre os accionistas da Unitel – além de Isabel dos Santos, a Sonangol, a angolana Geni e os brasileiros da Oi, com participações sensivelmente iguais -, com implicações complicadas para o “império” da bilionária angolana”, acrescenta.

Consolidação de poder  para João Lourenço                                                                                                                 

Do outro lado da equação está João Lourenço, que irá ver o poder reforçado. Alex Vines considera que o congresso irá “continuar a concentrar o poder”, alinhando a presidência do partido com a do Chefe de Estado. “A questão-chave daqui para frente é se Lourenço irá usar esse momento para avançar com uma reforma mais equitativa, incluindo a luta contra a corrupção entre aqueles que o apoiaram”, diz.

O analista da Chatham House avalia o primeiro ano do presidente angolano como de transição, ainda que tenha “surpreendido” pelo “ritmo” das reformas iniciais. “O seu principal legado foi o de restaurar a confiança das empresas petrolíferas internacionais em continuar a investir em Angola”, diz. Deste modo, esta eleição representará, acima de tudo, uma “consolidação de poder”, que poderá resultar numa reforma estrutural.

“A diversificação da dependência económica ao petróleo e a preparação para as primeiras eleições municipais em Angola em 2020 são tarefas fundamentais. Lourenço também precisa afastar as reformas de focalizar as redes ligadas a Santos. Uma abordagem mais equilibrada aumentará o apoio, incluindo os esforços de eficiência necessários na burocracia estatal inchada de Angola”, defende Vine.

Já Paulo Guilherme alerta que, embora a transição política tenha corrido “melhor do que se poderia esperar”, a situação económica e financeira “continua a ser grave”.

“Há falta de liquidez generalizada, enormes dívidas do Estado a empresas estrangeiras – grande parte a portuguesas – e a relação de correspondência com bancos internacionais não foi ainda restabelecida”, enumera, acrescentando que “isto mina a confiança dos investidores, que nem sequer têm garantias de poder repatriar lucros das suas actividades”.

O analista aponta a capacidade de atração do investimento estrangeiro como “crucial”, para um crescimento económico sustentável, numa altura em que o país avançou com um pedido de auxílio ao Fundo Monetário Internacional (FMI), que terá uma componente financeira, a três anos, que poderá chegar a 3.780 milhões de euros.

O produto interno bruto (PIB) de Angola diminuiu 2,2% no primeiro trimestre do ano, em relação a igual período de 2017, com a extração e refinação de petróleo a corresponder a um terço (33%) deste valor, seguindo-se o comércio, com 15%, e a construção, com 12%.

“Associada a esta situação económica grave, há uma verdadeira emergência social – despedimentos, trabalhadores com salários em atraso, mesmo em empresas públicas – num país onde as carências já eram muitas. Eu diria que o principal desafio que Lourenço tem é mostrar que é capaz de reverter esta situação. Porque, da mesma forma que a crise económica atingiu a imagem de Dos Santos, as elevadas expectativas que a eleição de Lourenço criou podem tornar-se em frustração e protestos, se as mudanças não passarem do discurso para o dia-a-dia das pessoas”, antevê.

Contudo, antecipa uma remodelação governamental para breve o que poderá ter um efeito atenuante, até porque o Presidente angolano reconduziu vários dos ministros do governo anterior, como o ministro das Finanças, Archer Mangueira, o ministro das Finanças. “Com um Orçamento do Estado com uma lógica diferente, que inclui menos gastos na Defesa e Segurança e mais investimento – e melhor- em áreas críticas para a atracção de investimento, como os transportes ou educação – e um governo renovado com ministros de diferente perfil – quadros angolanos de excelência, alguns deles hoje no estrangeiro – passamos da transição para o início do ciclo Lourenço”, remata.

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