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“Não devemos deixar cair ninguém abaixo do mínimo de dignidade”, alerta Provedora de Justiça

A Provedora de Justiça considera positivas novas medidas de apoio aos trabalhadores independentes, mas renovou hoje no Parlamento o alerta que em várias situações estes continuam sem proteção como casos dos que não se encontram abrangidos exclusivamente pelo regime contributivo dos trabalhadores independentes ou o de membros de órgãos estatutários, mas exercem trabalho por conta de outrem em part-time.
3 Junho 2020, 14h23

“Não devemos deixar cair ninguém abaixo do mínimo de dignidade, independentemente da sua condição laboral. Temos de assegurar que esse direito chegue a todos. É um imperativo que impende sobre todos nós”. Foi desta forma que a Provedora de Justiça, Maria Lúcia Amaral, deixou hoje um apelo no Parlamento sobre a atual falta de proteção social de alguns trabalhadores independentes e trabalhadores informais.

Maria Lúcia Amaral considerou positivas novas medidas de apoio aos trabalhadores independentes, mas voltou a alertar que em várias situações estes continuam sem proteção, tendo sinalizado aos deputados da Comissão de Orçamento e Finanças que enviou nova recomendação Ministra do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social, Ana Mendes Godinho.

“A 21 de abril, fiz eco das queixas que me chegavam. Por isso, enderecei uma recomendação à Srª ministra do Trabalho e Segurança Social relativa a problemas no âmbito das medidas de apoio extraordinário à atividade dos trabalhadores independentes”, avançou Maria Lúcia Amaral numa audição requerida pelo PSD que está a decorrer nesta quarta-feira, 3 de junho, no Parlamento a propósito da interpretação e aplicação pela Autoridade Tributária (AT) e pelo Governo da lei que alterou o Código do IRS, e ainda sobre a atual falta de proteção social de alguns trabalhadores independentes.

Aos deputados, a Provedora explicou que perante aquele regime extraordinário decorrente da crise da Covid-19, colocou à ministra Ana Mendes Godinho quatro questões: duas relativas ao seu âmbito e duas relativas a montantes. E sinalizou que com o decreto-lei de 7 de maio ficou resolvido o problema de exclusão de trabalhadores independentes que tivessem iniciado atividade nos últimos meses, mas não asseguravam o critério para apoios de três meses consecutivos de atividade independente. Maria Lúcia Amaral adiantou ainda que a questão relativa a montantes de apoios a sócios gerentes, com recomendação de correção do seu cálculo, foi também corrigida a 2 de maio. Mas realça que houve, porem, duas medidas que não foram atendidas; “pessoas que tinham tido o azar de mudar de vida pouco tempo antes do surto pandémico e tinham sido sempre trabalhadores dependentes e decidiram alterar a sua vida acabaram por ter um apoio que ignorava completamente todo o seu passado contributivo”.

Por resolver, diz, ficou ainda os casos de pessoas com atividade independente que acumulavam com trabalho parcial e, conclui, “este regime continua a pressupor no seu âmbito a exclusiva atividade independente”.

Face à crise da Covid- 19 e aos seus efeitos no trabalho informal, Maria Lúcia Amaral defendeu: “nós não estamos perante um problema da Segurança Social. O que aconteceu em todo o mundo não era previsível. É uma questão de Orçamento do Estado e como tal deve ser encarada e resolvida”.

Esta responsável acrescenta que “não se pode construir um sistema de Segurança Social que pudesse valer uma situação para a qual não estávamos preparados e acudir com estritos meios orçamentais”. E deixa o repto aos deputados para que seja encontrada a solução orçamental para “assegurar que a ninguém seja tirado o chão mínimo da dignidade de vida”.

“Acho que cabe aos senhores deputados definir a solução, tendo em conta os recursos orçamentais e independentemente da condição laboral das pessoas”.

Os alertas da Provedora

A 19 de maio, a Provedora de Justiça, Maria Lúcia Amaral, considerou positivas novas medidas de apoio aos trabalhadores independentes, mas alertou que em várias situações estes continuam sem proteção, tendo enviado nova recomendação Ministra do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social, Ana Mendes Godinho.

Maria Lúcia Amaral aplaudiu o alargamento dos apoios relacionados com a Covid-19 a sócios-gerentes com trabalhadores a cargo e aos trabalhadores independentes sem descontos, bem como a redução do prazo de garantia do subsídio social de desemprego. Mas alertou para várias situações que continuam sem proteção como casos dos que não se encontram abrangidos exclusivamente pelo regime contributivo dos trabalhadores independentes ou o de membros de órgãos estatutários, mas exercem trabalho por conta de outrem em part-time.

“A Provedora de Justiça regista como positivas as alterações introduzidas pelo Decreto-Lei n.º 20-C/2020, de 7 de maio, ao Decreto-Lei n.º 10-A/2020, de 13 de março, no sentido de reforçar o apoio aos trabalhadores independentes e membros de órgãos estatutários de pessoas coletivas na atual conjuntura económico-financeira provocada pelo surto epidemiológico que o país e o mundo enfrentam, mas salienta que diversas categorias de trabalhadores continuam sem apoios”, avançou a Provedoria de Justiça.

Segundo a Provedora revelou na altura em comunicado, ainda sem ter recebido qualquer resposta a uma recomendação que dirigiu, a 21 de abril, à Ministra do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social, com vista a um conjunto de alterações ao apoio extraordinário à redução da atividade dos trabalhadores independentes devido ao surto do novo coronavírus, “o referido diploma legal demonstra que o Governo acompanhou algumas das preocupações e recomendações formuladas pela Provedora de Justiça”.

As recomendações acolhidas

“Desde logo, foi acolhida a recomendação de ser acautelada a situação dos trabalhadores independentes que se encontravam excluídos de qualquer apoio, através da introdução das novas medidas agora previstas nos aditados artigos 28.º-A e 28.º-B do Decreto-Lei n.º 10-A/2020, de 13 de março”, explica a Provedoria de Justiça.

Em causa estão as alterações do decreto-lei de 7 de maio no subsídio social de desemprego, e atendendo às necessidades decorrentes da natureza abrupta da pandemia, onde o Governo reduziu para metade os prazos de garantia existentes: de 180 para 90 dias de trabalho por conta de outrem, com o correspondente registo de remunerações, num período de 12 meses imediatamente anterior à data do desemprego. E de 120 para 60 dias de trabalho por conta de outrem, com o correspondente registo de remunerações, num período de 12 meses imediatamente anterior à data do desemprego, no caso de desemprego involuntário por caducidade do contrato de trabalho a termo.

O Executivo agilizou ainda o procedimento de atribuição do rendimento social de inserção, não dependendo da celebração do contrato de inserção. Este apoio pode ser requerido até 30 de Junho de 2020, não podendo ser cumulável com outras prestações sociais.

Para a Provedora de Justiça são também de aplaudir as alterações relativas aos membros de órgãos estatutários de pessoas coletivas, quer quanto ao aumento do limite de faturação exigido (60 mil para 80 mil euros), quer quanto ao alargamento do âmbito pessoal da medida, que passou a incluir todos os “gerentes de sociedades por quotas”, quer tenham ou não trabalhadores a cargo, desde que desenvolvam “essa atividade numa única entidade”.

As questões que ficaram por resolver

Mas Maria Lúcia Amaral deixava o alerta: “ficaram, no entanto, por acautelar as situações dos trabalhadores independentes que anteriormente ao exercício da respetiva atividade autónoma exerceram atividade profissional como trabalhadores por conta de outrem, os quais, não vendo relevada a sua anterior carreira contributiva, são agora prejudicados no apoio a que podem aceder, porque reconduzidos apenas à nova ‘medida extraordinária de incentivo à atividade profissional’”.

A Provedora de Justiça realçou ainda em meados de maio que igualmente por acautelar ficaram os casos dos que não se encontram abrangidos exclusivamente pelo regime contributivo dos trabalhadores independentes ou o de membros de órgãos estatutários, mas exercem trabalho por conta de outrem em “part-time”. Casos, diz, em que é “crescente o número de queixas que a Provedora de Justiça tem recebido a este respeito”.

Quanto ao valor do apoio extraordinário, Maria Lúcia Amaral defendeu que muito embora tenha sido fixado um limite mínimo no apoio extraordinário, não foi corrigida a desigualdade de tratamento entre os trabalhadores independentes que acederam ao mesmo e os que beneficiam do apoio excecional à família. E realçou que outra das questões mais visadas pelas muitas queixas que a Provedora de Justiça continua a receber é a que respeita aos montantes “muito reduzidos” dos apoios financeiros calculados e atribuídos, havendo vários a denunciarem “graves dificuldades” em subsistirem com recurso ao valor que lhes foi pago.

A Provedoria concluiu que por não ter sido ainda recebida resposta à sua recomendação foi enviado ofício de insistência ao gabinete da ministra Ana Mendes Godinho, no qual, diz, são mencionadas outras situações que não foram abrangidas pelas medidas de apoio e que têm sido também objeto de queixas recentes como a dos trabalhadores por conta própria que se dedicam exclusivamente ao alojamento local e os membros de órgãos estatutários de pessoas coletivas constituídas no corrente ano de 2020.

 

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