De acordo com um relatório da Autoridade da Mobilidade e dos Transportes (AMT), a CP – Comboios de Portugal registou mais de 24 mil reclamações em 2017, ou seja cerca de 66 por dia. É um número assustador que coloca a companhia na liderança das queixas nos transportes em Portugal. Nada de novo, ainda assim, já que há muito que se generalizou a contestação popular face à notória degradação dos seus serviços, que reflete uma gigantesca falta de meios técnicos e humanos.

Atualmente, a CP só tem metade dos comboios a funcionar: dos 795 veículos da frota, apenas 374 estão ao serviço regular da população. As contas são do R&C da empresa de 2017, que indicam que 327 comboios estão em situação “inoperacional” e outros 94 são utilizados de forma pontual. A idade da frota é outro dos constrangimentos da companhia, que investiu apenas 13,7 milhões de euros na melhoria dos comboios o ano passado. Basta lembrar que há mais de 20 anos que não se compra um único comboio novo em Portugal!

Claro que o resultado só pode ser o aumento das supressões – a CP anunciou recentemente o corte de ligações em agosto – e mais inconvenientes para os utentes. A companhia precisa de comprar dez novos comboios para o longo curso (Alfa) e 25 para o serviço regional para assegurar um serviço eficiente e capaz de responder às necessidades mínimas dos passageiros.

Importa também ter em conta que, para o ano, deverá arrancar a liberalização do mercado do transporte ferroviário de passageiros, que abrirá o mercado às empresas estrangeiras. É certo que falamos de uma liberalização que acontecerá no espaço europeu e não de uma eventual privatização da CP, mas é óbvio que não estando esta preparada para um novo mercado mais competitivo, os riscos são enormes para uma empresa que não soube acautelar o futuro.

Desde logo porque haverá mais concorrência com mais operadores, por exemplo, os espanhóis da Renfe e os alemães que produzem as carruagens. A imprensa portuguesa e espanhola já deu conta que a Arriva, empresa do operador ferroviário Deutsche Bahn (DB), quer operar na rota Porto-Corunha via Vigo e, em seguida, pretende prolongar a operação até Lisboa.

Estranhamente, o Governo português parece desconhecer as intenções desta multinacional, apesar de ter consignado há dias, através da Infra Estruturas de Portugal (IP), a empreitada de eletrificação do troço da Linha do Minho, entre Viana do Castelo e Valença, num investimento de 18 milhões, naturalmente cofinanciado em 85% pela União Europeia. Investe a Europa nas nossas infraestruturas ferroviárias para, em 2019, se tornar num mercado livre para operadores, mas a nossa CP não se preparou ainda para esta nova complexidade.

E se entretanto, ao abrigo da liberalização do mercado, surgirem mais propostas internacionais para operar entre Porto e Lisboa ou Sintra, Cascais e Lisboa ou outros troços rentáveis do ponto de vista operacional? A CP tem capacidade financeira para absorver esta deslocalização de passageiros?

É bom que o Governo olhe para a realidade que se encontra bem à frente dos nossos olhos e que se coloque em campo rapidamente para reestruturar a CP, promovendo a sua eficiência e alcançando a sua sustentabilidade financeira. Isto se não for já demasiado tarde, o que seria trágico para os transportes públicos, para os utentes, para Portugal. Quero acreditar que não, que não haverá mais atrasos para a CP.